Eles transformaram o hobby em negócio
Veja alguns casos de gente que passou a faturar com aquilo que era passatempo – e saiba como não cair em roubada se quiser fazer da diversão um trabalho.
Daniela Petroni brincava com quebra-cabeças para relaxar, desde a adolescência. “Sempre foi como uma pausa no meu dia, na qual eu podia me desconectar do mundo.”
A paulistana, hoje com 46 anos, fez carreira na área de produção de eventos. Tem dedo dela nos Jogos Olímpicos do Rio, no Lollapalooza e no São Paulo Fashion Week.
Entre um trabalho e outro, Daniela estava lá montando os seus quebra-cabeças. Mas tinha um problema: ela não gostava daquelas imagens mais comuns. “Só tinha foto de paisagem, de castelo, de gatinho. Não faz muito o meu estilo.”
Em 2016, ela resolveu empreender na sua paixão – e ao mesmo tempo resolver essa dor de só encontrar quebra-cabeças que parecessem fundo de tela do Windows. Foi assim que nasceu a Puzzle Me (um nome bem criativo, diga-se – significa “intrigue-me” ao mesmo tempo em que faz trocadilho com o nome do produto que Daniela vende).
Nos primeiros quatro anos da empresa, ela trabalhou apenas com projetos corporativos. Fez o puzzle-brinde da área vip da turnê Ovo, do Cirque du Soleil, também vendeu alguns quebra-cabeças na loja do Lollapalooza e montou jogos para treinamentos de RH. Nesse período, sua empresa produziu mais de 10 mil unidades.
Em dezembro de 2020, ela decidiu expandir e abriu um e-commerce. A loja tem jogos de 48 ou 500 peças com imagens de Frida Kahlo, mandalas que podem ser coloridas depois de montadas e obras de arte criadas por mulheres – já participaram as ilustradoras Priscila Barbosa e Eva Uviedo. Na loja online, a produção mensal varia entre 300 e 500 unidades.
Ela ainda não abandonou a produção de eventos e divide seu tempo entre a carreira tradicional e a de empreendedora. A decisão está ligada ao fato de que produzir e vender quebra-cabeças é mais complicado do que montar um: trata-se de um produto cuja demanda é restrita a aficionados, afinal, e que se renova pouco agora que as crianças não largam seus tablets, e os adolescentes, seus smartphones.
“Às vezes, a gente confunde o nosso hobby com aquilo que pode ser um negócio. É importante saber se aquilo vai te trazer alguma rentabilidade e que você precisa ter uma outra fonte financeira para se manter durante um tempo, até conquistar espaço no mercado e ter lucro.”
Por definição, hobby é uma atividade que fazemos por prazer, que você passaria horas praticando sem nem mesmo perceber o tempo voar. Bem diferente da sensação do trabalho – algo que, se fosse necessariamente gostoso, não teria herdado seu nome do latim tripalium, que designa um instrumento de tortura.
Não é raro, então, encontrar por aí gente que sonha em transformar seu passatempo em algo rentável. É aquela máxima: trabalhe com o que você ama e nunca mais precisará trabalhar na vida.
Mas, infelizmente, essa é só uma frase de efeito mesmo. “O primeiro passo para trabalhar com o seu hobby é conseguir enxergar aquela atividade como um negócio, e não como uma diversão”, diz Mônica Tracanella, especialista em planejamento de carreira.
Os primeiros passos
Veja, o passatempo favorito da repórter que vos escreve é assistir Os Simpsons. Mas sejamos sinceros: essa não é uma atividade com muitas opções de investimento. Então, talvez seja melhor continuar no jornalismo. Já quem é apaixonado por livros pode trabalhar em uma editora ou abrir uma livraria – um hobby mais promissor do que fruir a obra de Matt Groening.
O ideal é começar com um estudo de mercado para entender se o que você gosta tem potencial para se tornar um trabalho. Nesse estudo, trace o perfil dos clientes em potencial e pesquise sobre possíveis fornecedores, equipamentos necessários, precificação, valor de investimento inicial, concorrentes, custos fixos e variáveis, logística e previsão de faturamento.
Além disso, por mais que você seja bom no seu hobby, o produto ou serviço não pode ser amador. Busque por cursos para melhorar suas habilidades ou que ofereçam conhecimentos que podem te ajudar nos negócios. Por exemplo: se você vai trabalhar com artesanato e já domina todas as técnicas de pintura e colagem, vale estudar um pouco sobre marketing digital para saber vender e se destacar nas redes sociais.
Foi o que fez Marcelo Seara, de 43 anos. O paulistano trabalhava como comerciante: já teve lanchonete, posto de gasolina e há 16 anos estava com um restaurante no bairro de Higienópolis (região central de São Paulo). Por causa da Covid-19, ele precisou fechar o estabelecimento. “Desde 2019, a gente já estava sentindo a crise, tanto que outras lojas e restaurantes da nossa região fecharam, e a gente não aguentou quando chegou a pandemia.”
Acontece que ele tinha uma paixão: a marcenaria. Essa história começou quando Marcelo tinha uns 7 anos. Na época, seus pais estavam construindo a casa da família e o marceneiro produzia e montava os móveis lá na garagem deles mesmo. “Eu chegava da escola e ficava querendo ajudá-lo”, relembra. Além disso, o pai do Marcelo, que é português, trabalhou como carpinteiro na terra natal, antes de vir para o Brasil. Sim, marceneiro e carpinteiro são profissões diferentes. O marceneiro trabalha na fabricação e reparação de móveis, além de outros objetos de decoração. Já o carpinteiro trabalha na construção civil, com produção de portas, janelas, escadas. Ainda assim, a paixão pelo trabalho com madeira está no sangue da família.
O plano ficou guardado na gaveta até maio de 2020. Depois de fechar o restaurante, Marcelo fez alguns cursos online para melhorar suas técnicas – e para aprender a usar programas de desenho de móveis, como o AutoCAD e o SketchUp.
Funcionou. Hoje, ele atende, em média, cinco clientes por mês. A pandemia até deu uma ajuda: a maioria dos projetos são para montar escritórios para os clientes que adotaram o home office. “Não quero voltar para o comércio e estou até pensando em dar aula de marcenaria daqui uns anos.” Mais um jeito de unir o útil àquilo que, para Marcelo, é o agradável.
O poder do networking
Mônica Tracanella destaca que é importante ter contatos com pessoas que já trabalham na nova área em que você pretende atuar – para receber algumas dicas e até conseguir parcerias. “Quando você está envolvido, muitas vezes tem emoção no meio e fica mais difícil conseguir desenhar os seus próximos passos. Ampliar a sua rede de networking vai ajudar nisso e pode trazer perspectivas que você não estava considerando.”
Conversar com outras pessoas foi o que ajudou o curitibano Gabriel Castro, de 35 anos, em maio do ano passado. Ele já trabalhava numa área pouco burocrática: é ator e trapezista. E seu hobby era cozinhar. “Eu morava com dois amigos e a gente sempre tentava fazer alguma coisa diferente, procurava receitas novas e recebia o pessoal para comer em casa.”
Com o isolamento, Gabriel fez como tanta gente que curte um avental e se aventurou na fabricação de pão caseiro – não é à toa que a atividade acabou apelidada como “pãodemia”.
As primeiras fornadas não deram muito certo, ficavam duras ou não cresciam. Gabriel não desistiu, entrou no YouTube e foi lá testar outras receitas até pegar o jeito (também começou a preparar o próprio fermento).
Os pães começaram a ficar bons e ele passou a distribuir para os amigos até que surgiu a ideia de criar uma padaria delivery. E foi aí que entrou o networking: os clientes e conhecidos compartilhavam com ele as suas próprias receitas e pediam sabores diferentes, como pão de mandioca – o que obrigava Gabriel a estar sempre se aperfeiçoando. “Eu não tenho uma formação técnica em gastronomia e muita gente se aproximou para dividir comigo receitas e dicas de empreendedorismo. Recebi orientações de como melhorar a produtividade, por exemplo.”
Gabriel também descobriu um talento para o marketing. A marca que ele criou para vender os pães é sonora, bem-humorada: O Pão que o Viado Amassou.
E aquilo que começou na cozinha de casa com vendas pelo Instagram cresceu. Ele mudou para instalações profissionais, contratou funcionários e, agora, se prepara para abrir uma loja física em Curitiba. Vai ampliar a equipe de 12 para 20 pessoas – todas LGBTQIA+.
Test-drive
Sim, virar a chave na profissão é tentador, e pode ser recompensador. Mas vale sempre pensar duas vezes antes de tomar uma decisão. Afinal, você corre o risco de transformar uma atividade que gosta em uma obrigação que envolve metas e cobranças. Aí o que era diversão acaba em tortura.
Mônica lembra de uma cliente que deixou a carreira no mercado financeiro para realizar um sonho antigo e virar consultora de moda. “Quando começou a nova profissão, ela descobriu que não gostava de fazer as atividades do dia a dia de uma consultora. Moda era, sim, um hobby para ela. Não servia como trabalho.”
Para evitar esse tipo de frustração, a dica é fazer um test-drive. Você pode atender clientes aos finais de semana ou após o expediente para confirmar se leva jeito para o novo trabalho. “É o que a gente chama de ‘prototipagem de carreira’: experimentar uma profissão paralelamente, planejar-se e ter mais certeza dos movimentos que precisa fazer na hora de mudar.”
Foi o que aconteceu com Natasha Hayashi, de 26 anos. Nascida em Campinas (SP), ela sempre gostou de costurar e criar suas próprias roupas. Aos 13 anos, fez um curso de corte e costura, no qual também aprendeu a desenhar roupas. Dois anos depois, fez a sua primeira venda: “eu queria ir para Campos do Jordão, mas minha mãe falou que não ia me dar dinheiro. Então, vendi uma roupa para uma amiga e consegui a quantia para viajar.”
Cursar faculdade de moda parecia algo óbvio, mas não foi esse caminho que Natasha seguiu. Na verdade, por orientação de sua mãe, ela acabou entrando no curso de publicidade e propaganda – afinal, já entendia de moda, ela pensava. Nisso, as roupas ficaram em segundo plano. Natasha se formou e foi trabalhar como assessora de imprensa em uma agência de comunicação. “Eu amava muito o meu trabalho e o que eu fazia. Mas nunca abandonei a costura; em paralelo, continuei produzindo nas horas vagas e vendendo algumas roupas para amigos.”
Em maio do ano passado, ela ficou desempregada e viu aí uma oportunidade de investir numa marca própria de roupas. Mas antes de pegar todo o dinheiro da rescisão e sentar na frente da máquina de costura, ela fez a lição de casa: foi estudar o mercado, fez alguns cursos de gerenciamento e percebeu que fazia mais sentido ter uma marca estilo boutique, com poucas e boas peças, em vez de tentar ganhar no volume.
O projeto saiu do papel em setembro e, por enquanto, a venda é toda online. A coleção é pequena – são oito peças que ficam disponíveis por uns dois meses, até Natasha lançar uma nova coleção. “Por enquanto, quero continuar dessa forma bem artesanal. Assim, posso sentir como está sendo e fazer testes. Mas, em breve, pretendo lançar a loja física.”
E você, tem algum hobby que pode virar negócio?