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Um raio-x dos gastos eleitoreiros de Bolsonaro na reta final das eleições

Empréstimo consignado ao Auxílio Brasil, adiantamentos dos vales para caminhoneiros e para a compra de gás, financiamento com garantia fantasma do FGTS. Entenda os perigos da concessão inconsequente de benesses.

Por Júlia Moura
Atualizado em 20 out 2022, 19h56 - Publicado em 20 out 2022, 19h35
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 (RHJ/Getty Images)
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Nos últimos dias de uma eleição presidencial, o vale-tudo impera. E, quem tem a máquina nas mãos tende a colocar esse coringa na mesa. Porém, o uso da máquina pública que estamos vendo é inédito – e pode trazer péssimas consequências. 

Bolsonaro tem turbinado seus programas sociais – de olho no voto das parcelas mais pobres da população, aquelas onde Lula demonstra mais força. 

A máquina mais utilizada tem sido a Caixa Econômica Federal. Recentemente, o banco estatal criou uma linha de crédito específica para os beneficiários do Auxílio Brasil. Chamado de Consignado Auxílio, o programa desconta mensalmente o valor contratado dos R$ 600 do Auxílio Brasil a ser recebido, com juros de 3,45% ao mês, ou seja, de 50,23% ao ano.

A concessão deste contrato começou no dia 11 de outubro e apenas nos três primeiros dias já haviam sido disponibilizados R$ 1,8 bilhão a mais de 700 mil pessoas. Uma gama tão grande de empréstimos a pessoas de baixa renda não é trivial. E pode causar problemas sérios devido ao juro alto. Um empréstimo de R$ 1.000 custaria R$ 2.257 ao final do prazo máximo de pagamento, que é de dois anos. Nesse caso, se paga mais em juros do que no valor contratado.

Mas… e se o Auxílio diminuir de valor nesse meio tempo? A versão atual do Orçamento Geral da União para 2023 já prevê queda para R$ 400. E só isso já bastaria para que a dívida comesse boa parte do Auxílio. Também há uma deturpação lógica aí. A ajuda financeira aos mais pobres tem a função de gerar “segurança alimentar”. Não de financiar gastos maiores ou refinanciar débitos com outros credores.  

E se a pessoa deixar de receber o Auxílio, por alguma razão? Ela seguirá com a dívida. E provavelmente sem condições de pagar. Aí quem morre com a batata quente na mão é a Caixa, que não verá a cor de boa parte do dinheiro. Mais alguns milhares de pessoas, que terminarão com o nome sujo. 

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O Consignado Auxílio chamou a atenção do Ministério Público, que pediu ao TCU a suspensão da oferta na última terça. Segundo o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, a grande concessão de crédito teria uma “finalidade meramente eleitoral e em detrimento das finalidades vinculadas do banco”. O processo está em análise técnica no Tribunal de Contas da União .

No momento, 21,1 milhões de famílias estão no Auxilio Brasil, que paga R$ 600 ao mês desde agosto. Antes, eram concedidos R$ 400 para 18 milhões de brasileiros. Isso mudou com a PEC Kamikaze. O projeto, aprovado em julho pelo Congresso, tinha uma porção de medidas populistas para o segundo semestre deste ano. Além do aumento no auxílio, foi criado um vale mensal de R$ 1 mil a caminhoneiros e taxistas e um vale-gás bimestral de R$ 112.

Em tese, o governo não pode abrir os caixas às vésperas de uma eleição. Mas, algumas leis são fáceis de contornar, basta uma certa boa vontade do legislativo. Neste caso, Câmara e Senado embarcaram na criação de um estado de emergência. E, em situações de emergência, medidas drásticas (e caras) ficam liberadas. O custo estimado das benesses é de R$ 42 bilhões (fora do teto de gastos, é claro).

Isso fere as contas públicas e deixa o caixa da União menos robusto. Aí, o governo precisa fazer mais dívidas para se financiar. O problema é que com juros altos e uma economia fraca (que gera menos impostos) essa conta fica ainda mais pesada.

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Bom, voltando à Caixa. A partir de 6 de outubro, logo após o primeiro turno, a estatal passou a oferecer um mega desconto para quitação de dívidas com o banco. Pessoas físicas e jurídicas podem ter até 90% de desconto se pagarem o que devem ao banco à vista, até 29 de dezembro deste ano. O programa chamado “Você no Azul” contempla 4 milhões de brasileiros e 396 mil empresas. Segundo a Caixa, mais de 80% deles podem liquidar o que devem por até R$ 1.000.

A medida é bem-vinda – dado que 68 milhões de brasileiros têm dívidas em atraso, segundo o Serasa. Mas seu caráter eleitoreiro é um tanto óbvio.  

Outra benesse recente da Caixa (que entrou em voga em setembro) é o aumento do prazo de pagamento do Casa Verde e Amarela (programa que sucedeu o Minha Casa Minha Vida). De um máximo de 30 anos, agora se pode pagar em até 35 anos. 

A faixa salarial apta ao benefício habitacional também foi ampliada. A menor delas, a partir de R$ 2.400, vai agora até R$ 3 mil. Antes, o teto era R$ 2.600. 

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Mais uma medida do governo foi liberar o “saldo futuro” do FGTS no pagamento de financiamento imobiliário para famílias com renda mensal bruta de até R$ 2.400. Neste caso, os depósitos na conta do fundo de garantia não podem ser sacados pelo trabalhador até a quitação da dívida, mesmo em caso de demissão. E se ele perder o emprego e não tiver saldo no FGTS? Fica com a dívida do mesmo jeito. Trata-se de uma garantia fantasma – tanto que os bancos privados não parecem interessados em oferecer a modalidade, que deve ficar com a caixa.   

Tais medidas têm impacto sobre uma camada da população que, em sua maioria, não vota em Bolsonaro. Segundo o último Datafolha, de 19 de outubro, Lula tem 57% dos votos de quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.424). O rival tem 37%.

Para turbinar o apoio antes do segundo turno, o governo antecipou o pagamento dos benefícios da PEC Kamikaze. O Auxílio Brasil e o vale-gás de outubro foram antecipados em uma semana, se encerrando no dia 25 – um pouco antes do segundo turno, que acontece no dia 30. O calendário de vales para os caminhoneiros e taxistas também foi antecipado. A quarta parcela, que deveria ser liberada no dia 22, foi paga no último dia 18. As demais parcelas foram antecipadas, e agora os beneficiários sabem que receberão uma semana antes; nos dias 19 de novembro e 10 de dezembro.

Combustíveis

Outra ferramenta que o governo Bolsonaro usa a seu favor é a Petrobras. Ele já trocou quatro vezes o presidente da estatal, até que o atual, Caio Mário Paes de Andrade, atendeu seus anseios. 

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A estatal acompanhou a queda do petróleo no início do segundo semestre, reduzindo os valores dos combustíveis. Atualmente, com a recuperação da cotação do óleo, eles se encontram defasados em relação ao mercado internacional. De acordo com a Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), no último dia 19, o preço da gasolina estava, em média, 5% abaixo do que se pratica lá fora.

Não acompanhar as oscilações na cotação do barril de petróleo e do dólar é um risco para as contas da Petrobras, já que os custos da petroleira não ficam defasados, muito pelo contrário. Essa história lembra, inclusive, os prejuízos recordes da companhia entre 2015 e 2016.

Relembre as medidas eleitoreiras de Bolsonaro:

  • Auxílio Brasil de R$ 600;
  • Inclusão de 3 milhões de beneficiários no Auxílio Brasil;
  • Vale-gás de R$ 112;
  • Vale-caminhoneiro de R$ 1.000;
  • Vale-taxista de até R$ 1.000;
  • Consignado Auxílio;
  • Ampliação das faixas do Casa Verde e Amarela;
  • Aumento do prazo máximo do Casa Verde e Amarela para 35 anos;
  • Liberação do FGTS futuro em financiamentos imobiliários;
  • Antecipação do pagamento de benefícios sociais;
  • Pressão sobre o reajuste de combustíveis da Petrobras;
  • Aumento da renegociação de dívidas com a Receita Federal.
  • Aumento do prazo de inscrição no Cadastro Único em 1 mês, até 14/11;
  • Desconto nas dívidas com a receita federal e com a Caixa.
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