Quer ser mais feliz? Comece pensando menos em si mesmo
Professor de ciência da felicidade em Harvard, Arthur C. Brooks escreveu “Construa a Vida que Você Quer”, em parceria com a apresentadora Oprah Winfrey. No livro, que se tornou best-seller do New York Times, os autores usam ferramentas científicas, filosóficas e psicológicas para que o leitor tenha mais felicidade – começando de dentro para fora.
emima Kirke tem 38 anos e é uma artista e atriz britânica. Ela ficou conhecida pela sua participação na série Girls, fenômeno da HBO entre 2012 a 2017, interpretando a excêntrica e icônica Jessa Johansson, uma das melhores amigas da protagonista.
Pelo sucesso da série, que recebeu 19 indicações ao Emmy, a atriz conquistou uma plataforma considerável no Instagram, onde costuma abrir caixinhas de perguntas e dar conselhos aos seus seguidores. Em uma dessas sessões terapêuticas, questionada por uma seguidora sobre dicas para jovens pouco confiantes, a atriz rebate: “I think you girls are thinking too much about yourselves”. Traduzindo: acho que vocês estão pensando demais em si mesmas!
A resposta virou meme, e vira e mexe aparece satirizando ou enaltecendo publicações internet afora. Mas, apesar do tom sarcástico de Jemima, o conselho tem embasamento científico: pesquisas mostram que adotar um foco maior no que lhe é externo – observar o mundo e cuidar de outras pessoas sem limitar sua vida a você mesmo – é uma das melhores maneiras de aumentar seu próprio bem-estar.
Ao menos é nessa teoria em que Arthur C. Brooks e Oprah Winfrey se baseiam no quarto capítulo do livro Construa a Vida que Você Quer, best-seller do New York Times. Oprah você já conhece: a apresentadora encabeçou, durante mais de 25 anos, o The Oprah Winfrey Show, que fez dela uma das personalidades mais respeitadas e conhecidas do mundo. Arthur, por sua vez, ministra aulas sobre a ciência da felicidade em Harvard, e escreve uma popular coluna na revista The Atlantic, chamada “How to Build a Life” (Como Construir Uma Vida, em inglês).
Baseando-se em dados e em décadas de observação do conceito de felicidade por ângulos psicológicos, científicos, astrofísicos e filosóficos, as autores tentam mostrar que ter uma vida mais feliz é um movimento de dentro para fora, capaz até de interromper o desejo (e a esperança vã) de que o mundo pode mudar a nosso favor.
Mas não pense que tudo fica no campo teórico: os autores compartilham ferramentas práticas com o leitor, que buscam ajudá-lo a lidar com diversas situações do cotidiano e encontrar a melhor forma de conviver com os próprios sentimentos e relacionamentos. Tudo isso trabalhado em quatro pilares: família, amizade, trabalho e fé.
“Este não é um livro sobre força de vontade, é sobre conhecimento e como usá-lo”, afirma Brooks. Aos que (assim como a repórter do texto) estão tentando colocar em prática a filosofia de Jemima Kirke, vale a leitura do trecho a seguir.
Página 93, Capítulo 4 – Concentre-se menos em você mesmo
Em 2020, os psicólogos Adam Waytz, da Northwestern University, e Wilhelm Hofmann, da Universidade de Colônia, na Alemanha, decidiram responder ao questionamento: fico mais feliz quando me concentro em meus próprios desejos ou quando me concentro em fazer algo pelos outros?
Em geral, pensamos na troca do autocuidado pelo cuidado com outras pessoas como um conflito entre se sentir bem e fazer aquilo que é superior do ponto de vista moral. Se você tirar a tarde de folga para fazer compras, vai se divertir. Se, em vez disso, for voluntário em uma instituição de caridade local, não terá esse momento de diversão, mas será uma pessoa melhor. É óbvio que há limites para essa troca; você precisa cuidar de si mesmo para ajudar os outros, e ajudar os outros pode ser divertido para você. Entretanto, é assim que enxergamos a escolha “eu versus os outros” na maioria das vezes.
Os pesquisadores se questionavam se de fato havia uma compensação. Eles se perguntavam se, quem sabe, focar nos outros traria mais felicidade para você do que o autocuidado. Para investigar essa ideia, eles dividiram 263 participantes em três grupos, cada um com um conjunto diferente de instruções que deveriam seguir.
- Grupo das Boas Ações Morais: hoje, gostaríamos que você fizesse pelo menos uma boa ação moral por alguém. Por “boa ação moral por alguém”, nos referimos a fazer algo que beneficiará outra pessoa ou grupo. Pode ser fazendo uma doação, recolhendo lixo (para ajudar a comunidade), dando dinheiro a uma pessoa em situação de rua, ajudando alguém em seu trabalho, elogiando alguém, oferecendo assistência a um membro da família ou demonstrando bondade a um estranho. Qualquer ato que beneficie outra pessoa — direta ou indiretamente — seria considerado uma boa ação moral.
- Grupo dos Pensamentos Morais: Hoje, gostaríamos que você tivesse pelo menos um pensamento moral por outros. Por “pensamento moral por outros”, nos referimos a pensar
sobre outra pessoa ou um grupo de pessoas de maneira positiva, ter bons pensamentos em nome delas, desejar sorte a elas, orar por elas, torcer para que tenham sucesso ou pensar no quanto você se importa com outra pessoa ou grupo de pessoas. Qualquer pensamento positivo em relação a outra pessoa seria considerado um pensamento moral.
- Grupo do Faça Algo Positivo por Você: Hoje, gostaríamos que você fizesse pelo menos uma coisa positiva para si mesmo. Por “coisa positiva para si mesmo”, queremos dizer fazer algo que vai beneficiá-lo. Pode ser comprar um presente para si mesmo, receber uma massagem, ir ao cinema, passar um tempo com um amigo que o fará feliz, fazer uma pausa para relaxar ou desfrutar de uma refeição deliciosa. Qualquer ato que o beneficie — direta ou indiretamente — seria considerado uma coisa positiva.
Os três grupos seguiram as instruções e registraram seu bem-estar em onze diferentes graus todas as noites durante dez dias. No final, os pesquisadores compilaram os resultados. Ninguém ficará surpreso ao ver que, de certa forma, todas as estratégias foram benéficas; por exemplo, participantes de todos os três grupos sentiram mais satisfação. Porém, na maior parte do tempo, os resultados não foram nem um pouco próximos. O Grupo de Boas Ações Morais relatou pontuações mais altas do que as do Grupo de Pensamentos Morais em uma série de medidas de bem-estar, e os dois relataram pontuações mais altas do que o Grupo Faça Algo Positivo por Você. Aqueles que cuidam dos outros sentiram ativamente maior propósito na vida e senso de controle, enquanto os demais, não. Eles também foram os únicos que sentiram menos raiva e isolamento social.
Os resultados foram tangíveis e consistentes, com uma quantidade imensa de dados revelando que focar menos em si e em seus desejos o deixará mais feliz. Isso não é um argumento para tentar convencê-lo de que deve parar de cuidar de si mesmo ou parar de prestar atenção às próprias necessidades. Como dizem nas companhias aéreas, você deve “colocar sua máscara de oxigênio primeiro” quando se trata de felicidade, para que tenha condições de ajudar os outros a se tornarem mais felizes. É diferente de pensar em si mesmo em vez de nos outros e no que está acontecendo no mundo lá fora.
Na verdade, adotar um foco maior no que lhe é externo — observar o mundo e cuidar de outras pessoas sem limitar sua vida a você mesmo — é uma das melhores maneiras de aumentar seu próprio bem-estar e é o terceiro princípio do autogerenciamento emocional. Isso significa ser bom para os outros da maneira mais abnegada possível (como sugere o experimento anterior, lógico) —, porém, mais de forma sutil, implica desviar sua atenção constante de si mesmo e de seus desejos — olhando menos no espelho, não se preocupando com sua imagem nas redes sociais, prestando menos atenção ao que os outros pensam de você e lutando contra a tendência de invejar as pessoas pelo que elas têm e você, não.
Essa parte do autogerenciamento emocional não tem a intenção de nos repreender ou fazer com que qualquer um de nós se sinta um egocêntrico egoísta. Focar em nós mesmos é a coisa mais normal do mundo, embora não nos torne mais felizes. Embora nem sempre seja fácil, opor-se a essa tendência natural nos alivia da narrativa que se repete dentro de nossas cabeças: nossa rotina diária focada em nós mesmos. Com conhecimento e prática, um foco externo na vida traz grandes recompensas em termos de felicidade.
No fundo você é duas pessoas
Você deve ter notado que parece mais normal para si mesmo quando se olha no espelho. Uma foto sempre parece menos natural, quase como se fosse outra pessoa. E, de fato, os filósofos dizem que você é, de uma forma muito real, duas pessoas diferentes: uma que vê e outra que é vista. Entender isso pode nos ajudar muito a nos concentrarmos menos no que há do lado de dentro e mais no que há do lado de fora. O filósofo norte-americano William James explorou a fundo essa ideia de dois eus. Ele acreditava que devemos ser observadores das coisas ao nosso redor para sobrevivermos e progredirmos, mas também devemos nos observar e sermos observado pelos outros para que possamos ter um senso consistente de autoconceito e autoimagem.
Sem observar o que há do lado de fora, você seria atropelado por um carro ou morreria de fome. Sem ser observado, não teria memória, história nem noção de por que faz o que faz.
Quando você está dirigindo para o trabalho, observa o tráfego e outras pessoas para se manter seguro e chegar ao destino. Porém, quando chega ao trabalho, presta mais atenção em como os outros o veem, o que o ajuda a entender como está seu desempenho.
Quando você é o observador, significa que está sendo o seu “eu-sujeito” (o observador das coisas ao seu redor). Quando você é observado, ou quando está se olhando ou pensando sobre si mesmo, isso é chamado de “eu-objeto” (aquele que é visto). Nenhum dos dois é um estado mental permanente. O truque para o bem-estar é equilibrar o seu eu-sujeito e o seu eu-objeto. E isso significa aumentar o primeiro e diminuir o segundo, porque a maioria das pessoas passa muito tempo sendo observada e pouco tempo observando. Pensamos sempre em nós mesmos e em como os outros nos veem; olhamos em todos os espelhos; verificamos cada vez que alguém nos menciona nas redes sociais; ficamos obcecados com nossas identidades.
Isso traz problemas. Como mencionamos na seção anterior, focar mais no mundo exterior apresenta uma relação com uma maior felicidade, enquanto focar em si mesmo e em como os outros o enxergam pode levar a um humor instável.
Seu nível de felicidade sobe e desce como um ioiô, dependendo se sua noção de si é positiva ou negativa em determinado momento. Essa instabilidade é difícil de suportar; não é de admirar que a autoabsorção esteja associada à ansiedade e à depressão.
Seu nível de felicidade sobe e desce como um ioiô, dependendo se sua noção de si é positiva ou negativa em determinado momento.
Ver a si mesmo como um objeto (olhando para dentro) em vez de um sujeito (olhando para fora) também pode prejudicar seu desempenho em tarefas comuns. Durante experimentos de aprendizado, pesquisadores descobriram que as pessoas têm menos probabilidade de experimentar coisas novas quando estão focadas em si mesmas. Isso faz sentido: quando você presta muita atenção a si mesmo, ignora muita coisa em relação ao mundo exterior. Sente-se menos livre quando está se preocupando com “como estou me saindo?” e “o que os outros acham de mim?”. Crianças pequenas às vezes nos inspiram com sua falta de consciência de si próprias, sendo apenas elas mesmas, porque muitas vezes permanecem por muito tempo no estado eu-sujeito, apenas observando, agindo e se divertindo.
A ideia de que você deveria passar mais tempo pensando no mundo do que em si mesmo é anterior à ciência e à filosofia modernas. Por exemplo, é um dos pontos principais do Zen Budismo, que se trata fundamentalmente de uma atitude de pura observação do exterior. “A vida é uma arte”, escreveu o mestre zen D. T. Suzuki em 1934, “e, enquanto uma arte perfeita, deve desconsiderar o eu”. Robert Waldinger, professor de psiquiatria em Harvard e mestre Zen, explica da seguinte maneira: “Quando tenho consciência do eu que chamo de ‘Bob’, esse sou eu em relação ao mundo. Quando isso desaparece (durante a meditação ou quando estou maravilhado diante de uma cachoeira), a sensação de um eu separado de tudo mais desaparece e restam apenas sons e sensações.”
Em algumas tradições, o eu-sujeito não é apenas uma passagem para a felicidade, mas uma conexão com o divino. Os hindus buscam revelar seu atman, que é caracterizado por um estado inato de consciência no qual a pessoa testemunha o mundo, mas não se envolve nele. O atman é considerado um link direto para Brahman, a realidade divina máxima. O ensinamento de Jesus que afirma “se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo” é, em geral, interpretado como um foco em Deus e nas outras pessoas, mas segui-lo também requer uma ênfase maior no eu.
É óbvio que você jamais vai erradicar seu eu, mas certamente pode aumentar sua felicidade adotando práticas conscientes que diminuem a quantidade de tempo que você passa em um estado objetificado. Três hábitos conscientes podem ajudar nisso.
Primeiro, evite seu próprio reflexo. Espelhos são inerentemente atraentes, assim como todos os fenômenos semelhantes a espelhos, como menções em mídias sociais. Como um ímã, somos atraídos por eles. Mas os espelhos não são seus amigos. Eles encorajam até as pessoas mais saudáveis a se objetificarem; para os que sofrem com doenças relacionadas à autoimagem, podem ser puro sofrimento. Em 2001, pesquisadores que estudavam pessoas com transtorno dismórfico corporal (aquelas que pensam de maneira obsessiva nos defeitos que percebem em seus corpos) descobriram que o intervalo de tempo mais longo que os participantes passavam se olhando no espelho (e, assim, focando na fonte de sua angústia) era 3,4 vezes maior do que intervalo mais longo dos que não tinham o distúrbio.
Tome medidas para tornar menos provável que a versão de si mesmo que o mundo vê apareça na sua frente. Você pode cogitar a remoção de todos os espelhos de sua casa, exceto um ou dois, e criar uma regra para não olhar para si mesmo mais do que uma vez pela manhã. Um modelo fitness, que ficara obcecado com seu corpo e estava desesperado para voltar a uma vida mais saudável e normal, passou um ano inteiro evitando espelhos e chegou a tomar banho no escuro para parar de ver e julgar o próprio físico.
Espelhos virtuais são ainda mais fáceis de se livrar do que os físicos. Desligue as notificações das redes sociais. Proíba-se de pesquisar a si mesmo no Google. Desative sua câmera no Zoom. Não tire nenhuma selfie. É difícil no começo, porque todas essas práticas de auto-observação fornecem uma dose confiável de dopamina, um neurotransmissor excitatório. Porém, fica mais fácil com a prática, ainda mais quando você experimenta o relaxamento que vem de não olhar para si mesmo.
Desligue as notificações das redes sociais. Proíba-se de pesquisar a si mesmo no Google. Desative sua câmera no Zoom. Não tire nenhuma selfie.
Em segundo lugar, pare de julgar tanto as coisas ao seu redor. Julgar pode parecer pura observação, mas na verdade não é. É trazer uma observação do mundo exterior para dentro e torná-la em algo que tem a ver com você. Por exemplo, se você disser: “O tempo está horrível”, isso tem mais a ver com seus sentimentos do que com o clima em si. Além disso, você acabou de atribuir um humor negativo a algo que está fora de seu controle.
Fazer julgamentos sobre o mundo é normal e necessário; precisamos disso para tomar decisões baseadas na relação custo-benefício. No entanto, muitos julgamentos são inúteis e gratuitos. Você precisa mesmo concluir que a música que acabou de ouvir é idiota? Em vez disso, tente observar mais ao seu redor sem levar em conta as próprias opiniões. Comece fazendo declarações de pura natureza observacional, em vez das baseadas em valores. Reformule “Este café é terrível” como “Este café tem um sabor amargo”. A princípio, é muito complicado, porque estamos muito acostumados a julgar tudo. Depois que você pega o jeito, é um grande alívio não ter que opinar sobre tudo. Você verá que não vai se envolver em debates políticos e dará menos opiniões; isso o manterá mais calmo e em maior estado de paz interior.
Em terceiro lugar, passe mais tempo se deslumbrando com o mundo ao seu redor. Em sua pesquisa, na University of California, Berkeley, o psicólogo Dacher Keltner foca na experiência do deslumbramento, que ele define como: “a sensação de estar na presença de algo vasto que transcende sua compreensão do mundo.” Keltner descobriu que, para além de seus diversos benefícios, o deslumbramento diminui o senso de identidade. Por exemplo, em um estudo, ele e seus colegas pediram às pessoas que pensassem em uma experiência bonita na natureza ou em um momento no qual sentiram orgulho.11 Dentre os que pensaram na natureza, as chances de dizerem que se sentiam pequenos ou insignificantes era duas vezes maior, e quase um terço mais alta no que se refere a sentir a presença de algo maior do que eles próprios.
Passe mais tempo desfrutando de coisas que o maravilhem. A especialista em felicidade Gretchen Rubin visita o Metropolitan Museum of Art quase todos os dias. Incorporar o deslumbramento à sua vida diária pode significar certificar-se de ver o pôr do sol sempre que puder ou estudar astronomia – ou seja lá o que impressione você.
Um último exercício que você pode tentar se tiver um dia livre: use-o para andar sem rumo. Em um famoso koan (uma história que requer interpretação filosófica), um jovem monge vê um monge mais velho andando e pergunta para onde ele está indo. “Estou em peregrinação”, diz o monge mais velho. “Para onde a peregrinação está levando você?”, indaga o mais jovem. “Não sei”, responde o outro. “Não saber é mais profundo.”
O monge mais velho estava apenas observando o local por onde estava caminhando, sem intenção nem julgamento. Algumas das experiências mais profundas e pessoais da vida ocorrem quando você pode observar sua jornada sem esperar por algum destino ou recompensa externa. Tente dedicar apenas um dia para ser como o monge mais velho. Comece a manhã dizendo: “Não sei o que este dia trará, mas vou aceitá-lo.” Passe o dia focando nas coisas externas a você, resistindo ao julgamento e evitando qualquer coisa autorreferencial. Se estiver se sentindo de fato aventureiro, pode até entrar no carro e fazer uma viagem de um dia sem destino definido.
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