Vagas falsas, tentativas de roubo e venda de cursos para “garantir” trabalho. Além do desemprego, profissionais brasileiros ainda precisam se desviar de golpes.
Texto Juliana Américo | Ilustração Marcella Calado | Design Tiago Araujo
Em junho de 2020, o engenheiro ambiental e sanitarista Caique Almeida, de 33 anos, entrou para a temida lista dos desempregados. A companhia onde ele trabalhava perdeu contratos por causa da pandemia e precisou reduzir a equipe. Caique, que é natural de Lorena (SP), atualizou o currículo e começou a procurar trabalho. Ele só não sabia que iria entrar em outra lista: a de golpes de emprego. “Em agosto, uma pessoa entrou em contato comigo. Ele disse que era chefe de engenharia de uma empresa chamada Delta Engenharia, que prestava serviço para a Transpetro e que achou o meu currículo em um site de recrutamento. O homem se identificava como João Gouveia.”
Os dois bateram um papo rápido e o tal João ofereceu uma vaga para Caique. Ele logo se empolgou; não só por voltar a trabalhar, mas porque a oportunidade era boa: salário de R$ 9 mil, benefícios e participação nos lucros. Mas tinha um porém, o engenheiro precisava enviar os documentos para a contratação no mesmo dia, ou iria perder a vaga. “Foi quando ele me questionou sobre duas certificações que eu tenho, mas estão vencidas, então precisava fazer uma reciclagem.” As certificações são a NR 33 e a NR 35, que são exigidas para quem trabalha em espaços confinados e para trabalhos em altura, respectivamente.
Acontece que não dá para conseguir esses documentos de uma hora para a outra – a carga horária do curso de reciclagem dessas duas normas é de 24 horas. Ele explicou a situação e João indicou uma escola parceira da Delta Engenharia que poderia emitir os certificados desde que ele fizesse o curso no final de semana. Caique achou estranho, mas entrou em contato, pelo número de telefone que o recrutador passou. “Falei com uma pessoa chamada Armênio, de uma certa LCF Treinamentos. Ele pediu meus dados e no final falou que eu precisava pagar R$ 1.000; foi quando percebi que tinha coisa errada.”
Caique se recusou a fazer o pagamento e foi falar com um conhecido que também tinha uma escola de certificação. Ele conseguiu emitir a documentação e enviou para o João. “Ele sumiu. Entrou em contato só no dia seguinte, dizendo que o certificado não estava válido. Comecei a questionar e, no final, ele acabou me bloqueando.”
O engenheiro escapou da fraude, mas não falta quem caia em golpes assim. Entre janeiro e novembro de 2020, a Dfndr Lab (laboratório de segurança digital da empresa PSafe) identificou 2,1 milhões de tentativas de golpe se passando por oportunidades de trabalho. Em 2019, o Procon de São Paulo registrou 1,5 mil denúncias relacionadas a falsas vagas de emprego. Um número baixíssimo em relação ao total de golpes que povoa o mercado. É que a maioria das vítimas não denuncia, em grande parte por vergonha.
Até no LinkedIn
Em fevereiro de 2019, a paulista Miriam Gomes, de 37 anos, estava desempregada. Formada em secretariado, ela resolveu usar o LinkedIn para se recolocar; foi quando viu uma vaga de gerente de projetos no escritório de São Paulo de uma empresa internacional. A oportunidade estava toda descrita em inglês e era uma companhia que a profissional não conhecia, então ela fez o que os especialistas indicam: deu um Google. “Encontrei o site deles e parecia coisa séria. Fui lá e me candidatei.”
Duas semanas depois, ela recebeu um e-mail da empresa já com a oferta de emprego e dizendo que ela precisava fazer uma entrevista nos EUA. “Vieram vários documentos em anexo com todos os detalhes da vaga e com informações de onde eu iria trabalhar. Falavam que iriam pagar todas as minhas despesas de viagem para a entrevista e também já tinham os contatos da agência que seria responsável por todo esse trâmite.”
Na hora, Miriam ficou empolgada com a oportunidade, mas começou a perceber alguns detalhes que a deixaram com a pulga atrás da orelha. Por exemplo: as cartas não estavam em seu nome, mas sim em código – em vez de “Prezada Miriam”, estava algo como “Prezado XYZ345”. “Confirmei que era golpe quando fui rever a vaga no LinkedIn. O post e a página da empresa tinham sido apagados. Pouco tempo depois, o site também saiu do ar.”
Atenção é a regra número um e foi o que livrou Miriam de cair em uma furada. A tendência é que sempre haja algum calcanhar de aquiles nos golpes. Além de ficar de olho em erros gramaticais nos posts e sites, confira o endereço de e-mail. As empresas têm e-mails personalizados, como vagas@vocesa.com.br (este endereço é fictício, viu?); se você receber mensagem de um remetente como emprego.vocesa@bol.com.br, desconfie. Uma dica para quem usa as redes sociais para procurar emprego é ficar especialmente atento a vagas de empresas confidenciais ou com poucas informações sobre a função. Afinal, você precisa saber para onde está mandando o seu currículo.
Emprego dos sonhos
Algumas empresas são queridinhas do mercado de trabalho – Google, Amazon, Telefônica, Natura, Itaú. Muitos golpes, então, usam o nome dessas organizações. Em setembro do ano passado, Karen Teodoro estava procurando emprego e se candidatou para uma vaga de analista comercial no site da Nestlé.
Alguns dias depois, ela recebeu o que parecia ser um e-mail da companhia falando que ela tinha sido selecionada para fazer uma entrevista nos EUA. “Queriam que eu fizesse um depósito de US$ 1.800 para garantir a presença na entrevista, e que o valor seria reembolsado pela Nestlé depois. Também pediam cópias dos documentos”, relembra a paulistana, de 41 anos.
Mas a fraude estava clara. O e-mail foi enviado duas vezes, a primeira em inglês e a segunda em português – mal traduzido e com erros gramaticais. Em ambos os casos, os nomes dos remetentes não eram nem de funcionários da companhia. No primeiro, quem assinava era um certo François Thibaut (nome de um educador francês); no segundo, o nome na assinatura era Morris Brown (um bispo metodista que faleceu em 1849, cujo nome batiza hoje uma faculdade nos EUA).
Nota: não dá para cravar sobre o porquê de escolherem nomes de gente relativamente célebre; talvez seja para que apareçam muitas menções quando você dê um Google, e eles fiquem na esperança de que você não leia o que aparece ao lado delas.
Outro indício de picaretagem era o salário, que era de dar inveja a qualquer executivo: US$ 349 mil por ano. Em português, R$ 145 mil mensais – segundo dados do Glassdoor, um analista comercial da Nestlé ganha até R$ 6 mil, ou seja, o salário oferecido era muito acima da média. “Percebi que tinha alguma coisa errada. Nem inglês eu falo, não tinha como ter sido selecionada para uma vaga dessas.” No mesmo ano, a companhia divulgou um alerta de ofertas de emprego falsas que estavam usando o nome da multinacional.
Quando o golpe envolve o nome de uma empresa real, a recomendação é avisar a companhia – eles não vão poder ajudar em muita coisa, mas, sabendo que existe um golpe, já dá para alertar o mercado e até rever a segurança interna para garantir que não exista nenhum vazamento de dados. “Também vale a pena falar com a equipe de recursos humanos para confirmar quais são as práticas de recrutamento e se a vaga é real. Porque acontece de a oportunidade existir, mas o processo seletivo para chegar até ela ser falso”, diz a advogada trabalhista Alessandra Wasserman, da Mello e Rached Advogados.
E claro: quando a esmola é demais, o santo desconfia. Vagas com salários muito altos e benefícios vantajosos não costumam ser divulgadas no LinkedIn nem ficam rodando pelos grupos de WhatsApp. Só profissionais muito qualificados e com carreiras longas costumam ter remunerações astronômicas. É aquilo: quando um CFO do Bradesco pede demissão, não adianta mandar currículo. Caso apareça a oferta de uma vaga dessa estatura, não tem outra: é venda de terreno na Lua. “Desconfie, porque esse tipo de oportunidade não vai para o mercado. E não podemos esquecer que estamos em um momento de crise, as empresas não estão pagando tão bem assim”, ressalta a headhunter Daniela Verdugo .
Ela ainda lembra que nenhuma companhia vai fechar uma vaga, por mais urgente que ela seja, da noite para o dia. Se um recrutador falar que você precisa entregar os documentos dentro de poucas horas, caso contrário a oportunidade vai para outra pessoa, é golpe com certeza. Esse tom de urgência é proposital para que o candidato não tenha tempo de pensar sobre a oferta ou pesquisar sobre a empresa.
Os golpes mais comuns
O universo dos golpes não se restringe a gente se passando por empresas. Também há as agências de emprego falsas – negócios mequetrefes que atraem pessoas com a promessa de emprego rápido, mas cuja única intenção é fazer dinheiro vendendo cursos, como aquele do qual Caique se safou.
Em 2016, o Ministério Público e o Prodecon (Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor) deflagraram uma operação contra uma quadrilha do ramo. Ela controlava 14 sites que ofereciam cursos com certificados supostamente necessários para conseguir vagas em empresas. Em 2019, a polícia fechou uma agência falsa em São Paulo. Ela faturava entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por dia com a venda de cursos.
O caô é aquele: dizer que a vaga de emprego está garantida, e que só falta o tal curso. Daniela alerta que isso de “garantia de emprego” é algo tão real quanto garantir um lote no céu. “A recolocação profissional depende de uma série de fatores: existir uma vaga, ter o perfil que o cargo exige, passar no processo seletivo. Nenhum consultor pode garantir que você vai conseguir uma
posição.” Ponto.
A tentativa de atrair candidatos para a venda de cursos é o principal golpe das agências patifes. Mas não são só os cursos. Algumas têm a pachorra de exigir um percentual dos primeiros meses de salário caso o profissional consiga o trabalho.
Segundo Fernando Capez, diretor-executivo do Procon-SP, é tudo estelionato mesmo. Artigo 171 do Código Penal. “Se a empresa falar que você precisa fazer um curso, pagamento de teste psicológico ou se oferecer para melhorar o currículo, faça o boletim de ocorrência. Ela vai ser notificada, obrigada a devolver o dinheiro e ainda vai receber uma multa.” Caso você realmente precise de alguma habilidade complementar, a empresa que te contratar é a responsável pelo treinamento – e não pode cobrar nada por isso.
Por último, nada de sair informando dados pessoais a torto e a direito. Outra faceta dos golpes contra quem busca uma recolocação é usar do desespero da vítima para roubar informações pessoais. Imagina só: você recebeu uma proposta de emprego, o “recrutador” pediu cópia dos documentos e depois sumiu. Isso já pode ser o suficiente para um golpista tentar se passar por você e solicitar um cartão de crédito, por exemplo.
A advogada criminalista da Viseu Advogados Carla Rahal Benedetti lembra que, antes da contratação, a companhia não pode exigir absolutamente nada do candidato; nem dados bancários ou documentos.
Caiu no golpe? O jeito é evitar as futuras fraudes. “Além do boletim de ocorrência, você pode entrar em contato com os bureaus de crédito, como o SPC e o Serasa, para informar sobre o golpe. Eles criam um alerta que avisa caso tentem usar os dados em fraudes ou compras sem a sua autorização.”