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O trabalho depois do coronavírus

Descubra quais serão as grandes mudanças que devem ocorrer quando a quarentena terminar

Por Caroline Marino
Atualizado em 6 abr 2021, 11h43 - Publicado em 24 jun 2020, 08h00
 (Foto: Tomás Arthuzzi / Ilustração: Laís Zanocco/VOCÊ S/A)
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Na segunda quinzena de março, quem passava pela região da Avenida Faria Lima não reconhecia o centro financeiro e empresarial mais movimentado da cidade de São Paulo. Não estavam mais ali os onipresentes carros, patinetes e profissionais que trabalham em empresas famosas daquela área (como Klabin, Pirelli, ­Google, XP e Microsoft, para citar só algumas) e transformam o local num vaivém frenético durante o horário comercial. Só sobraram os motoboys de delivery. Tanto que, no dia 17 de março, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registrou somente 31 quilômetros de congestionamento às 19 horas. A média do horário é de 89 quilômetros.

As ruas desertas em São Paulo — e em tantas outras cidades — são um reflexo da pandemia do coronavírus, que colocou o mundo inteiro em quarentena. E, quando dizemos o mundo, é o mundo mesmo. Um levantamento feito pela agência de notícias AFP mostrou que, no começo de abril, quase 4 bilhões de pessoas estavam em casa devido às restrições de mobilidade. Isso significa que metade da população do planeta ficou sem botar o pé na rua.

O isolamento social é fundamental para que a curva de contágio da covid-19 seja mais lenta, o que minimiza o impacto nos sistemas de saúde, que poderiam colapsar caso todos ficassem doentes ao mesmo tempo. Mas essa medida, importante para salvar vidas, naturalmente desacelera a economia. Ao opor duas necessidades básicas humanas, a sobrevivência física e a sobrevivência financeira, esta crise se torna uma das mais complexas da história.

E as consequências econômicas já são sentidas. O Brasil, que não estava no melhor dos cenários antes do coronavírus aterrissar em território nacional, já começa a sentir o baque. De acordo com o IBGE, o produto interno bruto (PIB) do primeiro trimestre caiu 1,5% e a expectativa do governo é que, até o fim do ano, a queda seja de 4,7%. A estimativa dos analistas do banco Goldman Sachs é ainda mais pessimista e projeta uma retração de 7,7%.
Para os trabalhadores, a conta chegou.

A Medida Provisória no 936, que deu às empresas a oportunidade de suspender contratos e reduzir salários e carga horária temporariamente sem precisar de acordos coletivos em vários casos, fez com que 7 milhões de profissionais com carteira assinada vissem seus holerites diminuir de uma hora para outra. Além disso, o país perdeu 1,1 milhão de vagas CLT entre março e abril, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Só em abril, quando mais de 860.000 postos foram fechados, as demissões cresceram 17% e as admissões caíram 56,5% em comparação ao mesmo mês em 2019. Esses foram os piores resultados de abril na série histórica, que começou a ser medida em 1992.

Com esses índices, não é de estranhar que ansiedade, preocupação e insegurança sejam sensações que acometem todos os profissionais — mesmo os que ainda estão empregados ou conseguindo manter seus negócios de alguma maneira. Uma pesquisa feita pelo Datafolha em maio exemplifica o desalento: 69% das pessoas acreditam que a pandemia do coronavírus irá impactar a atividade produtiva por muito tempo. O que mais se ouve no mercado é que, mesmo quando a pandemia passar, o mundo nunca mais será como antes.

E o que isso significa para o trabalho? A resposta não é simples. Mas já existem alguns indícios de como o trabalho será no pós-coronavírus. E alguns aspectos são bem complicados para a ponta mais fraca da cadeia — o trabalhador. Nas próximas páginas, respondemos a cinco grandes questionamentos.

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1. As relações profissionais serão precarizadas?

Um dos grandes temores dos profissionais é que, com a crise, a precarização das relações de trabalho se aprofunde. Existem alguns indícios que mostram que essa preocupação pode ser válida. Um deles é o fato de que as negociações indivi­duais entre patrão e empregado devem se tornar padrão. Isso já estava previsto na reforma trabalhista de 2017, mas veio à tona com força por causa da MP no 936, que permitia que quem ganhasse mais de 12.202,12 ­reais ou menos de 3.135 reais negociasse redução salarial e suspensão de contrato diretamente com a empresa. A MP passou por votação na Câmara, que diminuiu a faixa para 2.090 reais, e agora segue para o Senado.

O problema desse tipo de negociação é que ela não é equilibrada: um dos lados (o do funcionário) é mais fraco e se sente pressionado a ceder, mesmo contra sua vontade. “A pandemia acentuou alguns processos. De março para cá está ficando muito claro o que pode acontecer quando o empregado fica refém da negociação individual. Ele aceita qualquer coisa, pois precisa sobreviver, precisa do salário”, diz Flávio Roberto Batista, professor de direito do trabalho e seguridade social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Os acordos individuais fazem com que as relações de trabalho deixem de ser um conjunto de regras gerais, o que cria uma imprevisibilidade. Afinal, não há mais um parâmetro global regendo todas as questões. “Isso gera o que alguns autores chamam de ‘uberização do trabalho’, o que pode até aumentar a jornada”, diz o antropólogo Michel Alcoforado, sócio do Grupo Consumoteca, que atua com transformações culturais e comportamento.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Outro ponto importante vem do home office forçado: as empresas compreenderam que a produtividade não precisa ser focada nas cargas horárias, mas nas entregas — e isso pode abrir uma avenida para a substituição dos empregados integrais por trabalhadores freelancers ou terceirizados. “Em um contexto de imprevisibilidade em relação ao futuro, os chamados contratos sob demanda ganham força e o CLT começa a fazer menos sentido, o que gera mais insegurança no trabalhador”, afirma Michel.

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O advogado Cristóvão Macedo Soares, sócio do escritório Bosisio Advogados, complementa: “As tecnologias que existem hoje permitem a contratação de pessoas para demandas ou projetos específicos, com foco apenas na entrega do resultado esperado. Por isso, serão necessárias garantias básicas e representação sindical, o que só será possível com mudanças legislativas e apoio do Estado”.

2. O home office se tornará imposição?

Em meados de maio, Mark Zuckerberg conduziu uma videoconferência com os funcionários do Facebook. Em pauta estava o comunicado de que o home office continuará até dezembro de 2020 para quem preferir trabalhar de casa. E ele fez uma previsão: daqui a dez anos, 50% dos funcionários do Facebook deverão exercer suas atividades remotamente. Mas, para o fundador da rede social, isso não significa que tudo ficará como antes para os funcionários.

Pelo contrário. Zuckerberg afirmou que a partir de janeiro de 2021 haverá ajustes salariais para os empregados que trabalharem de locais com o custo de vida mais baixo do que a cara Menlo Park, na Califórnia (nos Estados Unidos), onde fica a sede do Facebook. De acordo com ele, os funcionários precisarão informar e comprovar onde sua casa fica e, dependendo da região, terão os ganhos reajustados para baixo. Quem mentir sobre a localização terá sérias penalidades, disse o empreendedor.

A decisão de Zuckerberg é extrema, mas demonstra uma das consequências do home office: economia de custos para as empresas. Sem a circulação total dos funcionários, os escritórios tendem a ficar menores, o que diminui gastos com aluguel, manutenção predial, água, luz e energia elétrica, por exemplo. No entanto, algumas empresas estão oferecendo benefícios de home office, como auxílio para pagamento de internet, luz, telefone e mobiliário ergonomicamente adequado. Mas isso vem da vontade da companhia, pois não existe uma lei que determine o que deve ser oferecido aos empregados remotos. A reforma trabalhista de 2017 estabeleceu que funcionários e empresas devem firmar um contrato individual com os termos do teletrabalho.

“Teremos ainda anos de discussões judiciais em torno disso. De maneira prática, se houver a necessidade de reforçar o pacote de internet para ter mais velocidade, quem vai bancar a diferença de preço? O empregador é quem deve arcar com os riscos da atividade econômica dele”, diz Flávio, da USP.

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Fato é que o home office veio para ficar no Brasil. Segundo uma pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral, 86% das empresas devem manter o trabalho remoto após a pandemia. E existe, também, vontade de parte dos funcionários de continuar nesse esquema — mesmo que o desejo tenha diminuído durante a quarentena. Isso fica claro numa pesquisa da Gallup que mostra que, em abril, 53% dos americanos gostariam de permanecer em home office a maior parte do tempo possível; no início do isolamento o índice era de 62%.

Entre os brasileiros, o desejo é o meio-termo. Segundo um levantamento do Grupo Consumoteca, feito com 2.000 pessoas de todo o Brasil e de diversas gerações e classes sociais, 41% preferem intercalar home office com idas ao escritório, e só 31% querem ficar em casa o tempo todo quando a quarentena passar. “Um dos maiores legados da pandemia é a capacidade de tornar os profissionais híbridos. Quanto mais as companhias se conscientizarem de que o home office não é motivo de medo, nem de falta de controle ou de baixa produtividade, mais a flexibilidade ganhará força”, diz Ligia Zotini, pesquisadora de futuros e fundadora da consultoria Voicers.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Mas, para que esse futuro híbrido dê certo, será preciso atentar para alguns aspectos. O antropólogo Michel, do Grupo Consumoteca, elenca três deles: a desmaterialização, movimento de levar tudo o que é físico para as plataformas de gestão digital; a assepsia, zelo por limpeza, segurança e readaptação de ambientes; e a descontextualização, em que se perde a noção dos dias e se trabalha mais. “É possível notar isso observando as pessoas em home office. A maioria está trabalhando mais do que no escritório”, afirma Michel. E está mesmo. Segundo uma pesquisa do Centro de Inovação da FGV Eaesp, 46% dos profissionais relataram aumento na carga de atividades no teletrabalho.

Por isso, caberá às companhias criar mecanismos de controle de horas a distância e estimular que ninguém trabalhe além da conta — com o exemplo partindo das lideranças. Também é necessário possibilitar que empregados que prefiram ir para o escritório tenham essa opção pelo menos durante alguns dias da semana.

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Afinal, cada um tem suas particularidades, e o home office pode ser complicado para alguns empregados — existem pessoas sem espaço físico em casa para preparar um local voltado para o trabalho ou profissionais que têm dificuldades em conciliar o próprio trabalho com as atividades de parentes ou cônjuges, por exemplo. E isso pode gerar ansiedade, como demonstra uma pesquisa feita pelo LinkedIn com 2.000 profissionais que mostra que 62% estão mais ansiosos no home office. A batalha para se desconectar das atividades profissionais será árdua e exigirá que os empregados tenham disciplina — e criem rituais próprios — para desconectar, mesmo com os equipamentos da empresa 24 horas à disposição.

Meio-termo

Até março, Luciano Moraes, de 44 anos, gerente de gestão de arrecadação da Ecorodovias, empresa de infraestrutura focada na gestão e na operação de concessões rodoviárias, nunca tinha trabalhado de casa. Quando a covid-19 chegou ao Brasil, ele e sua equipe de 31 pessoas tiveram de ir rapidamente para o home office e precisaram se adaptar. “O começo foi muito difícil. Duvidava da produtividade em casa.

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Luciano Moraes, gerente de gestão de arrecadação da Ecorodovias. (Celso Doni/VOCÊ S/A)

Achava que não daria certo, que haveria muita dispersão.” Acostumado com a rotina do escritório e a gerenciar o time olho no olho, Luciano precisou aperfeiçoar algumas competências, como a empatia, a organização e a atenção aos detalhes para tornar a rotina produtiva. Ele conta que, apesar de a maioria ter se ajustado rápido, houve o caso de uma pessoa que estava com muitas dificuldades.

Depois de algumas conversas, e até da possibilidade de trabalhar no escritório (que estava vazio), tudo entrou nos eixos. “Está fluindo. Mas sinto falta do contato do dia a dia, da troca de ideias no café, do almoço com a equipe.” Para ele, esses eventos são importantes para o desempenho e a orientação das atividades — por isso, estipulou conversas diárias com o time, para não perder a proximidade. “Acredito que o modelo anterior não vai mais voltar. Vejo uma mistura entre trabalho presencial e remoto.”

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3. O jeito de fazer carreira vai mudar?

Existem vários tipos de carreira possíveis hoje, mas a trajetória mais tradicional — de entrar numa companhia e ir crescendo aos poucos, ano a ano — parece estar em xeque. Com a crise da covid-19, ficou claro para muitos que não se pode jogar todas as fichas na estabilidade da empresa em que se trabalha. “Está ficando menos confortável e seguro depositar toda a confiança em apenas um empregador. E a pandemia deixou isso ainda mais claro com o volume de demissões”, diz Leandro Herrera, fundador da Tera, escola que desenvolve habilidades digitais. Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive, complementa: “Há alguns anos defendo o conceito de trabalhabilidade, a capacidade de o indivíduo produzir e gerar renda. Muito além do emprego tradicional, os profissionais terão de encontrar outras alternativas”.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Por isso, surge um movimento de pessoas buscando, por necessidade, a mescla entre o modelo CLT e o de freelancer, o que é legal, desde que o profissional preste atenção em algumas questões. “A lei só proíbe ter mais de um trabalho se a atividade concorrer com a da empresa CLT ou se atrapalhar o andamento das tarefas”, diz Flávio, da Faculdade de Direito da USP. Em contrapartida, esse movimento pode gerar uma carga excessiva de trabalho, aumentando o risco de problemas de saúde física e mental.

Quando falamos de ascensão na carreira, um tema que começa a ser debatido é o da mobilidade. Antes da pandemia, era comum que uma das exigências para a sucessão fosse a disponibilidade de mudança de cidade. “Hoje, as companhias se questionam se é preciso transferir o funcionário ou se a empresa pode ir até ele”, diz Rafael. O mesmo vale para as expatriações. Apesar de ainda ser cedo para afirmar, é possível que as transferências entre países diminuam ou passem a ser virtuais — já que as nações deverão ter protocolos mais rígidos para a entrada de estrangeiros.

Na prática, a nova carreira internacional seria formada por reuniões e contatos mediados pela tecnologia. “Isso vai gerar menos benefícios para o profissional, que não terá a mesma imersão em uma cultura diferente, mas poderá aumentar a chance de haver mais pessoas de diversos países na empresa”, afirma Björn Hagemann, sócio da consultoria McKinsey.

Transformação e insegurança

Em março, o telefone de Rafael Marino, de 37 anos, não parava de tocar: eram clientes informando que adiariam eventos planejados para ocorrer ao longo do ano. Sócio e diretor de novos negócios do Estúdio Like, empresa de conteúdo e tecnologia para o mercado de eventos e publicidade, Rafael teve certa dificuldade para assimilar o que estava acontecendo. “Nunca tínhamos passado por algo parecido antes.”

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Rafael Marino, sócio e diretor de novos negócios do Estúdio Like (Celso Doni/VOCÊ S/A)

Uma reserva financeira tem ajudado a empresa a segurar as pontas e a manter os oito funcionários empregados por 11 meses. Mas, para seguir em frente, era preciso se reinventar. “Tivemos de pensar em maneiras de gerar renda para sobreviver por pelo menos mais seis meses e ter menos prejuízo.” A aposta está em três frentes: eventos online, projeções de imagens e vídeos em empenas de prédios e, para quando o isolamento acabar, drive-in para eventos de negócios e entretenimento. “Foram três meses sem entrar nada.

Apenas agora começamos a ver algumas possibilidades.” Para Rafael, os grandes eventos vão demorar muito para voltar e esta crise deverá gerar mudanças no setor, tanto nos contratos (que costumam estipular prazos longos de pagamento) quanto nas concorrências (em que várias agências precisam apresentar projetos completos de eventos, sem nenhuma remuneração prévia). “O mais difícil é não ter perspectiva de retorno. Isso gera muita insegurança.”

4. O empreendedorismo será a grande solução?

Seja pelo desemprego, seja pelo temor de seu setor de atuação nunca mais ser o mesmo (vide as expectativas incertas para o turismo e para os bares e restaurantes, por exemplo), mais brasileiros estão empreendendo. Em maio, o número de microempreendedores individuais chegou à marca de 10 milhões no país — algo que pode ser visto como reflexo da crise. Nesses períodos, é normal que as pessoas fiquem mais estimuladas a tocar os próprios negócios, normalmente por duas motivações.

A primeira é o entendimento de que as empresas existentes, por causa do momento instável, não conseguem criar oportunidades interessantes do ponto de vista profissional. A segunda é a sensação de que, na crise, há menos a perder. “A necessidade de sobrevivência estimula a geração de ideias”, diz José Augusto Figueiredo, presidente no Brasil e vice-presidente executivo para a América Latina da consultoria LHH.

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Fonte: ILO Monitor Covid-19, OIT (Arte/VOCÊ S/A)

Mas empreender num mundo incerto pós-covid-19 será duro. As previsões econômicas são catastróficas, como bem resume o Fundo Monetário Internacional, que afirma que o planeta enfrentará a pior recessão da história desde a Grande Depressão de 1929. “Os mercados emergentes e as nações de baixa renda, por toda a África, América Latina e boa parte da Ásia, correm alto risco”, disse no início de abril Kristalina Georgieva, diretora do FMI.

Segundo Rafael, da Produtive, para embarcar no empreendedorismo é preciso atentar para alguns pontos. Tudo começa com um planejamento bem estruturado, com pesquisa de mercado e análise financeira cautelosa, levando em conta a instabilidade do momento econômico atual. “É preciso muito cuidado para não se descapitalizar.” Em seguida, deve-se deixar de lado a ilusão de empreender para ter mais qualidade de vida e liberdade. “Nos primeiros anos é necessário muito empenho e trabalho, e o retorno é incerto, podendo demorar anos para acontecer”, diz. Quanto aos setores mais promissores, destacam-se saúde, higiene e os baseados em tecnologia. “Produtos e serviços que melhorem a experiência, tornem a vida mais prática e reduzam custos são boas apostas”, diz Rafael.

Por necessidade

Em outubro de 2018, Dani Sacomano, de 35 anos, mudou de carreira. Ela deixou seu trabalho como bailarina e professora de dança do ventre para se tornar comissária de bordo, o que lhe daria mais estabilidade. “Estava em um caminho muito próspero e me sentia feliz e segura.” Mas tudo virou de cabeça para baixo na segunda semana de março deste ano, quando a escala de voos de Dani caiu de 85 para 13 horas mensais. Com o salário atrelado às horas trabalhadas, ela viu sua renda despencar.

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Dani Sacomano deixou seu trabalho como bailarina e professora de dança do ventre para se tornar comissária de bordo. (Celso Doni/VOCÊ S/A)

“Fiquei paralisada, sem saber o que fazer, e com muito medo de voar por causa da contaminação, já que minha mãe mora comigo.” Em abril, ela resolveu pedir uma licença não remunerada de seis meses e começou a pensar em alternativas para gerar renda. “Foram muitas noites sem dormir.” O que ajudou Dani foi uma coach com a qual havia conversado no passado, um pouco antes de sua transição de carreira.

Com as consultas de mentoria, ela percebeu que tinha uma alternativa: a produção e entrega de marmitas saudáveis — algo que fazia para si própria durante os voos. Assim nasceu o projeto Afago, que só foi possível com o apoio financeiro de alguns amigos. “No mercado as pessoas falam de investidores-anjos; eu digo que tive amigos-anjos.” A venda das marmitas ainda não gera lucro para arcar com todas as despesas, mas Dani conta com a ajuda mensal de uma amiga. No futuro, sua expectativa é conciliar o trabalho de comissária de bordo com o empreendedorismo.

5. A arquitetura do escritório se transformará?

O open space, o famoso estilo arquitetônico que tomou conta dos escritórios nas últimas décadas e que coloca todos os funcionários lado a lado, sem divisórias, pode estar com os dias contados. Pelo menos da maneira como nós o conhecemos hoje. A pandemia do coronavírus irá demandar que os espaços de trabalho sejam mais privados e distanciados, o que talvez signifique um ressurgimento dos cubículos.

Nos Estados Unidos, uma tendência é a colocação de placas de acrílico separando as pessoas, o que evita que gotículas de saliva se espalhem pelo ambiente. A engenhoca foi batizada de sneeze gards ­— literalmente, “protetor de espirros”. Por lá já existe, inclusive, uma cartilha para que os escritórios se adaptem à nova realidade de higiene máxima. As sugestões partem do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Entre as recomendações estão distribuir álcool em gel, disseminar uma etiqueta respiratória (com reforço para que as pessoas cubram tosses e espirros), desencorajar os funcionários a compartilhar equipamentos com os colegas, aumentar a limpeza das áreas comuns, cuidar do sistema de ventilação e substituir itens compartilhados das copas e cafezinhos por descartáveis individuais.

Mesmo que essas sugestões não sejam tomadas pelas companhias brasileiras, existe uma tendência para que o distanciamento social e a limpeza mais ostensiva das áreas comuns continuem por um tempo. Além disso, elevadores não poderão ficar lotados e é provável que as companhias façam checagem de temperatura nos funcionários.

Com mais pessoas em home office, o tamanho dos escritórios deve diminuir. “Locais grandes e com vários andares tendem a desaparecer com o rodízio de pessoas no escritório”, diz a headhunter Priscila Salgado, fundadora da consultoria VerticalRH.

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(Arte/VOCÊ S/A)

O que mudará, também, são as interações pessoais. Esqueça salas lotadas para reuniões. Os encontros deverão ser mais curtos e ter a participação apenas das pessoas imprescindíveis presencialmente. Será cada vez mais comum ter parte do time acompanhando as discussões online. Isso também deve se refletir nos encontros de negócios: o almoço executivo pode ser substituído por videoconferências, que terão o mesmo objetivo de relacionamento e fechamento de novos negócios.

Os beijinhos, apertos de mãos e abraços — tão queridos pelos brasileiros — talvez fiquem no passado, já que a epidemia deixou as pessoas mais receosas de se tocarem. E também é possível que as confraternizações e happy hours caiam em desuso por certo tempo — pelo menos até todos se sentirem seguros para frequentar bares e restaurantes novamente.

Reforma à vista

A SAS, empresa de inteligência de dados, já está pensando na nova arquitetura de seu escritório em São Paulo (no Rio de Janeiro e em Brasília a empresa fica em coworkings, e a adaptação será por conta das empresas que os hospedam) para quando a quarentena terminar. Quem está à frente desse processo é Kleber Wedemann, de 41 anos, diretor de marketing para a América Latina, que conta com a ajuda de um time de arquitetos contratados pela multinacional.

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Kleber Wedemann, diretor de marketing da SAS. (Celso Doni/VOCÊ S/A)

E algumas questões já estão definidas: as mesas terão 2 metros de distância entre si, as portas serão automáticas e haverá protetores de calçados, máscaras e álcool em gel à disposição dos empregados. Segundo Kleber, como existirá um rodízio de funcionários em home office, a circulação diminuirá em 60%. “A pandemia é um evento que não consta em nenhum manual de gestão de crise e os desafios são inúmeros: adaptar o espaço para atender ao distanciamento social, redesenhar projetos e mudar as interações entre as equipes e os clientes.” Se antes era comum receber parceiros de negócios para almoços e cafés, agora isso deverá ser feito usando a tecnologia. “O novo normal será conviver com essas interações sociais inéditas.”

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