Conheça a Moradigna, que surgiu para reformar casas nas periferias
A empresa oferece pacotes de reforma de até R$ 9 mil por cômodo, e conta com parceiras de crédito para que seus clientes possam parcelar o valor.
Os moradores do Jardim Pantanal convivem com o risco de terem suas casas invadidas pela água algumas vezes por ano. Localizada no extremo leste de São Paulo, a comunidade fica às margens do rio Tietê, destino final de parte do esgoto da maior metrópole da América Latina. Quando chove demais, o rio transborda e aquela água tóxica toma conta das ruas da região.
As casas, geralmente de estrutura simples e improvisada, costumam criar mofo e infiltrações como efeito colateral das cheias. Problema que não é só estético, mas de saúde: o excesso de umidade aumenta o risco de problemas respiratórios, como pneumonia e bronquite.
Matheus Cardoso, fundador e proprietário da Moradigna, nasceu e morou no Jardim Pantanal durante 20 anos. Ali, ele próprio enfrentou os desafios de viver no que chama de moradia insalubre – sem revestimento, sem ventilação, sem iluminação natural e com mofo. Por conta disso, juntou-se a projetos sociais para combater problemas de habitação desde a adolescência. Mas parecia faltar algo. “Eu já fazia muito voluntariado e ação de mutirão, mas me incomodava o fato de que não eram soluções perenes”, conta.
Aos 19 anos, cursando a faculdade de engenharia, Matheus conheceu o modelo de negócio dos empreendimentos sociais – um meio-termo entre ONG e empresa tradicional. São empresas porque buscam ter lucro. Mas também têm um pé no terceiro setor, já que sua razão de existir é o combate a um problema social.
Foi desse “momento eureka” que nasceu a Moradigna, empresa de reformas residenciais para comunidades de baixa renda vivendo em condições insalubres. Ela vende pacotes de reforma que variam de R$ 8 mil a R$ 9 mil por cômodo – valor que inclui material, projeto e mão de obra. O foco da reforma é suprir as faltas na estrutura da residência: revestimento, ventilação, sistema hidráulico e elétrico.
Primeiros passos
A Moradigna veio ao mundo em 2015 só com o que Matheus tinha no bolso. E era pouco. “O salário do meu estágio da época era a principal fonte de renda da minha família, contar com um ‘paitrocínio’ não fazia parte da minha realidade”, brinca.
A única investidora-anjo do projeto foi a irmã de Matheus. Investidora involuntária, diga-se: ele pegou o cartão de crédito dela escondido para comprar os materiais de construção da primeira obra da empresa. O pedreiro responsável por botar a mão na massa foi um tio da família. Com o dinheiro da reforma, ele pagou a fatura do cartão da irmã e reinvestiu o resto.
Uma obra depois da outra, o negócio foi tomando corpo. Em 2016, chegou ao Shark Tank Brasil, reality show de empreendedorismo do canal Sony. Ao lado de mais dois sócios (que se juntaram à equipe logo no primeiro ano e deixariam a companhia em 2018), Matheus foi em busca de um investimento de R$ 300 mil em troca de 10% da empresa. O dinheiro serviria para formar capital de giro e acelerar a fila de reformas.
Não rolou. No lugar, os investidores do programa ofereceram um empréstimo do valor, que deveria ser devolvido com correção pelo IPCA. Negócio fechado.
Além desse, a empresa conseguiu outro empréstimo da aceleradora Yunus Negócios Sociais. Mais para a frente, durante a pandemia, recebeu outro financiamento do programa CoVida-20, que fez empréstimos para negócios de impacto social comprometidos pela chegada da Covid.
Reformas express
Até 2020, a empresa tinha loja física, escritório e um galpão para o estoque de material de construção. A pandemia foi uma virada de chave forçada para o negócio, que passou a ser inteiro à distância e sob demanda.
Hoje funciona assim: primeiro, o cliente entra em contato pelo site ou pelas redes sociais solicitando uma avaliação. O atendimento, então, checa as necessidades da pessoa e o perfil da obra – qual ambiente será reformado, as dimensões do cômodo e tipo de acabamento desejado (pintura ou azulejo, por exemplo). A partir dessas informações, a empresa elabora um orçamento.
Depois, vem uma etapa crucial para o desenrolar da obra: buscar quem financie – afinal, é preciso fazer com que algo próximo de R$ 9 mil caibam no orçamento de famílias que recebem não muito mais do que um salário mínimo. A Moradigna poupa os clientes do trabalho de bater na porta das empresas de crédito, uma por uma, para avaliar os empréstimos. Ela própria envia as informações do cliente para suas parceiras: Creditas, BMG, SP Cred, Sicoob e Sicredi. Cada uma delas, então, retorna com sua proposta de taxa de juro e número de parcelas. Fica a cargo do cliente escolher qual funciona melhor.
Aí o proprietário do imóvel fecha com a credora e paga a Moradigna à vista. Assim, a empresa elimina o risco de inadimplência, ao mesmo tempo em que consegue oferecer condições de pagamento factíveis.
Com o dinheiro em caixa, ela contrata mão de obra local e compra o material de construção em suas lojas parceiras – entre elas a Votorantim, de cimentos, Coral, de tintas, Vedacit, de impermeabilizantes, e Amanco, de tubulações hidráulicas.
Com cada uma delas, a empresa fechou acordos que lhe permitem comprar os materiais a preços de atacado. “É como se a Moradigna tivesse a mesma tabela de preço de uma grande construtora. Essa é a concessão que eles fazem”, Matheus explica. Graças à redução de custos dos materiais, eles ganham mais poder competitivo e conseguem reduzir o valor final das reformas.
Com funcionários contratados e material em mãos, é só correr para o abraço: as obras são entregues entre 5 e 7 dias – prazo que faz jus ao nome do pacote, chamado Reforma Express.
Números e planos
Em 2021, a Moradigna chegou a faturar R$ 1 milhão. Para 2022, Matheus diz que o número foi um pouco maior que isso, mas não dá detalhes.
Hoje a equipe conta com sete funcionários administrativos (sem contar a mão de obra direta, como pedreiros e eletricistas, que é contratada sob demanda). Em sete anos de atividade, a empresa finalizou 3.500 reformas – a grande maioria na região metropolitana de São Paulo, além de alguns bairros do Rio, como Bangu e Realengo.
E quer mais, claro. Um levantamento do IBGE apontou que, em 2020, existiam 5,1 milhões de residências em condições precárias espalhadas pelo Brasil. O plano da Moradigna é chegar a mais capitais do país. Para isso, ela implementou um programa de “embaixadores”, que pretende capacitar supervisores de obra locais.
Eles serão responsáveis por gerenciar a contratação dos pedreiros nas obras em outras cidades, enquanto a compra de materiais e solicitação de crédito continuarão centralizadas na equipe administrativa de São Paulo. Que venham mais iniciativas assim.