Quer ser feliz depois dos 50? Comece tratando o seu vício em sucesso
Em novo livro, Arthur C. Brooks, professor de estudos da felicidade em Harvard, fala sobre encontrar propósito depois dos 50 anos. Leia um trecho da obra.
“Não é verdade que ninguém mais precisa de você.”
Essa foi a frase que Arthur Brooks, professor de estudos de práticas de gestão em Harvard, ouviu dentro de um voo indo de Los Angeles à Washington D.C. O avião estava escuro e silencioso – metade das pessoas no vigésimo sono, outra metade vendo algum filme, e ele concentrado em terminar algum trabalho imprescindível no computador (do qual, diga-se de passagem, nem lembra do que se tratava).
O que veio a seguir chamou a atenção de Brooks: a voz feminina, que havia dito a primeira frase, complementou: “pare de dizer que seria melhor se você estivesse morto.”
Os passageiros tendo a conversa estavam sentados atrás do professor, que não conseguia ver seus rostos. Assumindo que era uma esposa conversando com um marido, Brooks devaneou sobre quem seria aquele homem, que vida teria levado, que tipo de fracasso o levou a sentir tais emoções.
Brooks não poderia ter errado tanto no chute. Ao aterrissar na capital americana, o professor se surpreendeu com o dono do diálogo mórbido: o senhor de 80 anos era uma personalidade famosa. Alguém reconhecido e amado no mundo todo, heroi nacional na terra do Tio Sam. Um ícone, um sucesso, uma pessoa conhecida pela sua bravura e suas conquistas. Dizendo aquele tipo de coisa há 3 mil metros do chão.
Foi esse episódio que catalisou a busca de Arthur para responder a pergunta: como encontrar felicidade, propósito e sucesso na segunda metade da vida? Ele compilou a resposta em seu novo livro, Cada Vez Mais Forte, traduzido ao português e lançado pela editora Intrínseca este mês.
“Seguir esse caminho significa ir contra muitos dos seus instintos de batalha. Vou lhe pedir que não negue suas fraquezas, e sim baixe sua guarda e as abrace; que se livre de algumas das coisas pelas quais trabalhou duro na vida”, escreve o autor.
Uma dessas coisas? O vício em sucesso, abordado extensamente no terceiro capítulo da obra. Confira.
Pg. 69, Capítulo 3: Largue seu vício em sucesso
Desde muito cedo, aprendi sobre os males de objetificar os outros. Meu pai se esforçou muito para incutir em mim a ideia de que, como um homem em desenvolvimento, eu nunca deveria considerar as pessoas segundo suas características físicas — ainda mais em se tratando das mulheres. Fazer isso é desumanizá-las, o que nós acreditávamos ser um pecado grave.
(…)
O caso moral contra objetificar os outros é bem direto. Começa a ficar mais complicado quando aquele que objetifica e aquele que está sendo objetificado são a mesma pessoa — em outras palavras, a auto-objetificação, que os estudiosos definem como se perceber pela perspectiva de uma terceira pessoa que não considera sua total humanidade.
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Não há estudos em relação à felicidade e competência quando nos auto-objetificamos profissionalmente, quando pensamos “Eu sou o meu trabalho”. Mas o senso comum nos diz que isso é uma tirania tão sórdida quanto a auto-objetificação física. Nós nos tornamos o patrão cruel de Marx, usando o chicote sem piedade, nos vendo como nada mais do que Homo economicus.
Amor e diversão são sacrificados em prol de mais um dia de trabalho, na busca de uma resposta interior positiva para a pergunta “Eu já sou bem-sucedido?”. Nós nos tornamos totens de papelão de pessoas reais. E, então, quando o fim chega — quando o declínio profissional se estabelece —, nos sentimos desamparados, diminuídos para nós mesmos e, inevitavelmente, esquecidos pelos outros.
Em Os meios de comunicação como extensão do homem, seu livro de 1964, Marshall McLuhan disse a famosa frase: “O meio é a mensagem.”
Ele observou que, no famoso mito grego, Narciso não se apaixona por si mesmo, mas pela imagem de si mesmo.
E é assim que, em nossa profissão, nós nos auto-objetificamos: nosso trabalho é nosso meio, que também é nossa mensagem. Amamos a nossa imagem de bem-sucedidos, não a da vida real. Mas você não é o seu trabalho, e eu (como preciso me lembrar) não sou o meu.
Orgulho, medo, comparação social e abstinência
Em sua raiz, a auto-objetificação é uma questão de orgulho. Ele costuma ser encarado como uma coisa boa na nossa sociedade moderna; nós o usamos para denotar admiração. Eu digo para os meus filhos que me orgulho deles, por exemplo. Ou posso dizer sem constrangimento que tenho orgulho deste livro. Mas essa conotação é relativamente nova.
Em quase todas as tradições filosóficas, o orgulho é um vício mortal que apodrece a pessoa de dentro para fora. Os budistas usam a palavra manas, que em sânscrito se refere à mente inflada que despreza os outros em favor de si e leva ao sofrimento próprio. Tomás de Aquino o definiu como um desejo excessivo pela própria excelência, o que leva à infelicidade.
Em A divina comédia, de Dante, Satã é descrito como uma vítima de seu terrível orgulho que acabou congelado da cintura para baixo — preso e em sofrimento — no gelo formado pelo vento que se criou quando bateu suas asas grotescas.
O orgulho é sorrateiro: ele se esconde nas coisas boas. Santo Agostinho foi astuto ao observar que “todos os outros tipos de pecado têm a ver com a missão de fazer o mal, enquanto o orgulho fica à espreita até nas coisas boas, para destruí-las”.
Isso é muito verdadeiro: o trabalho, que é uma fonte de significado e propósito, se torna um vício que prejudica nossos relacionamentos. O sucesso, fruto da excelência, também se torna um vício. Tudo por causa do orgulho.
Nós nos tornamos totens de papelão de pessoas reais. E, então, quando o fim chega — quando o declínio profissional se estabelece —, nos sentimos desamparados, diminuídos para nós mesmos e, inevitavelmente, esquecidos pelos outros.
O medo é primo do orgulho. Muitos dependentes químicos e etilistas dizem que continuam com o vício porque têm medo da vida “normal”, com suas lutas, seus estresses e suas chatices. As pessoas viciadas em sucesso costumam ter muito medo também, mas do fracasso.
O medo do fracasso tem sido muito estudado. Por exemplo, pesquisadores descobriram que falar em público é o medo mais comum entre estudantes universitários; alguns estudiosos ficaram famosos ao afirmar que uma porção desses estudantes temem mais isso do que a morte.
Eu vejo muito esse receio entre os meus alunos mais obstinados, porque eles têm pavor de fracassar em qualquer coisa, mesmo que seja uma apresentação boba em sala de aula. E esse medo não aflige apenas os jovens e inexperientes; segundo uma pesquisa de 2018, 90% dos CEOs “admitem que o medo do fracasso os mantém acordados à noite mais do que qualquer outra preocupação”.
O medo inspira todos os viciados em sucesso. Como o filósofo Jean-Jacques Rousseau escreveu em seu livro Confissões: “Eu não temia o castigo, apenas a desgraça; até mais do que a morte, que o crime, que qualquer outra coisa no mundo.” Você se identifica com isso?
O orgulho é sorrateiro: ele se esconde nas coisas boas.
É uma triste ironia que as pessoas que têm intenso medo do fracasso não sintam muito prazer com suas conquistas e fiquem demasiadamente ansiosas com a possibilidade de não terem bom desempenho em um momento crucial. Em outras palavras, elas se sentem mais motivadas pelo medo de estragar tudo do que pela perspectiva de vencer e ganhar alguma coisa de valor.
Esses são alguns dos mesmos traços de personalidade que levam ao perfeccionismo. Na verdade, o perfeccionismo e o medo do fracasso andam de mãos dadas: levam você a acreditar que o sucesso não diz respeito a fazer algo bom, mas a não fazer algo ruim. Se você tem medo do fracasso, entenderá exatamente o que quero dizer.
A busca pelo sucesso deveria ser uma empolgante jornada para um destino incrível — como o famoso alpinista George Mallory disse, subir uma montanha “porque ela está lá” —, mas, em vez disso, é uma labuta exaustiva, em que você concentra toda a sua energia em não cair do precipício.
Enquanto isso, os perfeccionistas se veem como pessoas diferentes. Estudos mostram que esse grupo acredita ser capaz de ter mais habilidades, estabelecer padrões mais altos e alcançar conquistas maiores do que os outros. Isso costuma ser verdade!
E essa comparação favorável entre eles e os outros dá aos perfeccionistas um barato momentâneo, mas a ideia de ficar para trás cria uma sensação de pânico, como enfrentar a perspectiva de um fracasso catastrófico. Quando eu me considero melhor do que os outros — quando “melhor” está no cerne da minha identidade —, o fracasso é impensável. Ele me excomungaria do meu eu objetificado. É como uma pequena morte.
Muitos viciados em sucesso confessam que se sentem perdedores quando encontram outra pessoa que tenha mais sucesso do que eles. O sucesso é fundamentalmente posicional, o que significa que ele melhora nosso ranking nas hierarquias sociais.
Há décadas cientistas sociais vêm mostrando que bens posicionais não trazem felicidade. Até mesmo o dinheiro, do qual as pessoas juram que só gostam pelo que ele pode comprar, se torna muitas vezes posicional a partir de um nível relativamente baixo. Como Dalai Lama uma vez me fez lembrar, as pessoas têm dez dedos, mas compram vinte aneis. Essa posicionalidade faz parte da nossa programação natural.
A motivação para alcançar sucesso mundano por razões posicionais pode facilmente se tornar uma paixão obsessiva. O problema é que esse tipo de sucesso — como todas as coisas que causam vício — é, em última análise, insatisfatório, como o trabalho de Sísifo. Ninguém nunca fica famoso, rico nem poderoso o suficiente.
“A riqueza é como a água do mar: quanto mais você bebe, mais sede terá. O mesmo se aplica à fama.” Quem escreveu isso foi o filósofo Arthur Schopenhauer, em 1851, mais de um século e meio antes de as redes sociais serem inventadas e tornarem o problema dez vezes pior.
Enquanto isso, se manter no topo da hierarquia do sucesso é um trabalho árduo. Um músico de certo renome me disse certa vez que se tornar e se manter famoso é uma combinação infeliz de tédio e terror. Emily Dickinson captou esse trabalho árduo em seu poema “Não sou ninguém” (aqui, na tradução para o português de Augusto ed Campos):
Que triste — ser — Alguém!
Que pública — a Fama —
Dizer seu nome — como a Rã —
Para as palmas da Lama!
Acredita-se que o ex-presidente Teddy Roosevelt chamou a comparação social de “ladra da alegria”. Quer ele tenha dito, quer não, é verdade: pesquisadores descobriram há muito tempo que a comparação social diminui nossa felicidade.
O problema é que esse tipo de sucesso — como todas as coisas que causam vício — é, em última análise, insatisfatório. Ninguém nunca fica famoso, rico nem poderoso o suficiente.
Mas nem é preciso fazer um estudo para atestar isso — basta passar algumas horas no Instagram e conferir como vai se sentir a respeito de si mesmo depois. Isso se deve ao fato de que o seu sucesso está sendo comparado à sua percepção do sucesso dos outros, como é retratado em informações de precisão dúbia. Nada bom pode vir disso.
(…)
Viciados em sucesso também experimentam a abstinência. Eu via isso o tempo todo durante os anos em que estive à frente de um think tank em Washington, D.C. As pessoas se retiravam da ribalta da política — às vezes por vontade própria, às vezes não — e sofriam demais. Não falavam sobre quase nada que não fossem os velhos tempos. Elas se ressentiam das pessoas que tinham vindo depois, mas nunca pediam ajuda nem conselho.
Talvez você não tivesse plena consciência do seu vício antes de ler este capítulo, e talvez ainda não tenha. Então, vamos fazer um pequeno teste.
- Você se define de acordo com seu cargo ou posição profissional?
- Você quantifica o próprio sucesso em termos de dinheiro, poder e prestígio?
- Você não consegue ver com nitidez — ou se sente desconfortável ao fazê-lo — o que vem depois dos seus últimos sucessos profissionais?
- Seu “plano de aposentadoria” é continuar trabalhando sem nunca parar?
- Você sonha em ser lembrado por seus sucessos profissionais?
Se você deu uma resposta afirmativa a uma dessas perguntas, então provavelmente é um viciado em sucesso. A propósito, quando comecei este projeto, eu teria dito sim às cinco questões, então não se sinta mal.
Por mais bem-sucedido que seja na vida e no trabalho, você não vai deixar seus velhos pontos fortes e alcançar os novos até que resolva isso. Não é fácil, mas, felizmente, também não precisa de um período no centro de reabilitação. Na verdade, você não precisa se abster do trabalho (ainda bem, considerando que, como eu, você precisa se sustentar).
Entretanto, é necessário admitir a verdade e se comprometer a mudar: você tem um problema que precisa ser resolvido, o que vem fazendo não está funcionando e você quer ser feliz. A propósito, essa é sempre a primeira coisa a se fazer ao se recuperar de um vício. O primeiro passo no programa dos Alcoólicos Anônimos é: “Admitimos que éramos impotentes perante o álcool — que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.”
Se você quer ser feliz, precisa manifestar sua aspiração honesta de ser feliz, estar disposto a ser menos especial por parâmetros mundanos e, assim, parar de objetificar a si mesmo. Você precisa afirmar seu desejo de aliviar sua carga com a virtude oposta ao orgulho: a humildade.
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