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Economia prateada: a ascensão dos consumidores 60+

Os mais velhos nunca trabalharam, consumiram ou viajaram tanto. E as empresas atentas a essa revolução caem nas graças de um mercado de US$ 15 trilhões.

Por Juliana Américo | Ilustração: Estevan Silveira | Design: Lais Zanocco
Atualizado em 5 mar 2021, 12h38 - Publicado em 8 fev 2021, 08h00
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 (Estevan Silveira/VOCÊ S/A)
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Madonna e Maitê Proença têm mais de 60. Daqui a dois anos, Tom Cruise e Brad Pitt entram para esse clube. Glória Maria, Ana Maria Braga, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger já passaram dos 70. Em dois anos, Suzana Vieira e Harrison Ford terão 80. Warren Buffett chegou à casa dos 90, e brinca que seu sucessor no comando da Berkshire Hathaway, a maior companhia de investimentos da Terra, será seu sócio Charlie Munger, de 97 – que segue ativo e dando palestras.

Nenhum deles se encaixa no estereótipo de velhinho ou velhinha. E provavelmente alguns membros da sua família, ou você mesmo, caso já tenha soprado muitas velas, seguem tão saltitantes quanto Mick Jagger, de 77.

“Os idosos de hoje estão no mercado de trabalho, consomem e são formadores de opinião”, afirma Layla Vallias, cofundadora da Hype60+, uma consultoria de marketing especializada no “consumidor sênior”, como o mercado chama.

E têm muito mais dinheiro para gastar que os mais jovens. O Federal Reserve (banco central dos EUA) identificou que, em 2020, o patrimônio das famílias dos EUA somava US$ 116 trilhões. E 53,2% desse montante – o que equivale a US$ 61,9 trilhões – era controlado pelos baby boomers, ou seja, os nascidos até 1964. Isso significa que eles são 12 vezes mais ricos que os millennials – os mais jovens possuem US$ 5,9 trilhões, ou 5% do total. O patrimônio médio nos lares de quem tem entre 52 e 70 anos é de US$ 1,2 milhão, contra US$ 509 mil da turma entre 36 e 51, e US$ 100 mil dos millennials (entre 20 e 35).

No Brasil, a concentração de renda deste grupo não é tão grande, mas existe. Um estudo da FGV indica que as pessoas com mais de 65 anos correspondem a 17% dos 5% mais ricos do país – e a apenas 4% dos 40% mais pobres.

Além disso, a faixa dos idosos cresce em ritmo acelerado – principalmente nos países ricos, nos quais as taxas de natalidade caem, enquanto a expectativa de vida aumenta. No início dos anos 1990, as pessoas com mais de 60 anos representavam 6% da população mundial; hoje, são 13%. E, segundo as previsões da ONU, daqui a dez anos teremos 1,4 bilhão de pessoas com mais de 60 anos – o equivalente a 16% da população de 2030.

Em 2018, o planeta até atingiu um marco: pela primeira vez, o número global de idosos ultrapassou o de crianças pequenas. Foram 705 milhões de pessoas acima de 65 anos contra 680 milhões com menos de 5 anos.

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No Brasil, passamos de 7,1 milhões de pessoas acima dos 60 anos em 1990 para 30 milhões hoje – ou 15% da nossa nação. Em 2030, serão 40 milhões; o equivalente a 18% da futura população. Isso significa que o país terá a quinta maior quantidade de idosos no mundo daqui a dez anos.-

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O número de pessoas com mais de 60 será igual à quantia de crianças e adolescentes com até 14 anos. Nos Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, a proporção de idosos em relação aos mais jovens já é maior hoje.

Um novo mercado

Onde tem dinheiro, tem oportunidade de negócios. De acordo com a consultoria World Data Lab, o poder de compra dos idosos vai praticamente dobrar em dez anos – já que eles tendem a ter mais dinheiro que os de hoje, ao menos no mundo desenvolvido, onde as economias têm crescido em ritmo constante (à exceção de 2020, claro).

Mesmo assim, os mais velhos estão longe da mira das empresas. Um estudo das consultorias Hype60+ e Pipe.Social identificou que 63% dos negócios estão focados nos millennials. Faz sentido. A faixa que mais gasta é a da meia-idade, por volta dos 40, 50 anos – a que concentra os maiores salários, claro. Isso não vai mudar. E os millennials são a futura meia-idade. Torná-los fiéis hoje é fundamental para qualquer marca, seja de roupa, seja de banco.

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A World Lab, porém, mostra que o grupo de consumidores que mais vai crescer até 2030 é justamente o de 65+. Os dados se referem só à chamada “classe consumidora” – as pessoas capazes de gastar pelo menos US$ 11 por dia. De acordo com a consultoria, haverá 66% mais idosos nessa faixa daqui a dez anos, contra 40% mais adultos (30 a 64) e só 21% a mais de jovens (15 a 29). Como os idosos de amanhã tendem a ter mais patrimônio que os de hoje, esse poder de consumo saltaria dos atuais US$ 8,7 trilhões para US$ 15 trilhões.

Demorou, então, para o mercado abrir os olhos. O estudo da Hype60+ e do Pipe.Social mostra que quatro em cada dez consumidores acima de 55 anos sentem falta de produtos e serviços voltados para eles. O segmento de vestuário, calçados e acessórios é o mais desfalcado: 56% dos mais velhos não estão satisfeitos com o que o mercado oferece em termos de vestuário – as roupas são “jovens demais” ou “de velho”.

“As empresas erram ao assumir que estão falando com um único público. A geração com 60 anos é muito diferente da de 90 e existe uma diversidade enorme de perfis. Tem desde aqueles que estão mais fragilizados até os que estão ativos no mercado de trabalho”, afirma Michelle Queiroz, professora e coordenadora da Fundação Dom Cabral Longevidade.

Layla, da Hype60+, ressalta que as companhias não escutam o consumidor maduro e, consequentemente, não entendem as suas necessidades. “Ainda hoje, muitos estudos e pesquisas de consumo mapeiam pessoas de até 50 anos. Isso acaba impactando na falta de representatividade das propagandas, produtos que não fazem sentido e até mesmo na miopia dos executivos na hora de pensar a jornada do consumidor no ponto de venda.”

Ainda bem que espírito empreendedor não tem idade. A estilista Helena Schargel, de 81 anos, percebeu um nicho intocado: a das mulheres de terceira idade que não querem usar a famosa calcinha de vó nem aquelas feitas sob medida para quem tem 20 anos.

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Natural de Marília, Helena veio para São Paulo com 14 anos, onde estudou, trabalhou e formou sua família. Em 2017, depois de 45 anos trabalhando em uma empresa têxtil, ela decidiu se aposentar. “Passei um ano nesse período sabático. Mas era muito chato. Sou movida a tesão e aquele negócio de comida para os netos, ioga e ginástica não estava legal.”

Helena, então, decidiu lançar uma coleção de lingerie 60+. Assim que teve a ideia, pegou a sua antiga lista de contatos profissionais e ligou para Myriam Recco, proprietária da marca Recco Lingerie. Myriam topou produzir a linha, mas tinha um porém: as coleções novas seriam lançadas dentro de dois meses e, se Helena quisesse tirar o plano do papel, teria de correr com a produção. Missão dada, missão cumprida. Em dezembro de 2018, a coleção sexy sem ser vulgar (e desprovida de bege) já estava nas lojas. Helena foi modelo da coleção e fez as fotos do catálogo.

Hoje ela também assina a linha de roupas Fitness 60+ para a marca Alto Giro e está criando uma coleção de biquínis e maiôs.

Games

Tecnologia sempre foi igual espinhas: um conceito que pertence ao mundo dos mais jovens. E é um fato. Mas o mercado exagera na interpretação. “Uma pesquisa aqui da FGV mostra o seguinte: 70% das empresas acham que os idosos não acompanham as transformações tecnológicas. Mas, quando você vai olhar os dados, mais de 90% deles têm smartphone e estão nas redes sociais”, diz Patricia Riccelli, coordenadora do curso de Formação Executiva da Longevidade da FGV.

Não é só isso. A tecnologia é uma aliada poderosa na luta contra a senilidade mental. Em 2014, quando Fábio Ota criou a IsGame, ele não imaginava que sua empresa iria atender a terceira idade.

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A ideia do paulistano, de 57 anos, era ensinar crianças a desenvolver jogos e trabalhar o raciocínio lógico. Acontece que ele tinha contato com idosos que sofriam de Alzheimer e percebeu que o que era ensinado nas aulas poderia auxiliar na prevenção da doença. De fato, diversas pesquisas indicam que manter o cérebro ativo ajuda a prevenir e retardar o avanço da doença.

No ano seguinte, ele começou um projeto-piloto com idosos. “Formei uma turma de 12 alunos e passei a ensinar sobre desenvolvimento de games. Foi quando percebi que estava dando certo”. Em 2016, ele recebeu um aporte de R$ 200 mil da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para comprovar os benefícios de jogar e desenvolver videogames na terceira idade – 80 pessoas com mais de 65 anos participaram dos testes, que identificaram melhorias na memória e concentração.

No curso, os alunos começam com jogos mais simples, de duas dimensões, como Mario Bros. Então passam para games online de hoje e depois desenvolvem jogos para crianças – nessa parte eles são estimulados a usar a criatividade para desenhar os personagens e criar uma narrativa. “Nossas aulas não são pensadas para eles se tornarem profissionais, mas muitos ficam animados porque sabem falar sobre games, o que ajuda na interação com os netos.”

A IsGame conta com mais de 200 alunos da terceira idade e possui filiais em São Paulo, Jundiaí, Santos, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Fábio também lançou o aplicativo “Cérebro Ativo”, que ajuda os idosos a treinar velocidade de digitação e coordenação motora.

Menos Águas de Lindóia, mais Caribe

O turismo para a terceira idade é clássico. Mas está mudando também. Quem diz é Maurício Pastore, 54, que está nesse ramo há 12 anos. “No começo, a gente fazia muita viagem para Campos de Jordão, Águas de Lindóia e Serra Negra. Mas de uns anos para cá o espírito aventureiro aumentou. Agora, a gente leva para todos os cantos do Brasil e da Europa, além de Miami e Caribe. Para 2020, a gente já tinha um grupo programado para conhecer Manaus, mas a pandemia atrapalhou.”

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O paulistano fundou a Pastore Turismo em 1992. No início, organizava viagens de formatura para ensino fundamental e médio. Mas decidiu ampliar a oferta para o público maduro e passou a trabalhar exclusivamente com eles a partir de 2009.

“A terceira idade é muito mais exigente em relação ao conforto, tanto para dormir quanto para comer. Além disso, alguns roteiros precisam ser adaptados para a parte de mobilidade. Mas a gente leva para os mesmos lugares que os jovens vão.”

A comunidade dos idosos está mais organizada também. O site Sixty and Me é um bom exemplo. Trata-se de uma plataforma colaborativa na qual mais de 500 mil mulheres da terceira idade publicam, além de recomendações clássicas para saúde e planejamento de aposentadoria, textos sobre psicologia, literatura, música, sexualidade, viagens.

Na parte de turismo, por exemplo, o casal Jane e Duncan Dempster-Smith incentiva que os hostels não sejam hospedagens só para jovens mochileiros. Eles se definem como “nômades semiaposentados”, e lembram que os hostels oferecem quartos individuais para aqueles que não se sentem à vontade para dividir com desconhecidos, e que têm espaço para preparar refeições – assim não tem desculpa de não viajar porque não tem dinheiro.

Maurício, Helena e Fábio, assim como outros empresários que apostaram no nicho 60+, perceberam algo que Patricia, da FGV, é enfática em destacar: “O consumidor do futuro é o sênior”.

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