Como controlar a voz na sua mente e transformar seu cérebro em aliado
Todos nós temos uma voz interna para organizar os pensamentos. Mas, às vezes, ela parece mais uma inimiga. Em novo livro, o neurocientista Ethan Kross dá dicas de como domá-la.
Você provavelmente já passou horas acordado no travesseiro, rememorando tim-tim por tim-tim aquela discussão que teve de manhã. E tudo o que você realmente queria era uma mente quieta, que deixasse você dormir em paz… Nesses momentos, parece que a nossa voz interna é mais inimiga do que amiga. Não está de todo errado.
Se temos algum problema, é normal achar que, se pararmos para refletir muito, vamos encontrar uma solução. Mas a verdade é que, quando estamos mal, nossa mente costuma nos causar mais danos do que ajudar; em vez de pensarmos racionalmente sobre a situação, ficamos remoendo as mágoas. Como diz o psicólogo e neurocientista Ethan Kross, “mergulhamos na introspecção na esperança de entrar em contato com nosso orientador interno, mas encontramos nosso crítico interno”.
Kross é um dos maiores estudiosos da mente humana e especialista no controle das emoções. Em seu novo livro, A Voz na Sua Cabeça, o neurocientista explica como a mente evoluiu para funcionar bem em situações normais – mas como ela falha e joga contra em cenários de estresse ou tensão.
A boa notícia é que dá para domar essa voz, deixá-la um pouco mais racional. Kross traz diversos estudos e exemplos de celebridades que teriam aprimorado suas vozes internas, de Malala Yousafzai a LeBron James. No trecho ao lado, o autor explica que o distanciamento – julgar a situação como se fosse com outra pessoa – pode ser uma boa estratégia para resolver problemas.
Capítulo 3 – O paradoxo de Salomão
O ano seria o de 1010 a.C. Os sonhos maternos de uma mulher de Jerusalém chamada Bate-Seba finalmente se tornaram realidade. Após perder seu primeiro filho, ela deu à luz um segundo: um menino saudável a quem chamou de Salomão. Como a Bíblia nos diz, ele não era um bebê comum. Filho de Davi (aquele famoso por derrotar Golias), Salomão cresceu e se tornou rei do povo judeu. Líder incomparável, era respeitado não apenas por seu poderio militar e sua perspicácia econômica, mas também por sua sabedoria. Pessoas viajavam de terras distantes em busca de seus conselhos.
A mais famosa resolução de uma disputa decretada por Salomão foi entre duas mulheres que alegavam ser mãe da mesma criança. Salomão sugeriu que cortassem a criança ao meio e, assim que uma das mulheres tentou se sacrificar para salvar a criança, ele a identificou como a verdadeira mãe. Em uma irônica reviravolta do destino, no entanto, quando se tratava de sua vida, Salomão não era tão sábio. Galanteador e impulsivo, ele se casou com centenas de mulheres de diferentes religiões e fez de tudo para agradá-las, construindo templos e santuários sofisticados para que elas pudessem adorar seus deuses. Isso acabou alienando-o de seu próprio Deus e das pessoas que governava, o que finalmente levaria ao colapso de seu reinado em 930 a.C.
A assimetria na forma de pensar do rei Salomão é uma parábola sobre o falatório que demonstra um aspecto fundamental da mente humana: nós não nos vemos com o mesmo distanciamento e a mesma objetividade com que vemos os outros. Dados mostram que isso vai além da alegoria bíblica: todos somos vulneráveis a isso. Meus colegas e eu nos referimos a esse viés como “Paradoxo de Salomão”, embora o rei Salomão não seja de forma alguma o único sábio que poderia emprestar seu nome ao fenômeno.
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Antes de analisarmos como o distanciamento pode levar à sabedoria, vale a pena reservar um momento para perguntar o que a sabedoria é realmente na prática. Em um campo rigoroso como a psicologia, um conceito aparentemente amorfo como a sabedoria parece difícil de definir a princípio. No entanto, os cientistas identificaram suas características mais notáveis. A sabedoria envolve usar a mente para raciocinar construtivamente sobre um determinado conjunto de problemas: os que envolvem incerteza. As formas sábias de raciocínio referem-se a enxergar o “quadro geral” em vários sentidos: reconhecer os limites do próprio conhecimento, tomar consciência dos diversos contextos da vida e como eles podem se desdobrar ao longo do tempo, reconhecendo os pontos de vista de outras pessoas e reconciliando perspectivas opostas.
Embora geralmente associemos sabedoria com idade avançada, pois quanto mais você vive, mais incertezas terá vivenciado e aprendido com elas, a pesquisa indica que é possível ensinar as pessoas a pensar com sabedoria, independentemente da idade – por meio do distanciamento.
Considere um estudo que Igor Grossmann e eu fizemos em 2015. Um grupo de participantes foi convidado a imaginar que seu parceiro os havia traído, enquanto outro grupo imaginou exatamente a mesma coisa acontecendo com um amigo – um método prático de criar distanciamento psicológico.
Apesar de algumas pessoas acharem que a indignação é a resposta mais sábia ao descobrir que foram traídas pelo parceiro, nosso interesse era saber se o distanciamento diminuiria em vez de aumentar o conflito ao cultivar uma resposta sábia. Como esperávamos, as pessoas se mostraram muito mais sábias quando imaginavam que o problema estava acontecendo com outro. Consideraram mais importante chegar a um acordo com o parceiro infiel e também estavam mais abertas para ouvir a perspectiva dessa pessoa.
Outro exemplo de como as pessoas podem usar o distanciamento como uma escotilha de escape do Paradoxo de Salomão vem da pesquisa sobre tomada de decisões médicas. Poucos contextos são mais provocadores – e apresentam mais consequências – do que ter que tomar uma decisão importante sobre a própria saúde. A incerteza envolvida no caso de dor física ou uma doença, sem falar na mortalidade, sobrecarrega o fluxo verbal de preocupação, o que pode turvar nosso julgamento e nos levar a tomar decisões erradas que, ironicamente, prejudicam ainda mais a nossa saúde.
Em um experimento em grande escala, um grupo de cientistas deu uma escolha às pessoas: não fazer nada e ter 10% de chance de morrer de câncer ou se submeter a um novo tratamento que implicava um risco de morte de 5%. Obviamente, a segunda opção é melhor, pois o risco de morte é 5% menor. No entanto, coerentes com pesquisas anteriores que indicaram que muitas vezes as pessoas optam por não fazer nada em vez de fazer alguma coisa quando se trata de saúde, 40% dos participantes preferiram a opção com maior risco de morte. Porém – e este é um grande porém –, quando essas mesmas pessoas foram solicitadas a tomar essa decisão por outra pessoa, somente 31% fizeram a escolha errada. Quando se enquadra essa diferença percentual no número de diagnósticos de câncer por ano – 18 milhões –, isso significa que mais de 1,5 milhão de pessoas poderia sabotar o melhor curso do seu tratamento. Mas essa falta de sabedoria, causada pela falta de distanciamento mental, também pode influenciar outras áreas da nossa vida.
Daniel Kahneman, psicólogo ganhador do Prêmio Nobel e autor de Rápido e devagar: Duas formas de pensar, escreveu que uma de suas experiências mais informativas foi a de aprender como evitar uma “visão interna” e adotar uma “visão externa”. Como ele explica, uma visão interna limita seu pensamento às suas circunstâncias. Como você não sabe o que não sabe, isso geralmente leva a previsões imprecisas sobre potenciais obstáculos. A visão externa, por outro lado, inclui uma amostragem mais ampla de possibilidades e, portanto, é mais acurada. Você é capaz de prever melhor os obstáculos e se preparar de acordo.
Embora os pontos de vista de Kahneman digam respeito a prever o futuro com precisão, as pesquisas mostram que a capacidade de sair de si mesmo – outra maneira de distanciamento mental – é útil para a tomada de decisões de forma mais geral. Pode nos ajudar a superar a sobrecarga de informações – por exemplo, quando estamos avaliando características e diferenças de preços ao comprarmos um carro – para termos mais clareza. Pode reverter a “aversão à perda”, um conceito popularizado por Kahneman, referindo-se ao fato de que as pessoas são muito mais sensíveis a perdas do que a ganhos. Além disso, pode tornar as pessoas mais receptivas e tolerantes a pontos de vista alternativos. Em um estudo conduzido pouco antes da eleição presidencial de 2008 nos Estados Unidos, Igor e eu descobrimos que pedir às pessoas para imaginar um futuro em que o candidato que escolheram perdesse a eleição de uma perspectiva distante (pedimos que imaginassem que estavam morando em outro país) as tornava menos radicais em suas visões políticas e mais abertas à ideia de cooperar com aqueles que apoiavam o candidato adversário.
Esses efeitos interpessoais positivos do distanciamento, que nos tornam mais sábios, fazem com que essa habilidade seja inestimável para outra área da vida que muitas vezes faz aflorar resmungos da nossa voz interna: nossos relacionamentos românticos. Meu colega Özlem e eu conjeturamos como o distanciamento poderia afetar a harmonia com um parceiro íntimo. Assim, durante 21 dias nós analisamos a tendência das pessoas a se distanciarem cada vez que brigavam com seu par romântico. Descobrimos que o fato de as pessoas se “distanciarem” ou “imergirem” quando pensavam sobre os problemas em seus relacionamentos influencia a maneira como argumentam. Quando o parceiro de um imersor argumentava calmamente, o imersor respondia da mesma maneira – com paciência e compaixão equivalentes. Mas, assim que os parceiros começavam a mostrar o mais leve indício de raiva ou desdém, os imersores reagiam com a mesma moeda. Quanto aos distanciadores, quando seus parceiros falavam com calma, eles também se mantinham calmos. Mas, mesmo que o parceiro ficasse irritado, eles ainda conseguiam lidar com o problema, o que amenizava o conflito.
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Todas essas pesquisas demonstram como dar um passo para trás pode ser útil para mudar a natureza das conversas que temos com nós mesmos. De uma forma mais geral, também mostram como podemos raciocinar com sabedoria sobre as situações que enfrentamos que mais provocam falatório – as que envolvem incerteza, o que requer sabedoria.
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