Alta demanda por Ozempic e Wegovy desequilibra economia da Dinamarca
Os medicamentos da Novo Nordisk impulsionaram o PIB do país no último ano e meio. Mas uma fatia grande na mão de só uma empresa cria um cenário perigoso.
“Há algo de podre no reino da Dinamarca.” Se Hamlet fosse uma obra contemporânea, talvez Shakespeare usasse o trecho para fazer referência à semaglutida – princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, remédios usados para emagrecer. Isso porque a alta demanda pelos medicamentos, especialmente nos Estados Unidos, está causando um desequilíbrio na economia do país escandinavo.
O valor de mercado da Novo Nordisk (N1VO34), fabricante dinamarquesa dos medicamentos, cresceu 30% este ano, chegando a US$ 419 bilhões (maior que o PIB da Dinamarca, de US$ 406 bilhões). O faturamento da companhia em 12 meses está em US$ 21 bilhões, o que equivale a 5% do PIB do país. As exportações do produto geraram um fluxo de dólares tão grande que a coroa dinamarquesa se valorizou, perdendo inclusive a paridade contra o euro, ao qual usualmente ela é fixada. Em resposta, o banco central do país manteve as taxas de juro abaixo das do Banco Central Europeu, numa tentativa de desvalorizar a moeda nacional.
Especialmente em países pequenos, ter uma empresa desempenhando um papel tão desproporcional na economia pode ser perigoso. Pegue a Finlândia, por exemplo. Em 2000, o faturamento da gigante de telecomunicações Nokia representava 4% de seu PIB (mais de 20% de suas exportações e 70% da bolsa de valores local). O valor de mercado da companhia chegou a ser duas vezes maior do que o PIB do país. O declínio da empresa coincidiu com a estagnação econômica da nação após 2008 — especialmente depois da ascensão do iPhone, lançado em 2007.
Todo o enrosco lembra um fenômeno chamado “Maldição do Petróleo”. A avalanche de dólares das exportações, em volume incompatível com o tamanho da economia, torna as importações ridiculamente baratas no país, fazendo com que a indústria local definhe. E mesmo com o PIB crescendo, mais gente fica sem emprego e não consegue surfar no bom momento do país. A desigualdade também tende a crescer.
No caso da Dinamarca, esse mau presságio já pode ser visto nos números. Segundo dados levantados pelo Sydbank, um banco dinamarquês, as farmacêuticas impulsionaram o PIB do país em quase dois pontos percentuais desde o final de 2021 até o 1º trimestre de 2023, cortesia da Novo Nordisk. O problema é que isso camuflou uma desaceleração de outros setores: se o PIB cresceu 1% durante o período, sem o setor farmacêutico, teria caído 1%.
Por enquanto, a Novo Nordisk está ditando o ritmo da música, e a Dinamarca dança de acordo com ela. Mas uma mera mudança na legislação dos EUA, ou a descoberta de um efeito colateral dos remédios (que começam a ser estudados com mais afinco), podem baquear a economia do país inteiro. Cabe às autoridades monetárias e ao governo entender como aproveitar as vantagens do fluxo de capital, sem acabar caindo na Maldição do Ozempic. É, Shakespeare. Ser ou não ser, eis a questão.