Setembro Amarelo: como falar sobre a depressão na empresa
Estudos mostram que mais de 30% dos trabalhadores já tiveram episódios traumáticos no expediente, mas 49% não se sentem confortáveis em admitir o problema
Quando descobriu que a sua falta de energia para trabalhar era um sintoma de depressão, a administradora Aide Torres, 55 anos, vivenciou uma mistura de culpa e medo. Como ela é autônoma, sentiu que não tinha “o direito” de ficar doente, que deveria ter sido mais atenta aos sinais, e teve muito receio de contar pelo que estava passando para seus clientes. “É questão de sobrevivência: se alguém achar que você não vai cumprir com o resultado, pode colocar você na geladeira”, afirma.
Essa percepção é compartilhada por profissionais de diferentes áreas, já que a depressão é uma das principais causas de absenteísmo e é a doença mais incapacitante do mundo em 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, são grandes as chances de um profissional experimentar um episódio de crise durante o expediente. Estudos internacionais apontam que a maioria das pessoas passa um terço da vida adulta no trabalho, e que uma em cada quatro sofre de alguma doença mental todos os anos.
As mesmas estatísticas mostram que, apesar de cerca de 30% dos profissionais já terem sofrido crises mentais no ambiente corporativo, 49% não se sentem confortáveis em falar sobre o assunto com superiores e colegas. “A questão é bem sensível, pois vivemos um momento de preconceito muito grande”, afirma José Gallucci Neto, psiquiatra, diretor da unidade de vídeo EGG do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
O psiquiatra orienta que, num primeiro momento, o funcionário comunique a questão ao médico da empresa, que está obrigado a guardar sigilo. “Quanto menor a exposição do funcionário, melhor.”
Se a empresa não tiver um departamento médico – ou, como no caso de Aide, que é autônoma e precisou comunicar o problema para seus clientes – a melhor maneira de fazer isso é contar com naturalidade, como se fosse falar de uma enxaqueca, por exemplo. “Afinal, trata-se de uma doença como outra qualquer, e é assim que deve ser encarada”, afirma Gallucci Neto. Procure focar nos impactos que a depressão tem no seu rendimento no trabalho – não precisa detalhar os sintomas.
Para os gestores e colegas de alguém que sofre da doença, o importante é reconhecer que se trata de um problema cada vez mais comum, que pode atingir qualquer pessoa. “A empresa precisa ser um lugar aberto para se falar sobre o tema”, diz João Silvestre Silva-Junior, professor de Medicina do Trabalho do Centro Universitário São Camilo.
Silva-Junior cita o termo psicofobia, cunhado pela Associação Brasileira de Psiquiatria para se referir ao preconceito contra as pessoas que têm alguma doença mental, e frisa a importância de combatê-lo em todas as instâncias dentro das organizações.
A participação de quem está ao redor é importante para encorajar o doente a buscar ajuda e mostrar acolhimento. Aide se sentiu respeitada quando tomou coragem para comunicar à principal cliente sobre sua doença e sobre seu afastamento do trabalho por três meses. “Assumi que estava com um problema de saúde, respeitei meu corpo e, em troca, recebi apoio, sem julgamento”, afirma.
Aprenda a acolher
Quatro orientações para você lidar com um colega de trabalho que tem depressão.
1- O foco dos assuntos não deve ser a doença – converse sobre isso apenas se o outro quiser.
2- Uma atitude vale mais do que mil palavras: ofereça ajuda nas tarefas do dia a dia.
3- Nunca sugira que o colega deva ter mais força de vontade. Isso é o equivalente a dizer a uma pessoa com a perna quebrada que ela precisa se esforçar mais para correr.
4- Nem a depressão, nem qualquer outra condição médica, define o paciente. Não limite os passos de alguém com um olhar estreito sobre o que ele enfrenta.