Imagem Blog

Cris Kerr

Por VOCÊ S/A
Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em Inclusão & Diversidade, professora da Fundação Dom Cabral, Mestra em Sustentabilidade e idealizadora do Super Fórum Diversidade & Inclusão.
Continua após publicidade

Como uma simples abreviação do nome na ABNT impacta a igualdade de gênero

Se uma pessoa citar meu primeiro livro em um artigo acadêmico, ela seguirá a ABNT e escreverá da seguinte maneira: KERR, C. Viés Inconsciente. Literare Books Internacional: São Paulo, 2021. Será que quem não me conhece saberá que o livro foi escrito por uma mulher, pela Cris, ou vai pensar que o C abreviado se refere a um Carlos ou Cristian?

Por Cris Kerr
Atualizado em 20 fev 2024, 11h29 - Publicado em 20 fev 2024, 06h00
-
 (skynesher/Getty Images)
Continua após publicidade
S

e uma pessoa citar meu primeiro livro em um artigo acadêmico, ela seguirá a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e escreverá da seguinte maneira: KERR, C. Viés Inconsciente. Literare Books Internacional: São Paulo, 2021.

A provocação que faço é: será que quem não me conhece saberá que o livro foi escrito por uma mulher, pela Cris, ou vai pensar que o C abreviado se refere a um Carlos ou Cristian?

Quem já leu o meu livro sabe que a resposta, infelizmente, é a segunda opção. Por conta dos nossos vieses inconscientes, tendemos a supor que cientistas de renome e pessoas autoras, pesquisadoras e escritoras são do gênero masculino. E essa visão vale tanto para homens quanto para mulheres, pois esses vieses estão enraizados na nossa cultura e nas nossas crenças.

O que explica isso? Homens são mais inteligentes que as mulheres? Não. E não há, inclusive, qualquer evidência científica disso. Pelo contrário: as pesquisas mostram que se trata de uma questão de percepção. Um estudo publicado na Revista Science mostra o resultado de um experimento com crianças de 5 a 7 anos.

Continua após a publicidade

Na primeira parte, as pessoas pesquisadoras contaram uma história sobre uma pessoa muito, muito inteligente para um grupo de meninas e meninos sem dar pistas sobre o gênero dessa pessoa. Em seguida, mostraram quatro fotos de pessoas desconhecidas — duas mulheres e dois homens.

As crianças precisavam adivinhar quem era a pessoa mais inteligente entre as quatro opções. A maioria das crianças com 5 anos escolheu o próprio gênero como a pessoa mais inteligente. A partir dos 7, no entanto, várias meninas escolheram o gênero masculino.

Na segunda parte do experimento, as pessoas pesquisadoras apresentaram dois jogos que tinham quase o mesmo nível de dificuldade: um para pessoas inteligentes, outro para pessoas muito esforçadas. A partir dos 7 anos, muitas meninas optaram por participar do jogo para pessoas esforçadas, por acreditarem que inteligência é uma característica masculina.

Continua após a publicidade

Por isso, volto ao início. Um dos sintomas dessa percepção enviesada é a suposição de que a letra inicial de um nome em uma citação pertence a um homem. Para quem não sabe, até o final do século 18 as mulheres não podiam escrever livros, nem publicar trabalhos científicos – afinal, a escrita e a ciência eram atividades masculinas.

Em uma coluna recente, contei a história da astrônoma e astrofísica Cecilia Payne-Gaposchkin, primeira mulher a obter o título de doutora no Radcliffe College em 1925, época em que a Universidade de Cambridge – e muitas outras – só concedia diplomas para homens.

Em sua tese, ela mencionou a descoberta de que estrelas eram compostas de hidrogênio e hélio, mas foi contestada e ridicularizada por seus pares a ponto de omitir a informação na pesquisa. O fato científico só se tornou “oficial” quatro anos depois, quando seu orientador, Henry Norris Russell, fez a mesma descoberta, aí sim dando o devido crédito.

Continua após a publicidade

A regra de Cambridge que não permitia diplomar mulheres foi revertida em 1948. Desde então, podemos afirmar que as portas dos departamentos e laboratórios científicos estão abertas para todos e todas. Mas, na prática, a crença oposta persiste.

Uma pesquisa feita pelo Gallup nos Estados Unidos perguntou a pessoas da geração Z – nascidas entre 1997 e 2011 – sobre o interesse delas em ocupações STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Somente 63% das mulheres disseram se interessar por alguma dessas áreas, contra 85% dos homens que afirmaram o mesmo.

Isso se reflete na realidade: de acordo com o mesmo estudo, as mulheres representam metade da força de trabalho com graduação superior nos EUA, porém são somente 34% da força de trabalho nas áreas STEM. Para o Gallup, solucionar essa discrepância ajudaria a reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres e a fortalecer a economia do país.

Continua após a publicidade

Essa realidade também se aplica ao Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 mostram que 23,5% das mulheres com mais de 25 anos têm ensino superior. Por outro lado, 20,7% dos homens têm a mesma titulação. Todavia, outra pesquisa, de 2016, revela que as mulheres, mesmo com o nível educacional maior, ganham em média 76,5% do salário dos homens – embora ocupem o mesmo cargo e exerçam as mesmas funções.

Este é um problema de representatividade, e neutralizar os vieses de gênero é uma das soluções. Como escrevi em meu livro, a representatividade é muito importante, pois mostra para pessoas de grupos minorizados que elas também podem sonhar mais alto, além de gerar novas associações mentais para as demais pessoas.

Assim, convido a ABNT a rever essa regra simples, incluindo o primeiro nome das pessoas nas suas diretrizes, o que nos ajudará a criarmos novas referências e a mostrar que a ciência e a academia também são espaços para as mulheres. E que elas são tão capazes quanto os homens. ABNT, vamos mudar isso?

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 6,00/mês*

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.