Uma breve história dos juros
A economia vem em ondas, como a vida. Veja como foram as idas e vindas das últimas décadas – e o quão importante é o momento pelo qual estamos passando.
A era moderna da economia brasileira nasceu em 1999, com o estabelecimento do “tripé macroeconômico”: metas de inflação + metas fiscais + câmbio livre.
As metas de inflação determinavam que haveria combate às altas do IPCA via juros pesados, mesmo que isso custasse caro à popularidade dos governantes. As metas fiscais colocavam um freio nos gastos públicos (que, se mal administrados, criam inflação). O câmbio livre acabava com a “cotação oficial” do dólar. Dali em diante, o mercado diria quanto o real vale ou deixa de valer, não a política – como acontece na Argentina, por exemplo, com efeitos nefastos.
Não foi um parto simples. O mercado achou que o câmbio livre faria o dólar explodir. Então todo mundo passou a comprar dólar alucinadamente – e aí o dólar explodiu mesmo. A moeda americana saltou 60% em dois meses.
Para conter a alta, o então presidente do BC, Armínio Fraga, elevou a Selic a 45% em março de 1999. Para dar uma ideia, a inflação em 12 meses naquele momento era de apenas 2,2%. Estamos falando num juro real de surrealistas 42,8%.
Mas não havia escolha. Boa parte dessa inflação acumulada tinha vindo em fevereiro (1,05%), justamente por conta da alta do dólar. Se permanecesse nesse patamar, o IPCA terminaria aquele ano acima dos dois dígitos. Terminou em menos ruins 8,94%. No ano seguinte, 5,97%.
Lula assumiria, em 2003, com a Selic ainda em órbita – 25%. E a primeira medida de seu presidente do BC, Henrique Meirelles, foi aumentar a taxa. A ideia era deixar claro para o mercado que o tripé macroeconômico seria mantido, como foi.
Com a poeira assentada, veio uma década de bonança econômica. Lula terminaria seu segundo mandato com inflação em 5,90% e Selic em 10,75%. Juro real de tragáveis 4,85%.
Ao longo do governo Dilma, sem Meirelles e marcado por intervenções da Fazenda sobre a política de juros (com baixas fora de hora), a inflação iria aos dois dígitos. Para apagar o incêndio, a taxa básica teve de subir com força – a 14,25%, patamar no qual ficou entre 2015 e 2016. No governo Temer, Meirelles assumiria novamente o timão da economia, agora no posto de ministro da Fazenda. E com Ilan Goldfajn no BC, retomou os eixos. Ao final de 2018, tínhamos inflação em 3,7% e Selic em 6,5%. Juro real de 2,8%.
Em 2019, já Roberto Campos Neto no BC, o juro real praticamente zeraria – inflação de 4,3% com Selic de 4,5%. Um belo motor para a atividade econômica.
Mas aí veio a pandemia, e o coreto bagunçou. O Copom esperava uma deflação gigantesca, então baixou a Selic a 2%. Mas o IPCA se mostrou resiliente. Em março de 2021, com a Selic ainda em 2%, o índice chegava a 6%. Juro real negativo, em -4%.
Se juro real negativo causa inflação até na Escandinávia, imagina aqui. Em abril de 2022, o IPCA chegaria a 12,1%, mesmo com a Selic já em 11,75%. Os juros, então, seguiram subindo; até o patamar de 13,75%, onde permaneceram por um ano.
Funcionou. A inflação desceu daquele Everest e foi para a praia, ao nível do mar: 3,1%. Graças a isso, o Copom sentiu-se livre para reduzir os juros em 0,50 pp, a 13,25%. E, não menos importante, anunciar que “antevê reduções da mesma magnitude nas próximas reuniões”.
Mesmo com o primeiro corte na Selic, o juro real ainda está em grossos 10% – o maior do mundo. Mas o Copom deixou claro que o fim dessa aberração está próximo.
Grande notícia. Com juros menores, as empresas se tornam potencialmente mais lucrativas – pagam menos por suas dívidas e ganham acesso a capital mais barato. Além disso, a própria bolsa se torna mais atraente, com uma concorrência menos pesada da renda fixa. Mais uma força para a cotação dos papéis.
Ou seja: o início desse ciclo de baixa, que chega firme, é uma ave rara para quem investe. E ela já está voando sobre as nossas cabeças. Veja melhor em nossa reportagem de capa, produzida por Tássia Kastner e Júlia Moura. E entenda como surfar essa nova onda. É só clicar aqui.