Como o isolamento social abriu um novo mercado para o turismo

por Juliana Américo Atualizado em 14 dez 2020, 22h45 - Publicado em 9 dez 2020 10h00

Depois de ser massacrado pela pandemia, o turismo nacional dá sinais de recuperação e abre espaço para novas oportunidades de negócio.

Viajar não é luxo, é necessidade. Sim, essa frase é praticamente um clichê de Instagram, mas não deixa de ser verdade; mais ainda para a economia. O desempenho do turismo afeta pelo menos outros 50 setores – alimentação, transporte, recreação, hospedagem, aluguel, logística…

Os números provam: em 2019, o turismo movimentou US$ 8,9 trilhões, contribuindo com 10,3% do PIB global e com a geração de 330 milhões de empregos. E essa é uma área em que o Brasil ainda precisa se desenvolver. Só a cidade de Miami recebe quase três vezes mais visitantes do exterior do que o Brasil inteiro. São 16,5 milhões na cidade onde Silvio Santos e Jorge Ben dividem o mesmo condomínio, contra 6 milhões no Brasil – numa comparação país versus país, pior ainda. O México, por exemplo, recebe 50 milhões de turistas estrangeiros por ano. Mesmo assim, o setor empregou 3,4 milhões de trabalhadores em 2019 e faturou R$ 270,8 bilhões (respeitáveis 3,7% do PIB nacional). Em boa parte graças ao turismo interno, que ganhou uma força com a alta do dólar nos últimos anos. Menos Flórida, mais Nordeste.

E aí veio o coronavírus. Entre março e agosto, 49,9 mil empresas de serviços turísticos fecharam as portas no Brasil – sendo 96,7% pequenos e micronegócios. “Muitos empreendedores do setor estão buscando crédito com o governo e esperando por uma vacina”, diz Alexandre Sampaio, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

É difícil estimar o tamanho do prejuízo. Mas uma pesquisa da FGV estimou: algo em torno de R$ 160 bilhões em 2020 e 2021, além do fechamento de até 1,1 milhão de postos de trabalho. E agora?

Como o isolamento social abriu um novo mercado para o turismo

Demanda reprimida

Agora, para quem trabalha com turismo, o jeito é estar atento às transformações. Porque mesmo no auge da pandemia o turismo não cessou completamente sua existência. O paulistano bem de vida que ia para Fernando de Noronha alugou casa com piscina em São Roque; o gaúcho que se perequitava para Nova York pegou chalé em Gramado.

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“Há o crescimento da demanda pelo que a gente chama de staycation, ou turismo de escapada, que é para fugir da rotina do isolamento. Essas pessoas procuram lugares próximos das grandes cidades para passar alguns dias”, diz Bianca Dramali, professora de pesquisa e comportamento do consumidor da ESPM Rio.

A pandemia acabou com as viagens de avião – inclusive as domésticas, claro. No início da pandemia, a demanda por voos nacionais caiu mais de 90% em relação a 2019. Em agosto, data dos últimos números disponíveis até o fechamento desta edição, não tinha melhorado grande coisa. O tombo ainda estava em 70%.

Por outro lado, a procura por lugares próximos às grandes cidades aumentou. Até por conta de outro fenômeno pandêmico: o do turista eterno. Não faltam solteiros e casais sem filhos que têm aproveitado o home office para se manter viajando o tempo todo.
“Os destinos até 300 km dos centros urbanos são os mais procurados [já que dá para ir de carro]. Os locais com menor fluxo de pessoas ganharam a preferência dos hóspedes. São turistas em busca de um refúgio com boa infraestrutura para home office”, afirma Leonardo Tristão, diretor-geral do Airbnb na América do Sul.

Esse hábito pode não ser temporário. Um levantamento da Booking.com mostrou que 55% das pessoas pretendem conhecer um novo destino na região em que moram – entre as cidades mais procuradas estão Monte Verde (SP), Campos do Jordão (SP), Ilhabela (SP), Penedo (RJ), Porto de Galinhas (PE) e Gramado (RS). O fato é que o tédio do isolamento criou uma demanda reprimida por viagens, e ela já começou a estourar.

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O marco foi o feriado de 7 de setembro, quando boa parte dos brasileiros decidiu que a pandemia tinha acabado e lotou as estradas como se não houvesse amanhã. No mês seguinte, foi mais ainda. No de 12 outubro, outra diáspora para as praias e montanhas – tudo enquanto a Europa começava a perceber a segunda onda do coronavírus, e as mortes no Brasil seguiam na casa de 500 por dia.

Não foi só o isolamento que criou essa vontade toda. O fato é que uma parte considerável da classe média se acostumou a viajar para o exterior com alguma frequência. Em 2019, por exemplo, 1,7 milhão de brasileiros viajaram para fora.

A queda nos voos internacionais, porém, foi ainda maior que na dos voos domésticos. Em setembro, elas ainda estavam 90% abaixo dos níveis de 2019. Com a emergência da segunda onda lá fora, nada indica que isso vá melhorar tão cedo.

E tem o dólar que está em um dos seus maiores patamares; a cotação de turismo da moeda americana fechou o mês de outubro em mais de R$ 6 – o euro turismo, em R$ 7, a libra, em R$ 8. Isso coloca na rota do turismo nacional, e regionalizado, uma multidão de pessoas que só viam estrada na hora de ir ao aeroporto. E alimenta tanto as fugas em massa que vemos nos feriados quanto o número de pessoas que decidem aproveitar o home office para passar meses fora de casa.

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A volta aos velhos tempos, porém, ainda está longe. A FGV estima que o turismo doméstico leve em torno de 12 meses para voltar ao patamar pré-pandemia. No caso do turismo internacional, pior ainda. Só daqui a dois anos.

Welcome to the jungle

Mesmo assim, o fato é que a retomada já começou. E quem apostar no turismo doméstico agora tem a chance de colher bons dividendos. A grande oportunidade de negócio está mesmo no aluguel de hospedagem – bem mais rentável que o aluguel de moradia. Uma casa na qual o aluguel comum gera uns R$ 2 mil pode render três vezes isso num Airbnb da vida.

“A gente viu o aumento das reservas em locais como chácaras. Algumas empresas estão até alugando sítios para que grupos de funcionários possam passar uns dias para sanar problemas do confinamento, como ansiedade e falta de integração da equipe. Isso também ajuda a fortalecer o turismo de base comunitária, porque muitos quilombos e aldeias estão próximos a cachoeiras e lugares para fazer trilha”, afirma Carlos Humberto Silva Filho, CEO da plataforma de hospedagem Diáspora Black.

O professor de surfe Marco Polo, de 39 anos, faz dinheiro nessa área. Ele aluga suas duas casas em Florianópolis para turistas desde 2013. “Comecei por necessidade. Depois que encerrei a minha carreira profissional no surfe e inaugurei a minha escola, vi a necessidade de ter uma renda extra.”
Os primeiros meses da pandemia foram um susto para Marco. Todas as reservas que ele tinha para abril, maio e junho foram canceladas. Mas, passado esse período, com a maior flexibilização dos governos e prefeituras, o interesse em alugar os imóveis voltou com tudo. As casas de Marco ficam mais afastadas do centro da cidade – estão no lado leste da ilha de Florianópolis, onde há praias que só podem ser acessadaspor trilha. De acordo com ele, isso fez com que os interessados em passar uns dias por lá aumentassem. “Essa é, sim, uma tendência que estou sentindo. Parece que o pessoal está procurando mais natureza.”

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Mas não basta a natureza ou uma boa casa (com wi-fi decente) para dar certo no mercado de hospedagem. De acordo com o diretor superintendente do Sebrae-SP, Wilson Poit, o segredo é surpreender o turista. “A dica é pensar em algo que não foi combinado, como deixar um presente, para que o cliente se surpreenda e tenha uma lembrança boa da viagem.”

Ele ainda afirma que uma forma de incentivar o turismo e a economia local é se unir a pequenos empresários da região. “Se você está colocando a casa para alugar, pode fazer parceria com restaurantes para oferecer desconto para o hóspede, ou então ter um guia turístico à disposição.”
Não custa lembrar que as regras de segurança seguem as de sempre – e os turistas estão de olho. Atender um hóspede sem máscara, esquece. Também é fundamental higienizar todos os cômodos e esperar, pelo menos, 24 horas entre a saída de um hóspede e a entrada de outro.

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