Vão rir de você? Dane-se
O anseio pela aprovação alheia pode fazer com que você viva abaixo do seu potencial. Entenda melhor com este trecho de "O Filho Rico", novo livro de Felipe Miranda.
Roger Federer é provavelmente o maior tenista da história. “Qual porcentagem dos pontos disputados você acha que ele ganhou?”, pergunta o economista Felipe Miranda em seu novo livro, O Filho Rico. “80%? Pelo menos uns 70%?” Não. O suíço levou só 54%. “Compare Federer com tenistas que competem internacionalmente, mas que nunca ganharam um Grand Slam. Eles ganham 51% ou 52% dos pontos. A diferença entre um gênio e um atleta em boa medida desconhecido consiste em acertar dois pontos percentuais a mais de bolas.”
Felipe usa essa estatística do tênis para mostrar que a perfeição não existe. Que erros são parte de qualquer jornada, mesmo das mais bem-sucedidas. O economista também usa exemplos de sua vida profissional, bem conhecida na Faria Lima: ele é o fundador da Empiricus, maior casa de análise de investimentos do país, com 450 mil assinantes, e famosa por seu marketing agressivo. A casa deu origem a uma corretora, a Vitreo. E hoje ambas fazem parte do BTG Pactual, do qual Felipe se tornou sócio.
O Filho Rico, escrito em parceria com o jornalista Ricardo Mioto, é, na essência, um livro sobre como lidar melhor com o dinheiro e construir uma carreira mais plena. Mas dá um passo além: pinça boas histórias do mundo dos esportes e da cultura pop para ilustrar seus raciocínios, como você pode ver com mais detalhes no trecho que a gente selecionou aqui.
CAPÍTULO 2 – TOME CUIDADO COM A ESCRAVIDÃO
Houve um jogador de basquete nos Estados Unidos chamado Wilt Chamberlain. Ele foi gigantesco. Chegou a marcar 100 pontos em uma única partida, em 1962, pelo Philadelphia Warriors. Em 60 anos, a façanha nunca foi repetida por outro jogador. O máximo de Kobe Bryant foi 81. Michael Jordan, coitado, apenas — “apenas”… — 69.
1962 foi muito bom para Chamberlain. Nesse ano, ele conseguiu superar seu maior defeito como jogador. Só para botar tudo a perder depois… Mas vamos chegar lá.
Eis o defeito: Chamberlain era péssimo nos lances livres. Lance livre é quando o jogador sofre uma falta e ganha o direito de fazer arremessos sem defesa, embaixo da cesta. Em média, Chamberlain acertava apenas 40% das bolas. Um horror para um atleta profissional. Pior ainda para um dos maiores talentos da história do basquete em todo o resto.
Chegaram a contratar um psicólogo para tentar ajudá-lo. “Ele arremessava lances livres melhor do que eu”, brincou Chamberlain.
Naquela noite dos 100 pontos, porém, ele marcou 28 dos 32 lances livres que arremessou. Um aproveitamento de 87,5%.
Isso só foi possível porque, naquele ano, Chamberlain tinha adotado uma forma pouco comum de arremessar.
Em vez de jogar a bola do alto, com os braços para cima da cabeça, como todo mundo, ele passou a atirá-la de baixo para cima, a partir da altura da cintura, como uma criança ou um idoso fariam. Esse estilo é conhecido como granny shot, ou “arremesso da vovó”…
Só havia um outro jogador que fazia desse jeito: Rick Barry, que tinha um aproveitamento de absurdos 90%. É muito mais fácil jogar assim, na verdade.
Em 2017, pesquisadores de Yale, uma das melhores universidades do mundo, constataram matematicamente que o jogador tem mais controle da bola se arremessá-la por baixo. É uma forma mais intuitiva e natural de fazer isso. Humanos são melhores segurando coisas na altura da cintura do que sobre suas cabeças. Os braços estão relaxados. A bola viaja suavemente.
Claro que não é possível fazer o arremesso da vovó fora dos lances livres, no meio da partida, porque você seria facilmente bloqueado todas as vezes. Mas no lance livre não há ninguém na sua frente.
O arremesso da vovó causou uma revolução no jogo de Chamberlain.
Quando o jogo de basquete está chegando ao fim e o placar está muito apertado, uma estratégia comum é fazer uma falta. Você troca o risco de levar uma cesta de três pontos por dois lances livres. Melhor: você pode escolher qual jogador adversário vai arremessar. Basta fazer a falta nele. Escolha um jogador que arremessa mal.
Chamberlain era o jogador que arremessava mal. Se você arremessa mal, uma consequência é que talvez acabe forçando o técnico a tirá-lo de quadra justo no fim do jogo, quando o time mais precisa, para evitar que os adversários façam uma falta sobre você…
Agora isso havia acabado. Na temporada de 1961-62, Chamberlain foi imbatível. Nunca ninguém fez tantos pontos em uma temporada. O segundo colocado? Michael Jordan, que fez 3.041 em 1986-87.
E então o que Chamberlain fez no ano seguinte?
Desistiu do arremesso da vovó, voltando à mediocridade nos lances livres.
Por quê? Mais do que isso: se o arremesso da vovó é tão eficiente, por que não é utilizado por um mar de jogadores da NBA?
Shaquille O’Neal, que fez carreira nos anos 1990 e 2000, por exemplo, foi um dos melhores jogadores de todos os tempos, mas também era muito ruim nos lances livres. Quando sugeriram que ele adotasse os arremessos por baixo, esta foi a resposta dele: “Esquece, eu prefiro não acertar nenhuma a fazer isso.”
Como assim?
A questão é que o arremesso da vovó é patético. É infantil. O jogador parece amador. As pessoas dão risada. Procure um vídeo na internet. Você também vai sentir vontade de rir.
Eis o que Chamberlain escreveu na sua autobiografia: “Eu me sentia bobo (…). Simplesmente não consegui.”
O público pode ser impiedoso. Este é o relato de um professor americano:
“Uns anos atrás, eu era técnico de um time feminino da quinta série. A maioria não era fisicamente capaz de fazer um lance livre usando a técnica normal. Então, ensinei as garotas a arremessar a bola por baixo. Na primeira vez em que uma delas fez isso em uma partida, a plateia inteira riu alto. Eles riram de uma menina… de 11 anos.”
A pressão social pode ser muito poderosa. Talvez você pense que o sucesso dos arremessos fez as pessoas rirem menos de Chamberlain. Mas não! Essa é a forma que os críticos encontram de diminuir o vencedor: ele fez 100 pontos, é verdade, mas que vergonha ele passou, não? E, se você for o melhor jogador de basquete da sua geração, não tenha dúvida: haverá críticos.
Lembre-se também de que jogadores de qualquer esporte são meninos de vinte e poucos anos. Até outro dia eles eram crianças. Agora estão no centro de todas as atenções, pressões, badalações. Do ponto de vista psicológico, não é uma transição trivial.
Pior ainda é fazer um arremesso assim e errar. Ninguém fala nada se você erra um ponto arremessando como todo mundo sempre fez. Acontece. Ser ousado e não acertar, porém, é abrir espaço para comentários do tipo “mas também, olha o que essa mula foi inventar”. Chamberlain estava errado, porém.
Décadas se passaram até que um jogador voltasse a usar o arremesso da vovó na NBA. Foi Chinanu Onuaku, em 2017. “Realmente não me importo com o que as pessoas pensam”, disse ele. “Sei que vão rir de mim. Eu só ignoro.”
Ao tomar decisões, não se preocupe com o que os outros vão pensar. Chamberlain foi um herói em 1962, mesmo jogando a bola de um jeito ridículo. O problema estava na cabeça dele. Algumas pessoas riram? Sim. Quantas delas fizeram 4.000 pontos em uma temporada da NBA? Que se danem as pessoas.
Infelizmente, ele não pensava assim. Ainda foi um grande jogador, porque seu talento era extraordinário, mas sempre se poderá dizer que ele jogou abaixo do seu potencial.
Viver abaixo do potencial é um preço muito alto a pagar só porque você quer a aprovação alheia. É bom ser um pouco desencaixado, um pouco rebelde. Ter uma visão política diferente daquela de boa parte dos seus amigos. Ler os livros que ninguém está lendo ou assistir aos filmes que ninguém ao seu redor viu. Ir a bares para os quais seus colegas de trabalho torceriam o nariz. Saber ficar sozinho. Viajar sozinho. Aprender a dizer não.
Na ficção, todo protagonista charmoso vive no seu próprio mundo. Tem seus desejos, sua personalidade, e é fiel a ambos.
Se algum dos personagens de Clint Eastwood jogasse basquete, não estaria nem aí para a opinião alheia sobre seus arremessos. No livro juvenil mais famoso de todos os tempos, todos chamam o vilão de “aquele que não deve ser nomeado”, mas Harry Potter acha isso uma imbecilidade: para ele, é “Voldemort”. Harry não está nem aí.
As pessoas que se esforçam demais para obter aceitação, ironicamente, não têm carisma algum.
Isso não significa renunciar à sociedade. É óbvio que você não irá de camiseta ou tênis a um casamento. É óbvio que você não tem que falar para a vovó católica no almoço de Natal que Deus não existe. É óbvio que você tratará bem os filhos dos outros mesmo que eles pareçam irritantes. É óbvio que você vai evitar discordar das pessoas só por discordar. Isso não tem nada a ver com ser mal-educado.
Mas os mais íntimos saberão que, no que é importante, você não trai a si mesmo. E isso fará de você alguém confiável: ninguém acredita em quem não é fiel nem a si próprio.
Meu modelo ideal aqui é o de Mick Jagger: de um lado, roqueiro transgressor há 60 anos. De outro, Cavaleiro da Coroa Britânica.
Keith Richards, seu colega de Rolling Stones, conta que nos anos 1970 eles estavam tendo imensa dificuldade para conseguir os vistos para uma turnê nos Estados Unidos.
Jovens roqueiros cabeludos um pouco drogados não eram exatamente bem vistos pela conservadora sociedade norte-americana. Nos anos 1970, os deputados estaduais do Arkansas chegaram a tentar proibir o rock na sua jurisdição. (Mas como definir o que é o rock? A redação da proposta legislativa é maravilhosa: “Quando houver batidas fortes, altas e insistentes no compasso…”.)
O advogado teve uma ideia, conforme relata Richards: “Ele pediu a um oficial graduado da imigração americana que recebesse Mick e julgasse por si mesmo. Naturalmente, Mick foi o mais sedutor que pôde, aparecendo de terno, e só faltou o cara abaixar a calça para ele. Mick é o cara mais versátil que eu conheço. Por isso eu o adoro.”
É isso aí.
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