Nos EUA, estudo mostra impacto severo das apostas esportivas online em famílias de baixa renda
Economistas do Kansas descobriram que, a cada dólar gasto nessas plataformas, há uma redução dos investimentos líquidos – aqueles em aposentadoria, ações e imóveis, por exemplo — em US$ 2. Entenda.
Apostas esportivas online são novidade na terra do Tio Sam. Foi só em 2018 que a Suprema Corte do país anulou uma proibição federal à modalidade, que existia desde meados dos anos 1990.
De lá para cá, o negócio deslanchou significativamente. No comecinho de 2019, os americanos gastaram, em média, US$ 1,1 bilhão por mês em jogos do tipo. Em janeiro de 2024, esse valor subiu mais de 1000%, para US$ 14 bilhões (R$ 78 bi).
Buscando medir o impacto da legalização nas decisões de investimento dos americanos, pesquisadores do Kansas coletaram informações de gastos e gestão de dívidas de 230 mil residências.
Cruzando dados de transações financeiras pré e pós legalização, nasce a pesquisa Gambling Away Stability: Sports Betting’s Impact on Vulnerable Households (Apostando a Estabilidade: O Impacto das Apostas Esportivas em Famílias Vulneráveis).
Os economistas mediram três hipóteses: o acesso às apostas esportivas afeta a propensão das famílias a se envolver em outras formas de financiamento; existem impactos mensuráveis em suas finanças e crédito; e esses efeitos variam à medida que variam suas condições financeiras ou demográficas. Os resultados veremos a seguir.
Pré e pós legalização
O primeiro passo foi medir os gastos com apostas esportivas online antes e depois da legalização (ou seja, entender se havia um mercado ilegal forte pré-liberação da modalidade). Não havia. Após 2018, a pesquisa mostra que o número não somente aumentou, como tem seguido uma crescente desde então.
Esse aumento é uma combinação de três fatores: curva de aprendizagem (as pessoas começam a aprender e entender melhor como jogar nas plataformas), rendimentos publicitários e repercussões entre amigos e familiares.
Resultados
Pois bem. Quanto os americanos gastam nesse tipo de modalidade? Considerando as residências que apostam regularmente nas plataformas, são US$ 280 (cerca de R$ 1600) por trimestre. US$ 23 dólares (R$ 130) por semana.
O pulo do gato é: essa grana não está necessariamente saindo de economias que já estavam reservadas a esse tipo de atividade. É o que os economistas chamam de “investimentos com valor esperado negativo” – vide, as chances de que você consiga um retorno financeiro significativo com aquilo são mínimas. Bilhetes de loteria, cassinos e outras modalidades de apostas entram nesse balaio.
A grande descoberta dos pesquisadores é que o dinheiro reservado às apostas esportivas online, desde a legalização por lá, está saindo dos investimentos com valor esperado positivo. Leia-se: mercado de ações, planos de previdência… coisas que tendem a se valorizar ao longo do tempo.
A legalização reduz os investimentos líquidos desses grupos vulneráveis em quase 14%. Isso significa que cada dólar gasto em apostas reduz a grana que iria para aposentadoria, imóveis, investimentos em ações, poupança… em US$ 2.
Trocando em miúdos, isso significa que a legalização dessa modalidade de apostas não mudou os gastos gerais com entretenimento. O que a atividade fez, na verdade, foi criar um novo fardo financeiro – especialmente para as famílias que já tinham restrições.
Este aumento não substitui outras atividades de jogo ou mas reduz significativamente as alocações de poupança das famílias, uma vez que as apostas arriscadas de valor esperado negativo excluem os investimentos de valor esperado positivo.
Trecho da pesquisa
Além da redução desses investimentos, a legalização da modalidade trouxe para esse grupo um aumento das dívidas de cartão de crédito em 8%. A procura pelo cheque especial e o pagamento de juros, naturalmente, também aumentou.
“No geral, os nossos resultados sugerem que as apostas levam as famílias com restrições a utilizar potenciais poupanças e dívidas para reduzir investimentos e aumentar os gastos em complementos ao jogo, provavelmente levando a uma deterioração duradoura na sua saúde financeira a longo prazo”, escrevem os pesquisadores.
Quem está apostando?
Das casas avaliadas durante a pesquisa, os economistas traçaram um perfil dos gastos daquelas que, de fato, fizeram algum tipo de aposta online do período.
Eles descobriram que os apostadores tem 2x mais probabilidade de terem investido em criptomoedas…e 4x mais probabilidade de terem jogado pôquer online ou comprado bilhetes de loteria.
A informação mais surpreendente, contudo, não foram essas. Os apostadores têm muito mais probabilidade – 25% para 14% – de terem recebido créditos fiscais relacionados a crianças (a.k.a benefícios pagos pelo governo para ajudar as pessoas com os custos de criar um filho). Isso sugere que uma parcela grande dos americanos que realizam apostas em base regular têm filhos.
Impactos
“Órgãos oficiais devem considerar como esse fascínio com apostas pode desviar fundos das contas de poupança e de investimento, especialmente para famílias com restrições, o que pode afetar a estabilidade financeira das famílias e a acumulação de riqueza a longo prazo”, argumentam os pesquisadores no relatório.
Isso quer dizer que legalizar a modalidade foi um erro? “Só porque houveram impactos nos orçamentos familiares não quer dizer necessariamente que deva ser banido”, argumenta Scott Baker, um dos economistas autores da pesquisa, à Você S/A.
Baker explica que a tentativa do levantamento era desmistificar a ideia de que a legalização das apostas esportivas não teria qualquer impacto na renda familiar, dado que os americanos já reservavam uma parcela dela para esse tipo de entretenimento. “A ideia era mostrar que há, sim, repercussões no orçamento”, explica.
Além disso, ele argumenta que a pesquisa queria trazer à luz consequências de apostas feitas em âmbito online, que é o que aparenta agravar os gastos com a modalidade.
“Uma coisa que todo economista se preocupa é se as pessoas estão tomando decisões totalmente embasadas. Se todos entendessem as chances de ganhar e perder dinheiro com isso, poderíamos argumentar que tudo bem. Mas tudo indica que há custos que as pessoas podem não compreender totalmente”, finaliza. Aí que a pesquisa entra no jogo.