Olivier Anquier conta por que levou 20 anos para lançar rede de franquias
O chef de cozinha, padeiro e apresentador de TV revela quais foram os principais obstáculos da sua carreira empreendedora
Olivier Noel Christian Anquier, de 60 anos, nasceu em Paris e por duas décadas viveu lá, até que se mudou para o Brasil, onde ficou conhecido como Olivier Anquier. Naturalizado brasileiro há 12 anos, em 2019, o francês completou 40 no país. Famoso pela sua participação no reality show Bake Off Brasil: Mão na Massa, da emissora de TV SBT, o multifacetado padeiro teve uma breve carreira de modelo, até que em 1994 optou por se dedicar a outras atribuições profissionais, como a de empresário.
Dono de três restaurantes e duas padarias em São Paulo – duas unidades do L’Entrecôte d’Olivier, especializado em um prato único, o contrafilé com fritas, o Esther Rooftop, na cobertura do edifício tombado de mesmo nome, na Praça da República, além de duas unidades da padaria Mundo Pão do Olivier, uma no térreo do restaurante Esther e a outra, recém-inaugurada, na Vila Nova Conceição.
Muito orgulhoso do seu título de padeiro, profissão tradicional da sua família, Olivier planeja a aventura de abertura de franquias da sua Mundo Pão, sendo esta última inauguração uma unidade teste, desafio para sua carreira gastronômica e empreendedora – e é sobre isso que falou nesta entrevista exclusiva à VOCÊ S/A.
Qual o novo conceito da Mundo Pão do Olivier que a diferencia de outras padarias?
São três questões. A primeira é que esse novo conceito é moderno visualmente, mas não presunçoso. A ideia é que as pessoas se sintam à vontade para consumir, descobrir novos produtos, sabores, levar para casa. Tudo que é propriedade de uma padaria: um lugar para voltar sempre, várias vezes durante a semana.
Segundo é que derrubei duas barreiras que existem nas padarias tradicionais. O balcão e o atendente. Isso muda tudo, é muito impressionante.
O que muda?
Tem a questão da compra por impulso, em que o consumidor vai fazer a descoberta. Há uma vontade de diversificar os seus costumes. Se estabelece um contato direto, uma relação com o pão como com uma joia: você vê e tem vontade de comprar. A diferença é que o pão você pode comprar, a joia nem sempre.
E o último ponto do conceito, qual é?
A padronização dos produtos. Tenho mais de 20 anos de panificação no Brasil e nunca fiz isso antes porque um dos produtos mais difíceis de replicar é o pão.
Como resolveu?
Há quatro décadas minha mãe desenvolveu uma técnica de panificação que é o pão de fermentação em 72 horas, é possível conservá-lo congelado sem perder suas propriedades e replicar a técnica com perfeição. O problema era que, após as 72 horas de fermentação, não dá para manusear a massa com as mãos, ela se desfaz.
Tive que criar uma máquina que cortasse o pão sem quebrar suas fibras. Ela fica na minha fábrica, em Perdizes, permite que eu tenha um produto padronizado, com frescor e qualidade em qualquer uma das unidades. Isso torna o conceito da Mundo Pão único.
A criação de uma máquina é algo bastante avançado. Como empreendedor já teve outros empecilhos que precisou resolver com inovações?
Sim. Quando, em 1994, eu decidi que ia levantar a bandeira familiar da panificação, às pessoas diziam que eu estava louco, que no Brasil não tinha matéria-prima de qualidade, que não tinha mão de obra, que os consumidores não aprovariam meu produto. Mas eu precisava da estabilidade financeira para cuidar da minha filha, então estava decidido e me provei como empreendedor.
Como fez isso?
Solucionando cada um dos problemas que apontaram. O primeiro foi a matéria-prima. Eu precisava testar as farinhas para escolher a de melhor qualidade, então durante meses recebi pelo correio pacotes de moinhos brasileiros. Mas não era um quilo de farinha, eram pacotes de cinco quilos de cada produtor. Fiz pães com todos eles. Com minhas mãos eu preparava, no forno da minha cozinha eu assava e as cobaias na experimentação eram meus vizinhos cariocas, à época eu morava no Rio de Janeiro. Isso foi fundamental para eu entender as preferências brasileiras.
São muito diferentes os gostos brasileiros dos franceses?
Totalmente. O francês quando vai na padaria escolhe o pão bem torrado, chega em casa tira o miolo e come a casca; já o brasileiro escolhe o pão mais claro, e quando chegar em casa vai tirar a casca para comer o miolo. São completamente diferentes.
Tinha dias que eu fazia exatamente do jeito que eu queria, bem no estilo francês. Quando eu distribuía, no dia seguinte esperava na entrada do prédio os comentários e eram ‘que pão foi aquele de ontem? Estava queimado, duro como uma pedra. Nosso pão não é assim’. Aí eu comecei a entender como era distante a maneira de se relacionar com pão do brasileiro. Percebi que tinha que adaptar minhas receitas para os clientes que iriam consumi-lo. Foram seis meses selecionando as farinhas e aprimorando as técnicas.
Tudo isso você fez sozinho?
Sim. Padeiro é minha profissão. Domino a manipulação da massa, a fraqueza da farinha eu compenso com minha sabedoria técnica. Isso é ser profissional, não é simplesmente não fazer porque a matéria-prima é isso ou aquilo. E foi isso que passei para meus profissionais.
Então solucionou a questão da mão de obra treinando seus funcionários?
Fiz mais do que isso, eu formei a minha equipe. Me mudei para São Paulo para abrir a padaria. Escolhi um ponto em Higienópolis, atrás do cemitério da Consolação e com mais alguns ajudantes, por sete meses reformamos a casa. Quando terminamos e eu precisava passar para dentro, fazer a padaria em si, eu me perguntava quem contratar. Pensei ‘tenho o conhecimento, então eu vou ensinar’.
Foi assim que eu cheguei no Claudinei (um dos ajudantes de pedreiro que ajudou na reforma) e perguntei ‘você quer que eu te ensine uma profissão? ’. Ele tinha 14 anos de idade, hoje tem 40. É meu chefe de produção, está aqui, na fábrica, fica rodando pelas lojas para padronizar e fazer a formação das equipes.
Além do Claudinei, quantos funcionários formou?
Na fábrica, dois terços vêm dessa época, de 1994, por aí. No mínimo, eles têm 18 anos comigo, fora pouquíssimos novatos com uns dois anos de casa. Esse é meu patrimônio.
No Brasil, a formação profissional é muito defasada, mas a partir do momento que você dá respeito, atenção, consistência e tem sinceridade naquilo que ensina, brota talento. A qualidade da relação que eu instalei com a minha equipe vem disso.
Se eu fui a primeira padaria especializada, com produtos diversos, hoje tem multinacionais de panificações, boutique de pães, todos loucos para roubar meu pessoal, isso faz parte do esporte empresarial, mas nunca perdi nenhum deles, por quê? Pela qualidade de relação estabelecida.
Só falta então o desafio do consumidor.
O que me ajudou muito e eu seria ingrato em não reconhecer, foi o fato de à época, eu estar casado com a atriz Débora Bloch. Essa ficção que virou realidade da atriz que casou com o Padeiro, quando a imagem do padeiro era um português com caneta BIC na orelha e cabelo branco, virou polêmica. Se eu fosse só o Olivier Anquier teria demorado muito mais tempo, o fato de ser marido da Débora virou notícia, criou curiosidade.
Sua trajetória foi marcada por muitos aprendizados. Quais os maiores erros que se pode cometer nesse processo?
O erro é o mesmo aqui ou em Paris. O problema é que as pessoas acham que uma exceção é uma generalidade. Que o que aconteceu com um, vai acontecer com o outro. Isso é um grande erro.
É preciso entender que o conhecimento não se limita a saber fazer um pão e olha lá se sabe fazer. Tem que dominar o todo, é fundamental. Qualquer negócio que se queira fazer na vida, precisa ter consistência. Não é disso que falei até agora? Todos os detalhes? É isso.
O que indica para quem está querendo se aventurar no empreendedorismo?
Quando comecei minha padaria, lá em 1994, o consumidor brasileiro não tinha noção do que era pão, além do francês tradicional. Tive que adaptar minhas receitas a maneira de se relacionar o cliente brasileiro. Qual é o trabalho do empresário? O segredo? É isso, é ajudar sua clientela a evoluir.
Educar os clientes a apreciar o produto perfeito, é nosso trabalho de empresário. Por que estou firme e forte até hoje? 25 anos depois, quando tem milhões na panificação, milhões de chefes na televisão? Porque eu sempre soube evoluir. Sempre trabalhei entendendo o que estava acontecendo na sociedade, naquele exato momento, para fazer evoluir meu negócio e oferecer o que as pessoas precisam. Uma análise comportamental constante.
Não me acomodar. É esse o segredo.
O que é necessário para ter uma franquia Mundo Pão do Olivier?
Foram muitos interessados que me procuraram com dinheiro e interesse em abrir uma unidade, mas eu tenho uma condição que não abro mão, independente dos recursos ou de influência: ter um sócio operador.
Um sócio que fique dentro da Mundo Pão, em contato com os funcionários, com os clientes e com o negócio, que gerencie e esteja presente. Essa é minha condição.