O guia das franquias
Adquirir uma fatia de alguma marca consolidada parece a opção mais light para empreender. Não é bem assim. Entenda as exigências do franchising, conheça histórias de franqueados, e veja as opções para cada bolso.
Nesta era em que o mantra é pensar fora da caixa, a ideia de empreender abrindo uma franquia parece anacrônica. Só parece. O setor de franquias fechou o primeiro semestre de 2023 com um faturamento de R$ 105 bilhões – alta de 15% ante o mesmo período de 2022.
O desempenho surpreendeu até a Associação Brasileira de Franchising (ABF), responsável pelo dado. “A projeção para o semestre era de um crescimento entre 9% e 12%”, diz Tom Moreira Leite, presidente da ABF. Todos os segmentos registraram expansão.
A confiança no setor segue firme. Atualmente, as 3 mil redes (franquias) se dividem em quase 189 mil operações (unidades). E a projeção é que esses números cresçam, respectivamente, 4% e 10%.
De acordo com a ABF, o retorno sobre o investimento numa franquia ocorre, na média, em 18 meses – embora haja casos em que o payback leve pelo menos o dobro do tempo. Já o rendimento médio da franquia é de 23% sobre o faturamento, contra 18% dos negócios familiares.
Ok. Mas quais são os cuidados na hora de empreender com uma franquia? Qual é o capital necessário? E por onde começar?
Vamos lá. Se você se interessou por uma marca, a primeira tarefa é analisar com olhos de lupa a COF (Circular de Oferta de Franquia). Trata-se de um documento que expõe tudo o que se espera da relação entre franqueador e franqueado. Ali constam informações elementares, como surgimento da empresa, desenvolvimento da franquia, modelo de reprodução e informações de franqueados e ex-franqueados.
Faça uma checagem minuciosa, sem pressa. Converse com outros franqueados. Certifique-se de como funciona a relação com a franqueadora. Há casos em que ela oferece uma espécie de test drive: permite ao aspirante a franqueado acompanhar in loco a rotina de outras unidades. A cautela se justifica: “Franqueadores sérios não querem pessoas despreparadas, até porque é desgastante ser obrigado a desfazer o contrato e mandar a pessoa embora da rede”, diz Maurício Morgado, coordenador do Centro de Estudos em Excelência em Varejo, da FGV.
O melhor dos mundos é quando as duas partes já têm uma relação anterior. Antes de se tornar franqueado da Minds Idiomas, em Petrópolis (RJ), Felipe Almeida foi aluno e funcionário da escola de inglês. Em outubro de 2021, foi convidado a assumir a franquia na serra fluminense.
A Minds aceitou adiar e parcelar o investimento inicial de R$ 69 mil – valor que incluía taxa de franquia e uma capacitação na sede administrativa em Maringá (PR), além do acesso aos módulos de aprendizagem e ao sistema de gestão da empresa. “Como não nasci em berço de ouro, não tinha esse dinheiro todo. Me deram isenção de seis meses para que eu pudesse respirar. Hoje, não tenho pendências com eles.”
Almeida ainda abriu uma exceção na rede de 68 unidades da escola: instalou a franquia em um coworking. Foi uma decisão estratégica para diminuir custos com aluguel, água e luz, além de funcionários de recepção e limpeza.
Deu certo. Ele começou com 13 alunos e agora tem 104. No ano passado, sua franquia foi a que mais se expandiu entre todas da rede – transformando-se em um projeto-piloto da Minds Idiomas, que já estuda adotar o formato coworking em outras unidades.
Taxas e royalties
Ao firmar a parceria, você paga ao franqueador uma taxa de adesão à rede. O valor é estabelecido na COF, bem como o custo de implantação. Mas é preciso entender que os valores da COF são apenas estimativas.
No caso de uma loja ou ponto físico, o empreendedor tem de prever gastos com aluguel e implantação, aquisição de equipamentos e mobiliário, além de contratação de funcionários, se for o caso. Também fica estabelecida uma previsão de faturamento, necessidade de capital de giro e de prazo de retorno do investimento inicial. Após esse primeiro aporte, o franqueado pagará royalties mensais sobre o faturamento.
Exemplo prático: Salma Ribeiro é franqueada da Mary Help, uma rede de intermediação de serviços de faxinas em residências e empresas, na cidade de São José do Rio Preto (SP). O investimento inicial era de R$ 35 mil, mas depois Salma se deu conta de que gastaria mais com a montagem do escritório – para atender aos padrões exigidos pela franqueadora. No fim, o investimento foi de R$ 50 mil.
A franqueada gerencia o trabalho de aproximadamente 100 diaristas, e tem duas funcionárias na área administrativa. Além dos royalties mensais, que podem chegar a 1,5 salário mínimo, ela paga uma taxa para gastos de publicidade e marketing, rateada entre os demais franqueados da rede – praxe no setor.
Também é comum que esse aporte em marketing necessite de complementação. “Invisto uma quantia adicional em marketing de conteúdo, com foco em blog e redes sociais”, diz Salma.
Na dose certa
“Para dar certo em franquia, a pessoa tem de ser empreendedora, mas não demais. Iniciativa em excesso atrapalha”, diz Maurício Morgado, da FGV. Claro: é preciso seguir as regras do franqueador, que tem uma marca a zelar – e certamente muito orgulho do caminho que ela traçou para chegar até ali.
Mas há ocasiões em que é preciso uma certa dose de audácia. Foi o caso de Leandra Bisi Priante. Após trabalhar por 15 anos como representante comercial de uma multinacional calçadista, ela viajou de Belém, onde mora, até São Paulo com a ideia de abrir uma franquia da 5àsec, uma das maiores redes de lavanderias do mundo, no Pará. Recebeu uma resposta negativa sob a justificativa de que não havia um projeto de expansão da rede no Norte do país.
Não satisfeita, Leandra foi atrás de algo que fizesse os executivos da 5àsec mudarem de ideia. E saiu da caixa. “Descobri que nenhuma lavandeira em Belém – aliás, nem no Brasil – operava com drive thru.”
Após se colocar à espreita para estudar a operação do sistema de atendimento do McDonald’s, ela pegou o avião de novo para propor a inovação à franqueadora. E desta vez a 5àsec aceitou. Hoje, Leandra é multifranqueada: está à frente de 11 operações da 5àsec nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Cabe lembrar que um multifranqueado possui e opera diretamente as suas franquias, o que é diferente de um master-franqueado. Isso já equivale a virar sócio da marca. O master administra outros franqueados e recebe royalties. Exemplos de master-franqueados no Brasil incluem Grupo SEB (da rede de escolas Maple Bear), a Zamp (Burger King – ZAMP3), e a Arcos Dorados (McDonald’s). Um caso célebre, mas pelo lado negativo, é o da SouthRock. Ela montou um portfólio robusto no Brasil, com Subway e Starbucks, entre outras marcas. O controle da Starbucks era conduzido por licença de marca – sem franquia, no qual a empresa é a responsável direta por todas as unidades. O da Subway, como master-fraqueado.
Em novembro, a empresa surpreendeu o mercado com um pedido de recuperação judicial. As dívidas chegam a R$ 1,8 bilhão. As operações da Subway não constavam na RJ, mas a matriz americana encerrou o contrato com a SouthRock e informou que irá reassumir a operação local – pelo menos até encontrar um novo controlador.
Se um cachorro grande como a SouthRock pode quebrar, vale o mesmo para os pequenos, claro. “Ninguém está imune à desaceleração de um determinado segmento de mercado. E o insucesso também pode vir pela má gestão”, diz Karen Sitta, analista da unidade de competitividade do Sebrae.
Para diminuir os riscos, é preciso verificar se a região apresenta demanda para o produto ou serviço planejado. Iniciar a operação com o capital de giro necessário é outro cuidado, sobretudo ao empreendedor que optou por uma linha de financiamento. Pedir socorro aos bancos para complementar o capital de giro só faz com que as dívidas aumentem em um ritmo perigoso para a saúde do negócio.
“Não é que a franquia isente a gente de errar, mas com ela a tendência é errar menos”, ameniza Leda Saboia, fonoaudióloga que investiu R$ 24 mil para aderir à rede da Acuidar, intermediadora de serviços de cuidadores de idosos. Ela começou uma franquia no formato home based (trabalhando de casa) até se sentir segura para abrir o escritório no bairro Aldeota, em Fortaleza. Recentemente, Leda expandiu as atividades para a cidade vizinha de Eusébio, na região metropolitana da capital cearense.
Sem moleza
Escolhido o negócio, é hora da qualificação. É preciso técnica para interpretar relatórios e avaliar indicadores de gestão, como volume de investimentos, tempo de retorno e margens de lucro. “Conheço gente que investiu todas as reservas financeiras e o negócio não deu certo simplesmente porque a pessoa não entendia absolutamente nada daquele mercado”, diz Leila Toledo, coordenadora do curso de Gestão Estratégica de Franquias da PUC-Rio.
Daniel Rocha do Nascimento sabia desse risco quando pediu demissão de um banco para investir em uma franquia da Peça Rara Brechó, em Belém, junto com a esposa. “É preciso procurar as informações com quem sabe”, afirma. Ele elogia o suporte técnico e logístico da franqueadora. “A Peça Rara pega a sua mão e ajuda a ingressar em um mundo que, para você, é totalmente desconhecido do ponto de vista técnico. Isso dá uma segurança muito grande para o franqueado.”
“Se falta conhecimento, a pessoa pode adquiri-lo, desde que esteja disposta a isso”, reforça Renato Hinnig, franqueado da Beelieve Business, startup voltada para o marketing digital de PMEs, em Florianópolis. “Basta ter tempo e dedicação, como em qualquer trabalho.”
Além de contar com a ajuda da empresa franqueadora, é possível buscar capacitação e atualização em projetos de educação empreendedora, como o Portal Parceria Sebrae ABF, que lançou uma trilha com oito cursos online, 100% gratuitos para franqueados. No total, são 36 horas de capacitação, com prazo de 45 dias para conclusão.
Talvez a lição mais importante seja a seguinte: abrir uma franquia não é sinônimo de reduzir a carga de trabalho, como muita gente pensa. “É um engano fatal. Na verdade, vai trabalhar muito mais, principalmente no começo da operação”, diz Leila Toledo,da PUC-Rio.
Não dá para encarar a atividade como opção secundária de renda. “Se a pessoa não cair de cabeça no negócio, pensando apenas em complementar a renda mensal de uma aposentadoria ou coisa que o valha, dificilmente vai dar certo”, diz Morgado, da FGV. E arremata: “Franqueadores querem pessoas envolvidas dos pés à cabeça.” Pois é: ao optar pela relativa segurança de abrir uma franquia, você contrata um patrão. Não existe prosperidade grátis.
Quanto custa uma franquia
- Até R$ 10 mil
Nessa faixa de investimento, as opções geralmente se limitam ao home based – trabalhar de casa. A rede de cosméticos Bellaza, por exemplo, sugere investimentos preliminares a partir de R$ 9 mil para quem quiser divulgar e vender seus artigos pela internet. A empresa se responsabiliza pela entrega dos produtos aos clientes. Já a rede de lavagem de veículos DryWash aceita franqueados a partir de R$ 4.250 e oferece capacitação em lojas-escolas.
- Até R$ 135 mil
Este é o teto da ABF para as chamadas microfranquias. Há opções de quiosques, containers e pequenas lojas de rua nessa faixa. O formato store-in-store, por exemplo, inclui cafeterias que operam em livrarias e quiosques de açaí em academias de ginástica. É uma tentativa de otimizar a operação e diluir os custos, que passam a ser compartilhados pelas duas operações. Além disso, uma empresa se beneficia do volume de clientes da outra. Com R$ 115 mil, é possível instalar uma franquia da Noir Chocolates em quiosques.
- Até R$ 500 mil
A ótica QÓculos acena com investimentos de R$ 190 mil, mesmo valor exigido pela Amiste (franquia de locação e venda de máquinas de café). Subindo alguns degraus, a rede de suplementos e produtos naturais Bio Mundo estipula R$ 415 mil. A Locexpress, serviço de locação de equipamentos para a construção civil, fala em R$ 490 mil. Para a Bread King (indústria de pães, doces e salgados congelados), o aporte é de R$ 500 mil.
- Até R$ 1 milhão (e além) com apoio do Senai.
Abrir uma unidade do Gendai, a rede de fast food de comida japonesa, exige R$ 800 mil – patamar um pouco inferior ao de uma franquia da casa de repouso Terça da Serra (R$ 858 mil). A partir de R$ 1 milhão, é possível considerar uma franquia da Pizza Hut ou do Bob’s, ou de uma loja de móveis planejados da Todeschini. Aliás, R$ 1 milhão é o volume de investimentos necessários para fincar âncora em shopping centers de regiões menos nobres das capitais. Nos shoppings mais disputados, o valor pode chegar a R$ 2 milhões.