Visão de Sucesso: conheça a Zerezes, marca descoladíssima de óculos
A Zerezes começou em 2011, como um projeto de faculdade. Doze anos depois, a marca chegou a um faturamento anual de R$ 35 milhões, com 13 lojas físicas.
abe a música do Paralamas do Sucesso que diz: “as meninas do Leblon não olham mais pra mim, eu uso óculos”? Então. Foi difícil não se lembrar dela no papo com Rodrigo Latini, Hugo Galindo e Luiz Rocha. Os três usam óculos, mas todo mundo tem olhado para eles. Mais especificamente, para a marca que eles gerem, a Zerezes – que produz óculos descolados e caiu no gosto dos Lebloners e seus congêneres Brasil afora.
Menina do Rio, a marca nasceu como um projeto de faculdade em 2011. Hugo, Luiz e outros dois amigos estudavam design na PUC carioca. Tiveram a ideia de criar um produto diferente, feito a partir de materiais reaproveitados, implementando o que tinham aprendido no curso.
Essa pegada ecológica é o que diferenciava a marca: os óculos de sol eram feitos de madeira reciclada. Eles tinham um arranjo produtivo local: a matéria-prima era retirada de canteiros de obras e das ruas da Zona Portuária da cidade. Nas hastes do produto, cada peça vinha gravada com o nome do lugar onde a madeira foi encontrada.
Hugo explica que a marca não teve investimento inicial externo. Tanto que a produção na época era pequena: cerca de 30 óculos ao mês, majoritariamente feitos no laboratório de prototipagem da PUC-Rio, sustentadas a partir das parcerias locais. A chavinha virou em 2014, quando a Farm, badalada rede de lojas de moda, fez uma encomenda de 150 modelos. Uma parte da grana veio antecipada: e foi aí que a Zerezes alavancou.
Expansão consciente
Rodrigo, atual CEO da marca, entrou no projeto em 2016. Desde o laboratório da PUC, muita coisa tinha mudado. Depois de uma feira de ecodesign em Milão e três pop-up stores — em português claro, lojas físicas abertas temporariamente — a marca estava com uma loja em um shopping na Zona Sul do Rio. O espaço, apesar de ser permanente, era compartilhado com uma empresa de calçados, a Odde.
Naquele ano, o cenário estava embaçado para as óticas brasileiras. Dados da Abióptica mostram que mais de 3 mil pontos de venda foram fechados entre 2014 e 2016, e a queda anual no faturamento tinha batido os 23%, na esteira da recessão econômica que marcou o período. Mas a Zerezes estava indo na contramão do mercado: crescia de maneira sólida. Em 2016, obteve sua primeira receita de R$ 1 milhão.
Mas para seguir o voo duas questões precisavam ser resolvidas. “A gente tinha a visão de que a madeira, que tinha dado grande proporção para a empresa, era algo temporal de moda. Ela não poderia se perpetuar como nosso principal produto”, explica. A segunda questão era de modelo de negócio: a marca precisava definir qual seria o canal para focar sua expansão.
A solução foi ampliar a linha de produtos e abrir uma loja exclusiva, que vendesse apenas itens da marca. Além disso, decidiram embarcar em um pedido antigo da clientela, e começaram a desenhar um projeto para a venda de óculos de grau.
Os rapazes passaram um ano estudando esse mercado. Enquanto decifravam as complexidades do setor, inauguraram a primeira loja da Zerezes, em 2017, no centro do Rio – já com modelos de óculos de grau. Os resultados positivos levaram os sócios a perceber o ponto forte da marca: canais físicos próprios de venda.
Isso incentivou Hugo, Luiz e Rodrigo a sonhar com outra loja na capital carioca. Para torná-la realidade, rolou o que chamamos de investimento FFF — family, friends and fools, uma brincadeirinha que se refere ao investimento apoiado por familiares, amigos e amigos dos amigos. Dez amigos aportaram cerca de R$ 200 mil: e ali nasceu a segunda loja da marca em 2018, no shopping Leblon (salve, Paralamas!).
Como Rodrigo explicou, o mercado de grau ainda não estava 100% claro para a marca quando as vendas começaram. Portanto, eles continuaram operando de acordo com o modelo tradicional.
Funciona da seguinte forma: as marcas do mercado geralmente vendem seus produtos por meio das óticas — que ficam responsáveis por fornecer a lente. Essa brincadeira sai mais custosa para o cliente: além de pagar pelo modelo, você também precisa arcar com um valor à parte pela lente.
Em um primeiro momento, a Zerezes vendia os produtos próprios, em loja própria, mas com lente de fornecedores externos. Isso aumentava o preço dos óculos, e começou a incomodar os sócios. “Os vendedores que contratamos de óticas comemoravam quando faziam uma venda cara. Mas será que o cliente realmente precisava daquela lente? Começamos a ver que não acreditamos nisso”, explica o CEO.
Na época, as lentes representavam 30% do faturamento nas lojas. Mas eles decidiram que poderiam pensar em um modelo mais em conta para o consumidor. Por isso, em 2019, começaram a montar um novo projeto, buscando oferecer lentes de fabricação própria, embutidas no preço dos óculos.
“Até dói chamar de ótica”
Ainda na categoria de músicas ópticas, em 1973, Raul Seixas cantava na clássica Como Vovó Já Dizia: “Quem não tem visão, bate a cara contra o muro”.
É nesse muro que os meninos esbarraram em 2019. Observando a indústria, concluíram que os óculos de grau são vistos (e vendidos) muito mais como um aparelho auditivo do que como um artigo de moda. Além dos preços elevados, a própria infraestrutura das lojas, com luzes brancas e atendentes de jaleco, se assemelha à experiência de ir ao médico. A Zerezes, eles imaginavam, poderia oferecer muito mais do que isso.
“A gente via um potencial muito grande de moda, expressão e identidade naquele produto”, diz Rodrigo. A decisão foi de redesenhar a forma como as pessoas compravam e se relacionavam com os óculos — escalar esse muro, nas palavras de Raul Seixas.
A ideia era relançar a marca no começo de 2020, o que foi postergado pela pandemia. O relançamento veio no final do ano, com lentes próprias e novos modelos, voltados para todos os tipos de rosto (atualmente, são 82, com preços que variam de R$ 445 a R$ 645), e uma experiência mais imersiva na hora da compra (com investimento na arquitetura das lojas). Tudo isso resumido no atual slogan da marca: “Até dói chamar de ótica”.
A marca também decidiu expandir o olhar social e, em 2021, começou um programa de doação: a cada 10 óculos vendidos, um é doado para crianças em idade escolar no Brasil.
Em agosto e novembro do mesmo ano, a empresa carioca abriu dois espaços em São Paulo, na Haddock Lobo e na Rua dos Pinheiros. Após o resultado das lojas, que venderam mais que o dobro do esperado, o próximo grande passo foi a captação de recursos com investidores.
Rodrigo diz que, de início, a decisão foi tomada com relutância. Eles não queriam mudar a essência da empresa, de buscar resultados financeiros sólidos e sustentáveis no longo prazo, em vez de retorno imediato. Mas o encontro com investidores alinhados a essa proposta acabou com as dúvidas.
Liderada pela gestora Shift Capital, o aporte foi de R$ 20 milhões. Para referência: cada loja da Zerezes custa, em média, R$ 500 mil para ser aberta.
E a capitalização deu frutos rapidamente: em 2022, a Zerezes faturou R$ 35 milhões — um crescimento de 3.400% em 6 anos.
O que vem por aí
Atualmente, a marca está com 13 lojas: oito no Rio de Janeiro, três em São Paulo, e uma em Belo Horizonte, que abriu no mês de julho. A ideia é expandir para mais lugares: Porto Alegre, Curitiba e Brasília, até o fim do ano. Mas tudo naquela visão de longo prazo: portanto, sem franquias, por ora.
Em relação aos canais digitais da marca, o objetivo é simplificar e melhorar a experiência do e-commerce, que corresponde a um terço do faturamento da marca.
Na música original dos óculos escuros, Raul Seixas também canta: “Quem não tem presente se conforma com o futuro”. No caso da Zerezes, que tem um ótimo presente, eles esperam por um futuro ainda mais brilhante. Para 2023, o objetivo é ampliar o faturamento para R$ 60 milhões.