Lavou, tá novo: conheça a rede de brechós Dig For Fashion
Mariza comprava roupas usadas para revender na garagem de casa. E o negócio de bairro se tornou uma operação de grande porte, com 11 lojas e mais de 200 funcionários. Confira.
o dicionário, garimpar é o ato de procurar, em aluviões e leitos de rio, por metais e pedras preciosas. No mundo dos brechós, a palavra ganha uma conotação similar: é preciso ser bom “garimpeiro” — ou seja, escarafunchar um grande volume de peças — para encontrar as joias raras.
Por isso, comprar de segunda mão geralmente se resume a um jogo de paciência (e a um terror para o cidadão com rinite). Os estabelecimentos acumulam um estoque razoável de peças, que ficam dispostas sem muita coesão ou coerência. É quase como se, para consumir roupas a um preço mais acessível, fosse preciso passar pelo Purgatório da Moda.
Para quem está acostumado com a aventura dos brechós tradicionais, a Dig For Fashion, criada pela paranaense Mariza Oliveira, é uma lufada de ar fresco. A proposta da empresa é tornar a experiência do garimpo de roupas mais palatável — sem pesar a mão na hora dos preços (como acontece em alguns brechós mais gourmetizados).
A rede nasceu em 2019. A história, no entanto, começou bem antes, na garagem da empreendedora.
“A Mari, que compra roupas”
Formada em administração, Mariza e uma amiga trabalhavam em um banco desde a graduação, e, no meio tempo, cultivavam um blog sobre brechós em Maringá (PR), sua cidade natal.
Ambas fizeram uma viagem de lazer aos Estados Unidos em 2014. Com o dólar a R$ 2, as malas voltaram com uma quantidade significativa de roupas novas. “A gente percebeu depois que tinha errado um pouco na dosagem”, ela brinca. Sem armário para tanta peça, a solução foi montar um bazar de garagem.
E foi um sucesso. A partir daí, Mariza decidiu que continuaria a vender roupas de segunda mão, sem largar o emprego no banco.
Para realizar os bazares, ela e a amiga começaram a comprar roupas usadas em Maringá. Mariza conta que, no início, eram peças de seus colegas de trabalho. “Conversei com as pessoas que trabalhavam no banco comigo e muitas tinham roupas das quais queriam desapegar.” Em pouco tempo ela passou a ser conhecida na cidade como a “Mari, que compra roupas”.
O projeto era amador. “As peças ficavam na garagem, o provador era o banheiro de casa. Meu pai controlava a entrada, minha mãe me ajudava com a clientela, o namorado da minha sócia na época, que sempre foi bom com finanças, era o caixa”, relembra.
Foram mais cinco bazares de garagem até o negócio virar CNPJ, em 2017. Foi preciso R$ 150 mil iniciais para transformar os bazares em algo permanente. E assim nasceu a marca Dig For Fashion.
Mas o modelo de negócio atual (do qual falaremos melhor adiante) ainda não estava consolidado. O que acontecia eram bazares em espaços temporários, de um fim de semana. Mariza acumulava uma quantidade de produtos, promovia sua feirinha, então esperava três a quatro meses para reabastecer o estoque e promover outro. Eles ocorreram nesse molde de 2017 a 2019, e atraíram mais de 5 mil pessoas.
No começo de 2019, ela sentiu que dava para abrir um ponto fixo, e alugou um espaço em frente ao Parque do Ingá, em Maringá. Era a primeira loja oficial da Dig.
Nessa época, Mariza continuava trabalhando no banco — a empresa, portanto, era uma fonte secundária de renda. A meta era conseguir em torno de R$ 5 mil por mês; o suficiente para pagar o aluguel e os seis funcionários que empregava: um que etiquetava as peças e outros cinco que iam às casas da região comprando peças de desapego, para revendê-las nos bazares.
Dois meses depois, a loja tinha faturado R$ 9 mil. Em junho, quatro meses depois, R$ 11 mil — mais que o dobro do esperado. Em outubro, Mariza percebeu que conseguiria viver apenas com a Dig for Fashion e, após 5 anos de dupla jornada, saiu do banco para focar totalmente no empreendimento.
E a pandemia?
No começo de 2020, ela abriu a segunda loja — em Ponta Grossa (PR). Então veio o período de lockdowns, mas o negócio sobreviveu bem. Em parte porque o mercado de brechós se expandiu durante a pandemia. Entre o primeiro semestre de 2020 e 2021, houve um crescimento de quase 50% na abertura de estabelecimentos que comercializam produtos de segunda mão, de acordo com um levantamento do Sebrae com base em dados da Receita Federal – provavelmente por conta do aumento do desemprego à época.
Não foi só a oferta que aumentou. Segundo outra pesquisa, realizada pelo Google Trends, as buscas por peças de segunda mão na internet cresceram 572% no Brasil entre 2019 e 2022. Natural para um momento de crise econômica. Mas o Google mesmo detectou outro fator: boa parte dos entrevistados afirmou que comprava roupas usadas também por conta da sustentabilidade (o reaproveitamento pode diminuir a produção de itens novos, que como qualquer outra atividade industrial emite carbono).
Seja como for, Mariza acredita que a Dig passou bem pela pandemia por conta da proximidade com a clientela. Por exemplo: nos períodos de lockdown, a loja oferecia aos clientes a possibilidade de preencher um formulário online com as peças que gostaria de experimentar. Então os funcionários separavam e enviavam para a casa da pessoa, que podia provar e escolher se queria mesmo os produtos. “Foi muito caseiro. A gente foi se virando como podia e, a partir daí, expandindo a marca. Abrimos três lojas durante a pandemia”, diz Mariza.
Uma delas foi a de Curitiba, em junho de 2021. Ela conta que a loja foi um divisor de águas: “Nós abrimos com oito funcionários [as lojas usualmente tinham cinco]. Com dois meses, já tínhamos 20 pessoas trabalhando conosco, porque o hype foi muito grande”, diz.
Na época, sua sócia deixou a operação, e a empresária percebeu que, pela proporção que o negócio havia tomado, não tinha mais como administrar as coisas sozinha. “Eu estava grávida e vi que não conseguia mais cuidar de todas as etapas do processo. Foi aí que eu contratei, aos poucos, uma equipe de marketing, de RH e financeira.”
Com tudo devidamente estruturado, Mariza consolidou a expansão da marca. Depois de Curitiba, a empresa abriu lojas em Santa Catarina — Joinville e Blumenau — e em São Paulo — Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e duas na capital (Rua Augusta e Vila Madalena). Com 11 lojas, a Dig, que começou na garagem da casa de Mariza, emprega hoje mais de 200 funcionários.
Inteligência logística
Todas as roupas vendidas na Dig são compradas nas próprias lojas da Dig. Os vendedores passam por um treinamento para identificar as peças e fazer ofertas, que podem ser em dinheiro ou em vouchers a serem utilizados na loja. Caso haja alguma avaria reparável, a Dig resolve.
As peças são adquiridas por um custo médio de R$ 8,50, e vendidas, em média, a R$ 32,50. Em outubro deste ano, a loja da Augusta vendeu 7,8 mil roupas e comprou 11,2 mil, o que daria um lucro bruto próximo de R$ 160 mil naquele mês para a unidade. Mas Mariza explica que o cálculo não é tão simples: 40% do valor que entra é na forma de vouchers da Dig; aí o que temos na prática é uma troca de produtos. A marca também tem uma forte proposta social: todo mês doa cerca de 8 mil peças para 40 entidades beneficentes.
Um dos segredos do sucesso ali é a inteligência logística — incomum no mundo dos brechós tradicionais. Por exemplo: se as temperaturas no Paraná estiverem bem mais baixas que em São Paulo, casacos e outras peças de frio são remanejadas para as lojas de Curitiba, Londrina e Ponta Grossa.
Quando a capital paulista está em temporada de shows, a loja na Augusta ganha um estoque de peças mais festivas, adequadas para esse tipo de evento. A ideia é que cada espaço da Dig tenha um acervo personalizado e atualizado conforme as tendências, eventos e clima de cada região. Para lubrificar as engrenagens logísticas, a empresa mantém dois centros de distribuição no Paraná. Juntos, eles têm capacidade para 100 mil peças.
Para o futuro
Em 2023, a loja atingiu seu primeiro faturamento na casa dos R$ 10 milhões. E no ano que vem pretende dobrar o número de lojas — das atuais 11 para 22.
Mesmo com a expansão acelerada, Mariza não tem planos de tornar a Dig for Fashion uma franquia. “Como um brechó, seria impossível manter a nossa rotatividade operando dessa forma”, diz.
No ano passado, a empresa abriu um e-commerce, que avança aos poucos. Mariza explica que é mais difícil competir com as gigantes do fast-fashion nesse ambiente, mas que as vendas online funcionam como um complemento ao negócio físico, o carro-chefe da marca.
A empreendedora de Maringá é ambiciosa. Naquela viagem aos Estados Unidos, em 2014, Mariza conheceu uma rede de brechós que virou referência para seu negócio (a Buffalo Exchange). “Eles inspiraram muito a marca, e têm 64 lojas. Então meu sonho é ter 70!” Talvez não demore.