TSMC, ASML, Nvidia: as ações que surfam a onda dos hiperchips

Os chips são o petróleo do século 21. Sua produção é uma atividade complexa e cara, e são poucas as empresas no mundo capazes de fabricar as versões mais sofisticadas. Hoje, essas companhias vivem uma espécie de corrida espacial, enquanto suas ações passam por momentos bem distintos. Conheça os principais nomes desse mercado.

Por Texto: Camila Barros | Design e colagens: Brenna Oriá | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 25 Maio 2023, 18h30 - Publicado em 12 Maio 2023, 06h04
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 (Brenna Oriá/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)
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Tudo que não seja completamente analógico depende de chips para funcionar. As placas de silício recheadas de transistores que amplificam ou barram corrente elétrica podem estar até na pia da sua cozinha – caso a torneira ali seja automática, com um sensor. A humanidade já passou pela Era do Bronze e pela Idade do Ferro; entrou e tenta se desvencilhar da Era do Petróleo. E agora está firmemente inserida na Idade do Silício. Sem chips já não somos mais humanos as we know it.  

Só que não é trivial produzi-los. Os transistores modernos medem nanômetros (milionésimos de milímetro). É por isso que um iPhone conta com mais poder de computação do que a sala de controle do Programa Apollo, da década de 1960. Um fio de cabelo tem 90 mil nanômetros. Os transistores de um iPhone de última geração, 4 nanômetros (nm). Cada chip A16, da Apple, carrega 16 bilhões deles.    

A fabricação desses nano-monstros se concentra nas mãos de poucas empresas ao redor do mundo. Para quem investe, então, vale ter um olho nas ações dessas companhias. Warren Buffett mesmo comprou US$ 4,1 bilhões em papéis da mais proeminente delas, a TSMC, de Taiwan, no final do ano passado – e mais tarde vendeu quase tudo (veremos mais adiante por quê). 

Mas vamos começar aqui por outra que talvez seja ainda mais especial, a holandesa ASML, negociada na Nasdaq e na B3 também, via BDR (ASML34).   

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(Brenna Oriá/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Máquina de máquinas

A ASML encabeça a etapa zero da cadeia de produção dos chips: fabrica as máquinas que fabricam processadores. Elas produzem raios de luz finíssimos para “imprimir” os bilhões de transistores nas plaquinhas de silício. É assim que nasce um chip. 

As luzes das impressoras mais modernas da empresa têm comprimento de onda de 13,5 nm – a título de comparação, um diodo emissor de LED produz ondas de 300 a 1.000 nanômetros. Isso dá ao sistema a precisão necessária para imprimir transistores de até 3 nm.

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Atualmente, só a ASML consegue construir as máquinas que fabricam chips de 3 nm. E ela tem planos de alcançar os 2 nm até 2025. Além dela, as japonesas Canon e Nikon também atuam nesse mercado – mas com produtos bem menos sofisticados. A máquina mais moderna da Canon, por exemplo, produz chips de 130 nm, tecnologia disponível há mais de 20 anos.    

Não à toa, a ASML é a líder absoluta no mercado dessas engenhocas, chamadas de máquinas de litografia. Se um dia você quiser empreender no fornecimento de chips, vai precisar de uma delas – capriche no pitch da primeira rodada de investimentos, porque cada uma custa quase R$ 1 bilhão e pesa 180 toneladas (haja frete).   

 

A companhia foi fundada em 1984 como um empreendimento conjunto entre as holandesas ASM International e Phillips. A listagem em bolsa (tanto na Euronext Amsterdam quanto na Nasdaq) veio 11 anos depois, mesma época em que a empresa se desvencilhou da Phillips.

Seu valor de mercado está em US$ 250 bilhões – o que a torna a quarta companhia mais valiosa da Europa – atrás apenas de Louis Vuitton, da farmacêutica Novo Nordisk e da L’Oréal.   

Em abril, a ASML reportou US$ 2,15 bilhões para o 1° trimestre de 2023, uma alta de 7,6% em relação ao 4T22 e acima da previsão dos analistas consultados pela Refinitiv, que projetavam US$ 1,77 bilhão.

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Para o 2° trimestre, ela espera que a receita cresça de US$ 7,1 bi para US$ 7,7 bi. E disse que o número total de pedidos ultrapassa sua capacidade de produção para este ano – ou seja, não vai faltar cliente tão cedo. 

Ainda assim, as ações da companhia têm enfrentado momentos de ceticismo dos investidores – no dia da divulgação dos fortes resultados do 1º tri de 2023, as ações chegaram a cair 3% na Nasdaq. Desde o último pico, em novembro de 2021, o tombo é de 30%. 

Uma máquina da ASML custa quase R$ 1 bilhão e pesa 180 toneladas.

Motivo: a demanda por chips tem desacelerado mundo afora, com a alta global nos juros pesando no apetite dos consumidores por equipamentos eletrônicos. Por conta disso, o mercado teme que a demanda pelas máquinas que os fabricam também caia. 

Em abril, Samsung, Micron e SK Hynix, todas produtoras de chips e clientes da ASML, anunciaram planos de cortar gastos para enfrentar uma demanda menor. O World Semiconductor Trade Statistics, organização sem fins lucrativos de empresas do setor, espera que o mercado de chips encolha 4,1% até o final de 2023. 

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Também tem o fator China. Em março, o governo holandês anunciou que pretende restringir as exportações de algumas das máquinas da ASML para o país asiático. Isso depois de uma forte pressão do governo Joe Biden, que tem se dedicado a impedir que Xi Jinping ponha as mãos nas tecnologias de chips de última geração – fundamentais para a criação de novos mísseis, por exemplo. 

A China foi responsável por 8% das vendas da ASML no 1° trimestre, e é dona de 20% dos pedidos na fila de produção. De acordo com fontes consultadas pela Bloomberg, as sanções da Holanda devem impedir o envio de três máquinas. 

Esse trio de impressoras barrado conta com uma tecnologia menos complexa, a de “litografia ultravioleta profunda de imersão”. As mais sofisticadas são as Twinscan NXE, com tecnologia de “radiação ultravioleta extrema” (EUV, na sigla em inglês) – aquelas que produzem chips de 3 nm. Essas já sofriam restrição de comércio para a China.

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O Acordo de Wassenaar, assinado pela Holanda e outros 41 países em 1996, proíbe a exportação de tecnologias que possam servir a fins militares para alguns rivais geopolíticos, entre eles a China. 

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Proibido de acessar a tecnologia pelos meios comerciais, o tigrão asiático recorre a três estratégias. A primeira é atrair força de trabalho especializada. Por anos, o país de Xi Jinping contratou engenheiros e pesquisadores de Taiwan (polo de produção de chips) para fortalecer a indústria nacional. Segundo dados do Taiwan Institute of Economic Research, quase 10% dos 40.000 engenheiros taiwaneses do setor trabalhavam na China em 2019. Em 2021, Taiwan exigiu que as empresas de recrutamento fechassem todos os processos seletivos chineses no país, medida para conter a captura de cérebros da indústria.

A segunda estratégia da China é menos ortodoxa: espionagem corporativa. Em fevereiro deste ano, a ASML comunicou que teve informações roubadas por um ex-funcionário chinês. Não se trata de um caso isolado: em 2018, a companhia já tinha acusado um engenheiro de roubar 2 milhões de linhas de código-fonte dos softwares da ASML e, em seguida, compartilhar parte dele com funcionários da americana Xtal e da chinesa Dongfang.

Já a terceira estratégia você não para de ver no noticiário: a ameaça de invadir e anexar Taiwan.

 

 

Joia taiwanesa

A indústria de produção de chips corresponde a quase 25% do PIB de Taiwan, uma ilha a 180 km da China e com território menor que o estado da Paraíba. Os chineses consideram o lugar parte de seu território. Mas o fato é que desde 1949 Taiwan opera como uma nação independente – democrática, com exército próprio e uma economia pujante. 

Em 2022, a ilha vendeu US$ 184 bilhões em chips para outros países – 32% do volume global. Isso faz dele o maior exportador da tecnologia no planeta, acompanhado pela Coreia do Sul, Japão e EUA. 

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Boa parte dessa receita vem de uma fábrica só: a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company). Fundada em 1987, ela é a maior produtora de chips do mundo e a principal cliente da ASML. A TSMC trabalha no modelo de foundries – empresas que fabricam chips para outras empresas sob encomenda, sem desenvolver designs próprios –, e tem como clientes as principais companhias da indústria: Apple, AMD, Broadcom, Qualcomm e Nvidia. 

32% do valor exportado em chips ao redor do mundo saiu de Taiwan em 2022.

No 4° trimestre de 2022, a TSMC dominava 58% do mercado global de foundries. Bem à frente da segunda colocada, a Samsung, que come poeira com uma fatia de 16%.

Para os chips mais modernos, a TSMC é praticamente unânime. É ela quem produz os processadores M1 Ultra dos MacBooks da Apple, que têm 114 bilhões de transistores. A taiwanesa afirma ter começado a produção de chips de 3 nm no final do ano passado, tecnologia que deve entrar no iPhone 15 Pro – a ser lançado pela Apple em setembro.

No 1° trimestre de 2023, ela registrou um lucro de US$ 6 bilhões – alta de tímidos 2% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Com valor de mercado em US$ 433 bilhões, a TSMC (TSMC34) é a 15ª empresa mais valiosa do mundo – e a líder absoluta da Taiwan Stock Exchange, claro. 

Não à toa, ela é o epicentro da crise geopolítica entre China e EUA pelo futuro de Taiwan. A treta já é antiga: controlada pelo império japonês de 1895 até o fim da 2ª Guerra Mundial, a ilha voltou às mãos da China em 1945. Quando o comunista Mao Tse-tung ascendeu ao poder, em 1949, seus opositores políticos se refugiaram lá e romperam com a capital. Nascia ali outro país, ainda que a China jamais tenha aceitado a independência. 

Taiwan não tem assento na ONU e só é reconhecida como nação por 13 países – o maior deles é o Paraguai. Ninguém com relações com a China se atreve a manter laços formais com Taiwan. Por essas, a visita da então líder do Congresso americano à ilha, em 2022, jogou gasolina na tensão já crescente entre China e EUA.     

No off, o acirramento tem a ver com a chance cada vez maior de a China tomar Taiwan à força. Se isso é algo que sempre esteve no script geopolítico chinês, agora, com a TSMC dando sopa na ilha, a possibilidade é maior. Principalmente numa realidade em que a China gasta mais importando chips do que petróleo.

A ameaça de invasão tem pesado nas ações da TSMC. Warren Buffett, que comprou US$ 4,1 bilhões em ações da companhia no 3° trimestre de 2022, se desfez de boa parte delas apenas alguns meses depois – o que não é de seu feitio. 

Em fevereiro, o Oráculo de Omaha disse que levou em consideração o risco de uma guerra para tomar sua decisão. O receio não vem só dele: no ano passado, os papéis  da companhia caíram 38%, num mix de preocupações com queda na demanda e uma eventual invasão militar. 

Para blindar o Ocidente de uma possível tomada chinesa, a TSMC anunciou, em evento ao lado do presidente Joe Biden e do CEO da Apple, Tim Cook, que está investindo US$ 40 bilhões na construção de uma fábrica no Arizona. Ela deve começar a operar em 2024 e produzirá, inicialmente, chips de 4 nanômetros.

Não é “só” a questão geopolítica. A chegada da TSMC ao Ocidente faz parte de um grande esforço americano para impulsionar a indústria local, nacionalizando a produção de chips sofisticados. 

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(Brenna Oriá/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Aposta americana

Em agosto de 2022, o Congresso dos EUA aprovou o CHIPS and Science Act, um pacote de US$ 280 bilhões em investimentos no que eles consideram as “indústrias do futuro”: nanotecnologia, energia limpa, computação quântica e inteligência artificial. Dessa bolada, US$ 52 bilhões ficaram reservados para estimular a indústria nacional de chips – a ideia é financiar pesquisas, construção de novas fábricas e capacitação de mão de obra. E tem mais US$ 24 bilhões em benefícios fiscais para a produção. 

Os EUA já foram os líderes globais do setor. O Vale do Silício, aliás, recebeu esse nome na década de 1970 por concentrar muitas empresas de design e produção dos chips, feitos de silício. Só que o país dormiu no ponto e perdeu avanços tecnológicos importantes para as asiáticas TSMC e Samsung, as únicas que atualmente produzem chips de 5 nm ou menos. 

A urgência em nacionalizar a produção vem de um trauma recente: durante a pandemia, quando as pessoas começaram a trabalhar de casa e a demanda por certos produtos cresceu, a indústria de chips não conseguiu acompanhar. 

O baque afetou principalmente a indústria automobilística, que precisou interromper a produção. Resultado disso foi a disparada nos preços de carros em todo o mundo. Nos EUA, a escassez de chips foi considerada um problema de segurança nacional, já que expunha fragilidades econômicas do país. 

Os EUA planejam gastar US$ 52 bilhões para impulsionar a fabricação local de chips.

 

 

Desde então, as próprias empresas americanas têm se esforçado para não ficar para trás na competição, que já foi comparada à corrida espacial entre EUA e URSS durante a Guerra Fria. 

Em setembro de 2022, a Intel (ITLC34), uma integrated device manufacturer (IDM, empresa que faz o design, produz e vende os próprios chips), prometeu investir pelo menos US$ 20 bilhões em duas novas fábricas em Ohio.

Pioneira no Vale do Silício, ela já foi a número um da indústria. Essa realidade mudou depois de um deslize estratégico: quando a tecnologia de litografia extrema (EUV) foi anunciada, há quase uma década, os executivos da companhia acreditavam que levaria anos até que o método se tornasse factível. E mantiveram as técnicas de fabricação mais antigas. Erro crasso. 

A partir daí, a empresa ficou alguns anos atrasada em relação às competidoras. A geração de processadores Intel 4, de 7 nm, só começou a ser produzida em massa no final do ano passado. A TSMC já produz chips de 5 nm desde 2020. 

Hoje, a americana é avaliada em US$ 120,46 bilhões, valor de mercado mais de 3 vezes menor que o da TSMC. 

A Intel tenta correr atrás do prejuízo. Além das duas novas fábricas, ela já assinou com a ASML para receber a primeira máquina TWINSCAN EXE:5200 da história, que produzirá chips de 2 nm e deve ficar pronta em 2025. 

Mas a corrida ao topo enfrentará forte competição local. Pelo menos 35 empresas americanas prometeram investir quase US$ 200 bilhões em projetos relacionados a chips desde 2020. 

No final do ano passado, a Micron Technology (MUTC34), produtora de chips de memória avaliada em US$ 67 bilhões, disse que pretende desembolsar de US$ 20 bi a US$ 100 bi em uma fábrica nos arredores de Nova York. 

Pertinho dali, a designer de chips Qualcomm (QCOM34) e a fabricante GlobalFoundries anunciaram um investimento conjunto de US$ 4,2 bilhões para expansão de fábrica em NY, com o objetivo de dobrar a capacidade de produção.

Já a Nvidia, especializada GPUs (utilizada para o processamento de gráficos, como jogos, edição de vídeos e imagens), tem surfado a onda da inteligência artificial, já que sua tecnologia é especialmente boa para rodar algoritmos de deep learning. Desde o início do ano, ela anunciou parcerias com pesos pesados: Amazon, Google, Microsoft e Adobe. As ações acompanharam: NVDC34 subiu 90% no período. A empresa, afinal, conseguiu unir os dois elementos que mais fazem brilhar os olhos dos coletinhos de Wall Street: chips e IA. Talvez seja um novo capítulo na Era do Silício, que começa a ser escrito neste momento.

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