A vida não acaba após uma demissão: veja como superar o luto e se recolocar
Demissões em massa abalam a saúde mental. Mas um desligamento não é o fim do mundo, e pode ser um ponto de virada na carreira. Entenda.
Basta ler o noticiário semanalmente para ver. Nos últimos meses, empresas vêm anunciando frequentemente demissões de grandes quantidades de funcionários – os apelidados “layoffs” – para cortar custos e enfrentar a crise. A tendência começou ainda em 2022, mas ganhou mais força neste ano. Só no primeiro bimestre de 2023, mais de 50 companhias brasileiras tomaram medidas do tipo, segundo a plataforma de empregos Layoffs Brasil.
O problema é global. 3M, Goldman Sachs, Morgan Stanley e Disney são algumas das gigantes americanas que entraram na onda. As mais afetadas, porém, foram empresas de tecnologia – naturalmente, já que são negócios com alto potencial de crescimento, que costumam investir forte em expansão e sofrem mais em épocas de vacas magras.
Por aqui, nomes como iFood, C6 Bank, Loggi, PagBank, Loft e QuintoAndar engrossam esse grupo – só elas somam quase duas mil demissões no ano. As big techs também não escapam. Amazon, Microsoft, Meta (dona do Facebook) e Alphabet (mãe do Google) demitiram milhares de funcionários cada uma nos últimos meses.
O fenômeno é resultado de uma tendência global pós-pandemia: bancos centrais mundo afora subindo os juros para enfrentar a inflação persistente. Juros altos esfriam a economia – e consequentemente a inflação –, e o efeito colateral negativo é o desemprego.
Se a onda de layoffs é consequência de uma crise financeira, ela também causa sua própria crise: um inferno astral em massa na saúde mental da população. O estado psicológico dos trabalhadores fica extremamente abalado – e não só de quem é vítima direta da demissão. Quem continua no emprego também sofre de males como ansiedade, por medo de ser o próximo da lista.
Um relatório da consultoria de RH Randstad concluiu que 52% dos trabalhadores relatam preocupação com os impactos das incertezas econômicas no mercado de trabalho, e 37% afirmaram especificamente que temem perder o emprego. A pesquisa ouviu mais de 35 mil adultos em 34 países (Brasil incluso).
Os mais afetados, por óbvio, são os que efetivamente acabam demitidos. E nem só em cenários de layoffs – qualquer demissão involuntária pode ter profundos impactos na mente. A psicologia compara o processo com términos de relacionamentos e, guardadas as devidas proporções, com o luto pela perda de pessoas próximas.
Um dos artigos científicos mais amplos sobre o tema revisitou os dados de mais de 324 estudos e concluiu que pessoas desempregadas possuem uma saúde mental deteriorada em diversas frentes – não só coisas mais óbvias, como desenvolver estresse e ansiedade por conta da situação financeira, mas também passam a ter relações piores com familiares e amigos. E os sintomas tendem a cessar quando o indivíduo volta a ser contratado.
Uma outra pesquisa descobriu que as chances de uma pessoa saudável desenvolver algum problema de saúde aumenta em até 83% nos primeiros 18 meses após uma demissão – sendo que a maioria dessas enfermidades tem relação direta com quadros de estresse, como hipertensão, artrite e doenças cardíacas.
Moral da história: demissões involuntárias são quase sempre um processo traumático, difícil de digerir. Mas não são o fim do mundo – e nem da carreira de um profissional. Nos próximos parágrafos, aprenda como tornar a experiência menos intragável, e, de quebra, fazer uma limonada dos layoffs que a vida dá.
Como se preparar
Parte da responsabilidade de mitigar os danos de um processo traumático de desligamento vem das empresas, é claro. “[Num cenário ideal], a demissão nunca deveria ser uma surpresa, em todos os sentidos”, diz Paula Esteves, co-CEO da Cia dos Talentos. “Se a organização está passando por um momento difícil e desafiador, como é possível em qualquer mercado, é importante que busque transparência com seus trabalhadores.”
Segundo Paula, a empresa falar abertamente com os colaboradores sobre suas dificuldades ainda é um tabu, porque existe a ideia de que aquilo pode afastar talentos ou demonstrar fraqueza. Isso não faz muito sentido nem em condições normais, mas menos ainda num cenário com demissões em massa no mundo todo.
Do lado das empresas, é importante também ter uma explicação clara sobre o porquê da demissão. Se um dos critérios para decidir os desligados foi o desempenho, um feedback final detalhado é importantíssimo para o trabalhador planejar seus próximos passos – sendo que o mais ideal mesmo seria uma cultura constante de feedbacks, de modo que o funcionário sempre estivesse ciente da sua situação.
As empresas sabem da responsabilidade que têm – tanto que um dos assuntos em alta é a tal da “demissão humanizada”, que buscaria minimizar os danos em todo o processo, incluindo no momento do comunicado em si.
Lindo, na teoria, mas todos sabem que a prática é menos utópica. A solução, então, é o próprio empregado correr atrás do prejuízo.
Se o objetivo é tornar uma demissão menos traumática, o processo ideal começa antes, quando o emprego ainda existe. E o primeiro passo para isso é se perguntar: o que eu faria se fosse demitido hoje?
Pensar na própria demissão como uma possibilidade próxima – e falar abertamente sobre ela – é uma prática nada usual. A onda de layoffs trouxe essa ideia de volta, mas não de uma forma saudável: a reflexão vem regada de medo e ansiedade. É necessário buscar uma abordagem mais racional.
Porque o lado mais negativo do processo é o “fator mudança forçada” em todos os aspectos da vida, de supetão. Encarar a demissão como ela realmente é – um evento muitas vezes inevitável, tão comum e possível na trajetória profissional como uma promoção – ajuda a aliviar essa faceta.
O primeiro passo é sempre o planejamento financeiro. Construir a tradicional reserva de emergência quando se tem uma fonte fixa de renda é indispensável. O tempo para absorver a demissão enquanto você não volta a ter uma fonte de renda, afinal, servirá de base para todo seu planejamento.
Essa reserva deve cobrir seis meses de gastos (ou um ano para profissionais fora do regime CLT) e ser mantida num investimento seguro e fácil de sacar – caso do Tesouro Selic, no qual dá para investir via Tesouro Direto, ou de fundos de renda fixa com liquidez diária que basicamente só invistam nesse tipo de título público (eles costumam trazer a palavra “Simples” no nome, tipo “Index Simples Selic Renda Fixa”). Busque aqueles com a menor taxa de administração. Poupança? Melhor não: o rendimento dela será sempre menor.
Para além das finanças, também há uma mudança mais subjetiva importante a ser tomada enquanto você está empregado: a do mindset. “A nova estabilidade tem que estar centrada em você mesmo: na sua capacidade de se tornar empregável”, recomenda Edwiges Parra, psicóloga especialista em RH.
Isso significa que um bom profissional deve estar sempre procurando se desenvolver para, no caso de uma demissão, ter mais facilidade para voltar ao mercado de trabalho. Daí a ideia de um eventual desligamento fica bem menos amedrontadora – e, se de fato vier a acontecer, o processo será mais palatável.
Fui demitido. E agora?
Ok, esse é o cenário ideal. Mas uma boa parte, talvez a maioria, de quem é vítima das demissões em massa não se enquadra nisso. Esses profissionais acabam sendo pegos de surpresa, e têm de correr atrás do prejuízo. O que fazer?
Na parte emocional do processo, o importante é não se sentir culpado pela tristeza e outros sentimentos ruins do pós-demissão – nem tentar abafá-los. O trabalho faz parte da nossa identidade; perdê-lo sempre será doloroso. Na medida do possível, dê tempo ao “luto”.
Se os sentimentos são de autodepreciação e baixa autoestima ou se questionamentos sobre a própria qualificação surgirem, é crucial buscar entender o que motivou a demissão. Se foi um problema de performance, é preciso identificar e revisitar essa carência para corrigi-la.
Tendo isso em mente, partimos para o planejamento de carreira. Aqui, dá para encarar a demissão como uma oportunidade de analisar a vida profissional, e, quem sabe, questioná-la. É um verdadeiro processo de autoconhecimento, uma chance de refletir sobre pontos esquecidos no dia a dia de um emprego fixo.
Pergunte-se: você estava feliz naquele cargo? Quer seguir nessa função, ou mesmo nessa área? É hora de uma transição de carreira? E voltar ao mercado como funcionário é realmente a única opção? Empreender ou buscar modelos mais flexíveis e menos estáveis de trabalho também são cartas na mesa.
Não faltam histórias de quem estava confortável em um emprego, foi demitido e mudou de vida forçosamente – só para descobrir que gostavam mais da nova aventura do que do conforto do cargo anterior. Lembrar-se sempre dessa possibilidade é um jeito mais positivo de encarar o processo.
Tudo é possível para os próximos passos depois de uma demissão. Mas é importante ter um objetivo mais ou menos claro. No desemprego, nadar conforme as ondas, sem saber direito aonde quer chegar, é uma armadilha. Trace um plano nítido.
Se o objetivo for de fato voltar ao mercado de trabalho, é hora de ir à ação. Uma dica simples, mas que pode frequentemente ficar de lado, é revisitar o currículo e atualizá-lo com detalhes. Quando estamos num emprego fixo, podemos acabar esquecendo de incluir cursos, projetos, mentorias ou outras qualificações que podem incrementar o documento.
Uma das ações mais importantes – e também mais desafiadoras – quando se perde o emprego é manter o networking. Estamos acostumados a manter contatos pelos canais profissionais, que de repente evaporam. Agora, mais do que nunca, é preciso contatos, mas fica mais difícil consegui-los. Mas como?
Se a separação foi amigável, vale a pena manter também uma boa relação com ex-colegas, clientes e, por que não, ex-chefes – possíveis indicações dessas pessoas são valiosas.
Mas é preciso também uma busca ativa para se manter conectado com a área profissional desejada. Eventos, congressos, grupos de estudos ou mesmo comunidades em redes sociais são caminhos possíveis para expandir o networking, e que não dependem do emprego.
É no LinkedIn que, naturalmente, se deve apostar nessa fase. Assim como o currículo, ele pode acabar sendo meio esquecido quando temos um emprego fixo; na demissão, busque reaquecê-lo – pode até ser relembrando conquistas passadas que não foram para o feed na época.
Não dá para ficar parado, esperando uma vaga cair no colo. Manter-se informado sobre as novidades da área onde quer trabalhar é o mínimo que se espera. Para ir além, aproveite a demissão para buscar mais desenvolvimento pessoal e profissional – pode ser através de cursos formais ou aprender por conta própria novas competências e habilidades. Quando empregados, podemos ficar sem tempo ou motivação para explorar esse tipo de aprendizado.
Outro ponto importante é manter algum tipo de rotina e disciplina no gerenciamento do tempo. É fácil perder a organização quando não existem mais as balizas do trabalho formal para te guiar; é preciso desenvolver uma espécie de autogestão, que exige por sua vez muita responsabilidade. Estabelecer metas realistas e cumpri-las aos poucos é o primeiro passo.
Sem esquecer, é claro, de incluir nessa rotina pausas para descanso e lazer. No desemprego, tendemos a ver esses momentos como surtos de preguiça ou luxos que não somos dignos de ter, numa espécie de autopunição pela falta de trabalho. Bobagem – e contraprodutivo. Se a demissão por si só é traumática, não temos por que torná-la pior. Sendo o copo esvaziado contra sua vontade, resta olhar para o lado meio cheio. E seguir em frente.
Absorva
Num cenário ideal, toda demissão seria transparente e bem explicada pela empresa. Se isso não acontecer, reflita você mesmo sobre os motivos, sem se culpar. Se foi por algum problema de desempenho, você já tem o alvo a ser melhorado.
Dê tempo
Não tente se culpar ou lamentar o que poderia ter sido diferente. Também não vale a pena abafar as emoções e não viver o “luto”. Se a situação financeira permitir, se dê alguns dias para absorver o baque antes de começar a agir.
Planeje
A demissão também é uma oportunidade para repensar a trajetória profissional. É preciso ter um objetivo claro de quais serão os próximos passos: a ideia é voltar para a mesma área? Mudar de carreira? Empreender?
Networking ativo
Contatos costumam vir mais facilmente quando temos um emprego, mas, fora dele, é preciso uma busca ativa: em eventos, congressos, cursos e redes sociais, principalmente o LinkedIn, claro.
Desenvolva
Aproveite para buscar mais aprendizados que, no emprego, eram difíceis de encaixar na rotina: cursos, treinamentos, estudos por conta própria.