Quando as soluções comuns não funcionarem na sua carreira, saia pela tangente
Pensar fora da caixa não é tarefa fácil. Mas há maneiras de exercitar o músculo da criatividade, o que pode te tirar de enrascadas no ambiente corporativo. Confira.
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e há algo que sabemos sobre a vida, é que problemas virão. Há muitos livros para te ensinar a encontrar soluções para eles: em geral, envolvem planejamento com antecedência, calma e paciência. Ninguém aborda, no entanto, o que fazer quando não há tempo para recalcular a rota do início.
Quando imprevistos acontecem e as soluções tradicionais não são o bastante, o autor Paul Savaget sugere que você saia pela tangente. Às vezes, soluções rápidas e pouco óbvias podem apagar incêndios melhor do que a busca incessante pela resposta correta. Afinal, quando a casa está pegando fogo, não dá tempo de pensar em muita coisa, certo?
Savaget estava cansado de procurar respostas e encontrar apenas conselhos como: “colaborar mais ativamente”, “melhorar a coordenação e o alinhamento dos envolvidos”, entre outras. Nenhuma delas é errada, mas são óbvias e difíceis de aplicar no momento da confusão – exigem tempo. Por isso, começou a pesquisar formas inusitadas de sobreviver a situações pouco amigáveis. Como resultado, escreveu o livro “Saia pela Tangente: As estratégias de empresas ousadas para contornar problemas complexos”.
Dois grupos de pessoas o inspiraram a estudar a busca de soluções inusitadas: organizações do terceiro setor e hackers.
Para ele, organizações de serviços sociais frequentemente são ousadas, combativas, engenhosas e operam à margem do poder. Acabam encontrando saídas que podem parecer desengonçadas, mas desafiam a forma corporativa de enxergar o trabalho. “Percebi que é da natureza humana ter coragem para enfrentar os obstáculos, mas que isso muitas vezes nos faz bater a cabeça contra a parede”, escreveu sobre elas.
O que o fascinou nas atividades dos hackers foi a agilidade no pensamento: “o segredo dos hackers é que eles atravessam territórios inexplorados e, em vez de enfrentar os eventuais gargalos no percurso, eles saem pela tangente”.
[Hackers] encontram caminhos que talvez não resolvam os problemas de uma vez só, mas lhe permitem obter resultados imediatos e bons o suficiente
Ganhos rápidos abrem o caminho para mudanças e inovação. Uma vez que uma nova forma de solucionar dificuldades se mostra possível, explorar todas as suas possibilidades é instigante, e o processo pode gestar novas culturas dentro das empresas.
Segundo o próprio autor, essa é uma forma criativa, flexível e imperfeita de lidar com problemas. Ignora ou até desafia as convenções sobre como e por quem um problema deve ser resolvido.
Leia um trecho do livro e tire suas próprias conclusões:
Página 21, Parte 1
As Quatro Tangentes
A saída pela tangente é uma forma criativa, flexível e imperfeita de lidar com problemas. Em essência, uma tangente é um método que ignora ou até desafia as convenções sobre como e por quem um problema deve ser resolvido.
É particularmente adequada quando os métodos tradicionais de solução de problemas falharem sistematicamente, ou quando você não dispõe do poder ou dos recursos necessários para seguir a abordagem não convencional.
Existem quatro tipos de tangente, e cada um usa um atributo diferente. A “carona” tira proveito de sistemas ou relacionamentos preexistentes, mas aparentemente não relacionados. A “brecha” se concentra na aplicação seletiva ou na reinterpretação das regras que tradicionalmente definem uma situação. A “rotatória” quebra ou perturba padrões de comportamento que se autorreforçam. Por fim, o “túnel” reaproveita ou combina maneiras diferentes de fazer as coisas.
Qualquer pessoa pode acabar se deparando com uma tangente, mas conhecer essas abordagens vai permitir que você as busque de forma intencional.
Página 162, Parte 2
Capítulo 5 – Postura
Desobedecer ≠ desviar
O ser humano é conformista, mas isso não significa que sejamos ingênuos ou que cumpramos cegamente as regras. Para entender os limites dos desvios, temos que compreender que desobediência não é o oposto da conformidade.
A desobediência vai abertamente contra o sistema, e o sistema quase sempre age em retaliação. O desvio, por outro lado, é mais complexo. Tal como muitas das tangentes que discutimos na Parte I, o desvio implica abordagens não convencionais que usam as partes do status quo que funcionam (conforme a intenção ou não) para mudar as partes que não funcionam.
Certa vez, ouvi uma história sobre um professor de química do ensino médio, muito benquisto pelos alunos, que permitiu que todos levassem uma folha de papel A4 para um teste com consulta. “Vocês poderão usar como auxílio durante o exame tudo o que couber nesse espaço”, disse ele aos alunos.
Alguns se esqueceram e apareceram de mãos vazias, mas a maioria aproveitou a situação e encheu uma página com o máximo de fórmulas possível. Alguns pensaram que não seriam pegos se usassem folhas um pouco maiores.
Quem a olho nu notaria a diferença de alguns milímetros? Mas o professor se antecipou a esse tipo de desobediência e mediu a folha de cada aluno, rasgando e jogando fora as muito grandes. Uma aluna se destacou quando chegou para fazer o exame com uma folha totalmente em branco no tamanho solicitado.
Ela então colocou o papel no chão e pediu ao professor que ficasse em cima dele durante o teste. Impressionado com sua engenhosidade, o professor concordou e respondeu calmamente às suas questões. Não sei se a história é verdadeira (suspeito que não seja), mas ela resume perfeitamente a postura atenciosa, inquisitiva e ousada que caracteriza a abordagem dos desviantes em oposição aos desobedientes.
Agora examinemos mais de perto as diferenças entre desobediência e desvio com exemplos de trapaças, para que possa convencê-lo a olhar com mais simpatia para a atitude de quem desvia.
O custo da mentira
Você deve se lembrar de como Lance Armstrong caiu em desgraça. Com sua reputação manchada e seus sete títulos do Tour de France retirados, Armstrong foi considerado um “trapaceiro em série” pela Agência Antidoping dos Estados Unidos, e responsabilizado pelo que ficou conhecido como um dos programas de doping mais sofisticados que qualquer esporte já viu.
Embora muitos o vejam como uma exceção, trapacear não é tão raro. A primeira pesquisa em grande escala sobre trapaça, publicada em 1964, trouxe dados de estudantes de 99 faculdades dos Estados Unidos, e revelou que três quartos dos estudantes já se envolveram em um ou mais casos de desonestidade acadêmica.
A trapaça, no entanto, não acontece apenas na dianteira de uma corrida ou no fundo de uma sala de aula. Um estudo publicado pela Nature em 2005 descobriu que um terço dos cientistas observados se envolveu em práticas de pesquisa questionáveis, incluindo má conduta como falsificar dados e alterar os resultados para agradas as agências de financiamento.
Muitos desobedecem às regras sobre rigor metodológico e transparência, mas apenas alguns são pegos. O caso mais tragicômico que conheço é do professor de Harvard Marc Hauser, biólogo evolutivo. Hauser foi considerado culpado de fabricar dados, manipular resultados experimentais e descrever incorretamente como seus estudos foram conduzidos. A parte cômica é que, mais de uma década antes de ser pego, Hauser publicou um artigo com o seguinte título: “O custo da mentira: trapaceiros são punidos entre os macacos-rhesus”.
Por que a desobediência é tão comum? E, mais importante, em que circunstâncias ela ocorre? Vou responder a essas perguntas, mas não agora. Primeiro, vamos tentar fazer um experimento mental.
Você é um trapaceiro?
Vamos supor que você esteja fazendo um exame final importante na faculdade, competindo contra milhares de outros estudantes por uma bolsa de estudos de prestígio. Você seria capaz de trapacear?
Não? Espere. E se você ouvisse de um colega que o corpo docente não está nem aí para quem trapaceia? Ao que tudo indica, os professores não suportam os longos procedimentos burocráticos necessários para punir uma trapaça e por isso evitam o “flagra” a todo custo. Você trapacearia agora que sabe que as regras são aplicadas de maneira tão flexível?
Ainda não? Então você dá uma olhada rápida na sala e vê seus concorrentes trapaceando, porque eles também sabem que ficarão impunes. Se você não fizer o mesmo, estará em desvantagem. Será que isso liberta o trapaceiro que existe em você?
De repente, a trapaça se tornou mais justificável moralmente, certo? Como bem indicado por um importante estudo de economia comportamental: “As pessoas agem de forma desonesta o suficiente para lucrar, mas honestamente o suficiente para se iludirem a respeito da própria integridade”. Somos todos um pouco desobedientes, desde que isso não nos destaque muito da multidão.
Desviar > Desobedecer
Por isso é tão importante diferenciar os desvios, que são o oposto do conformismo, da desobediência, que é o oposto da obediência. Nós nos conformamos às verdadeiras “regras do jogo”: desobedecê-las parece moralmente aceitável quando isso nivela a disputa.
Isso explica por que, quando somos confrontados com nossos deslizes, nossas respostas se assemelham às de crianças em postura defensiva: “Mas, mãe, todo mundo faz também!”. Justificamos a nossa desobediência mencionando a nossa conformidade com a multidão.
Tente refletir sobre seus deslizes diários – não deve ser muito difícil identificar algumas situações em que você ache a desobediência algo razoável. De minha parte, não espero pela luz verde do pedestre toda vez que atravesso a rua no Brasil. Mas, quando morei na Alemanha, me senti pressionado a esperar junto com os outros pedestres, porque ninguém mais estava atravessando.
Ambos os casos mostram a minha conformidade, mas no Brasil eu simultaneamente me conformo e desobedeço. Com essa nuance, percebemos que a desobediência só é desviante quando se destaca do que é visto como prática normal ou padrão em nossos respectivos contextos.
Portanto, aqui estão dois grandes motivos pelos quais você deveria encarar os desvios com mais simpatia. Primeiro, ao contrário da desobediência, o desvio é transformador. Ele envolve pensamento crítico e desafia o status quo.
Segundo, embora a desobediência o torne responsável pela quebra de regras, o desvio não precisa ser hostil – basta pensar em como as muitas tangentes da Parte I demonstram ser possível destacar-se da multidão sem quebrar as regras.
Agora que convenci você do valor de uma atitude desviante, vejamos diferentes abordagens para o desvio, e como as tangentes nos permitem desviar de maneira mais eficaz e graciosa do que as outras abordagens.
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