Como treinar o seu cérebro para prestar mais atenção
Em "Sagaz", a psicóloga Amishi P. Jha oferece uma visão neurocientífica do mindfulness, técnica de meditação que treina a mente para prestar 100% de atenção no que está acontecendo.
Se você já acordou decidido a dar um basta na rolagem infinita das redes sociais e focar em uma tarefa importante, aposto que já tentou seguir pelo menos uma destas dicas: desativar as notificações dos aplicativos, usar apps de produtividade que bloqueiam o acesso às redes sociais e deixar o celular bem longe do alcance dos olhos. Aposto, também, que nada disso funcionou por muito tempo.
Para Amishi P. Jha, professora de psicologia da Universidade de Miami e autora de Sagaz, essas técnicas não darão certo mesmo que você reúna toda motivação do mundo. É que, segundo ela, o vício em tecnologia é só um sintoma da falta de foco, não a causa dela. A falta de foco, aliás, já aborrece a humanidade muito antes de Mark Zuckerberg e Larry Page decidirem capitalizar em cima dela: há registros de 420 d.C. que mostram monges medievais preocupados por não conseguirem manter seus pensamentos em Deus tanto quanto gostariam.
Entre nós e os monges, o que muda é que, agora, o fluxo de informações e atividades distratoras aumentou exponencialmente. Nosso cérebro não consegue vencer a luta contra esses estímulos. Mas, segundo Amishi, ele pode ser treinado para funcionar fora da lógica da economia da informação.
A autora pesquisa mindfulness, técnica de meditação budista que treina a mente para prestar 100% de atenção no que está acontecendo ali no momento. De acordo com ela, esse foi o único método eficaz para o fortalecimento da atenção encontrado ao longo de seus estudos, que pretendem dar uma visão neurocientífica das práticas milenares de meditação. No trecho a seguir, ela explica os primeiros passos para aumentar a capacidade de concentração.
Capítulo 4 – ENCONTRE O SEU FOCO: Em um mundo de distrações, mantenha sua “lanterna” onde você precisar
(…) Às vezes, você tem de ser capaz de agarrar a lanterna da sua atenção, apontá-la e segurá-la onde precisar. Outras vezes, seu foco pode vaguear, esvoaçar, ocasionalmente pegar algo na paisagem ou em sua paisagem mental. De qualquer forma, sua lanterna é afetada, e isso é algo sobre o qual a maioria de nós não tem muita consciência ou capacidade de controlar… até agora.
Sua lanterna representa a capacidade de selecionar uma fração de informações a partir de tudo o que existe. Quando digo focar, significa que a informação que você selecionou, seja qual for, está sendo mais bem processada e é de melhor qualidade do que todo o resto em torno dela. (…) Quando a atenção é direcionada para algo, seja um lugar, uma pessoa ou um objeto, os neurônios que a codificam ganham temporariamente influência sobre a atividade do cérebro. Focar alguma coisa aumenta sua “claridade” e escurece informações que são irrelevantes para nossos objetivos correntes. Sem essa capacidade, ficaríamos, com frequência, congelados, confusos e oprimidos.
Raramente percebemos como nossa atenção muda de forma, de estreita para ampla, dependendo das circunstâncias e das demandas do ambiente. Mas aposto que você percebe sim quando sua lanterna não está onde você quer — os momentos em que precisa se concentrar em algo importante, mas luta para permanecer na tarefa. Podem ser outros pensamentos, emoções fortes ou preocupações pessoais que estejam atraindo você. Por um detalhe irônico, a pressão e o estresse de ter que se concentrar em uma tarefa ou demanda podem ser a causa de sua distração. Quando isso acontece, você pode tentar se acalmar ou se distrair de maneiras improdutivas, navegando e clicando mentalmente sem nenhum sentido, por assim dizer, afastando-se ainda mais da realização de sua tarefa. Se você já teve de lutar para recuperar o foco, você não está sozinho. Uma pesquisa recente sobre o uso de mídias sociais no local de trabalho constatou que, embora possa oferecer uma “pausa mental”, para 56% dos funcionários ela os distrai do trabalho que precisam fazer.
O que sabemos é que estamos lutando para que nossos pensamentos não se desviem da tarefa em questão. Quantas vezes por dia você olha para cima percebendo que sua mente está em qualquer lugar, menos no trabalho bem à sua frente? Pode ser incrivelmente frustrante — você sabe que existem consequências reais por perder o foco (um prazo vencido, um carro se aproximando que você não percebe, ou algo pior) e, ainda assim, você simplesmente não consegue mantê-lo no que é preciso.
(…)
Nossa crise de atenção é digital?
Somos bombardeados pela ideia de que na raiz de nossos problemas de atenção reside um único e poderoso culpado: a tecnologia moderna. Se realmente quisermos focar, parece que precisamos desligar todos os nossos dispositivos, sair das mídias sociais e nos refugiar no mato para fazer uma desintoxicação digital.
Sou resistente a essa ideia. Em um nível elementar, nossa era não é diferente de qualquer outra — sempre houve uma “crise de atenção”. Historicamente, as pessoas recorrem à meditação (e a outras formas de prática contemplativa) para lidar com a sensação de estarem oprimidas e com o foco disperso, para recuperar o foco e refletir sobre prioridades — valores internos, intenções, propósitos. Esse, com certeza, pode ser um processo espiritual se você o definir assim. Mas estamos descobrindo que a prática da atenção plena afeta o sistema de atenção e o modo como ele lida com as distrações que nos cercam — e com aquelas que são geradas internamente. Em parte, isso é o que os praticantes de meditação sempre perseguiram. (…)
Uma crise de atenção pode acontecer sempre que você não se permite uma pausa — quando você não permite que sua mente “descanse” sem estar envolvida em nenhuma tarefa. (…) Bem, um dos problemas hoje é que estamos sempre envolvidos em algo. Com tantas ferramentas digitais ao nosso alcance, temos acesso constante a uma variedade de formas de comunicação, conteúdo e interação, e não costumamos deixar nossos pensamentos vaguear, sem restrições.
(…) Nem sempre é realista se desconectar. Não podemos simplesmente desligar o telefone e pausar o e-mail. Não podemos criar um mundo livre de distrações. A questão não é a existência dessa tecnologia; ao contrário, é o modo como a usamos: não estamos permitindo às nossas mentes prestarem atenção de forma diferente. É aí que entra a prática da atenção plena, como uma maneira de fixar sua lanterna, para que você não acabe balançando-a por aí, para toda e qualquer distração possível — digital ou não.
Encontrando sua lanterna
Para encontrar seu foco, a primeira habilidade que você precisa desenvolver é perceber quando sua lanterna da atenção se desviou da tarefa em questão. Neste primeiro “exercício central”, seu objetivo é encontrar repetidamente sua lanterna. O treino é o seguinte: direcione a atenção para um objeto-alvo, observe quando ela vagueia para fora desse alvo e, então, redirecione-a de volta para o alvo.
Pense nisso como se fosse o treinamento de um cachorrinho. Vaguear por aí é o que os filhotes mais fazem. Não precisa ser duro nem malvado, mas você deve ser coerente e claro em suas instruções e repeti-las várias vezes. Se o cachorrinho não seguir um comando, não aceite a desculpa de que ele é mau, antipático, imperfeito ou não pode ser treinado. Em vez disso, recomece o exercício de treinamento. Adote a mesma postura solidária, porém firme, ao se envolver nesse treino — e observe quando antigos hábitos mentais, como justificar, castigar ou ruminar, aparecerem logo que você perceber sua mente divagar. Agora, reformule a própria ideia de “divagação da mente”: não é uma falha nem um erro, mas um sinal para começar de novo e redirecionar a atenção de volta para o objeto-alvo. (…)
Para encontrar sua lanterna, você recorrerá a uma prática de atenção plena fundamental geralmente chamada de consciência da respiração. Essa prática existe há milênios. As tradições contemplativas nos dizem que ela cultiva o foco concentrativo. Agora sabemos, após muitos estudos, que ela também faz parte de um conjunto de práticas que podem servir como treinamento cognitivo para a atenção. A consciência da respiração pode, à primeira vista, parecer simples: foque sua atenção em sua respiração e, quando a mente divagar, traga-a de volta. As instruções são bem básicas, porém o que o exercício faz com o sistema de atenção do seu cérebro é tudo menos isso. O exercício de consciência da respiração atinge os três sistemas da atenção, pois permite que você pratique focar — ao orientar a atenção para a respiração; perceber — ao ficar alerta e monitorar a atividade mental em curso para detectar a divagação; e redirecionar — ao realizar o gerenciamento executivo do processo cognitivo para garantir que retornemos e permaneçamos na tarefa.
(…) Para essa prática diária, usamos a respiração por algumas razões importantes: ela nos ancora no corpo. Permite-nos experimentar as sensações corporais que se desenrolam em tempo real enquanto respiramos, no aqui e agora. Isso nos ajuda mais facilmente a perceber quando nossas mentes se afastam dessas sensações para pensamentos sobre o passado ou o futuro. Por fim, nossa respiração está sempre conosco. É o alvo constitutivo mais natural para nossa atenção, ao qual sempre podemos voltar. (…)
PRÁTICA CENTRAL: ENCONTRE SUA LANTERNA
Tome seu lugar… Sente-se com uma postura ereta, estável e alerta. Você deve estar confortável, mas não relaxado demais. Pense “reto”, não “rígido”. Sente-se ereto, com os ombros para trás, o peito aberto, em uma postura que pareça natural e corporifique uma sensação de presença altiva. Deixe suas mãos repousando no braço da cadeira, no assento ao lado ou em cima das pernas. Feche os olhos ou abaixe as pálpebras para ficar com um olhar tranquilo se isso for mais confortável. Respire e siga sua respiração. Você está seguindo a respiração se movimentando em seu ritmo natural — não a controlando.
Prepare-se… Entre em sintonia com as sensações relacionadas à respiração. Elas podem ser o frescor do ar entrando e saindo de suas narinas, a sensação de seus pulmões enchendo o peito, sua barriga se movendo para dentro e para fora. Escolha uma área do corpo — ligada a qualquer sensação relacionada à respiração que seja mais proeminente — na qual se concentrar durante o resto deste exercício. Direcione e mantenha seu foco atencional aqui, como uma lanterna com um feixe de luz forte e claro.
Vá! Observe quando sua lanterna se move… e depois traga-a de volta. A verdadeira tarefa deste exercício, após você escolher o alvo para sua lanterna e se comprometer a manter sua atenção ali, é prestar atenção ao que acontece a seguir. Observe quando surgirem pensamentos ou sensações que desviem sua lanterna do alvo. (…) Quando você perceber que sua lanterna foi afastada, redirecione-a para a respiração.