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Carro por assinatura: veja como funciona e descubra se é para você

Montadoras entraram em bando no mercado de assinatura de veículos – uma espécie de locação de longuíssimo prazo. Veja como fazer as contas para saber quando vale a pena.

Por Guilherme Eler | Design: Laís Zanocco | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 17 jun 2021, 21h03 - Publicado em 7 jun 2021, 18h26
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 (Arte/Você S/A / Getty Images/Getty Images)
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O preço do característico cheirinho de carro novo tem pesado mais no bolso dos brasileiros. Se há alguns anos era comum encontrar versões de entrada na casa dos R$ 20 mil, hoje os modelos mais acessíveis, com motor 1.0 e sem acessórios, não saem da concessionária por menos de R$ 40 mil. E a lista das opções em conta vem ficando mais restrita. Em 2020, a Volkswagen tirou o Up! de linha e a Toyota fez um movimento parecido, aposentando o Etios. Com a saída da Ford do Brasil, o consumidor perdeu também o Ka. Os cortes revelam uma tendência: o carro popular como conhecemos está com os dias contados.

Dados da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) indicam que o segmento de “carros de entrada” respondeu por meros 12,7% da frota brasileira em 2019. Em 2003, veículos do tipo representavam mais de 49% das vendas. Ou seja, quem deseja comprar carro hoje, via de regra, busca algo a mais. O problema é que o momento não está lá muito propício para os negócios envolvendo automóveis novinhos em folha.

O baque que o setor automotivo tomou em 2020, com a pandemia de Covid-19, apareceu nas vendas. A compra de veículos saídos direto da fábrica foi 26% menor que no ano anterior. E, com a falta de peças limitando a produção e impulsionando as vendas de usados, as montadoras foram obrigadas a agir rápido para dar um gás no mercado dos zero-quilômetro. A principal aposta para atender novos tipos de consumidor – que ligam cada vez menos para carro e, além disso, evitam cair de cabeça nas dívidas de um financiamento – foi investir no modelo de assinatura.

A assinatura funciona basicamente como um aluguel, com a diferença que o consumidor firma contratos mais longos – de seis meses a quatro anos. O cliente escolhe uma franquia de quilometragem – as opções partem dos 500 km/mês até 3.000 km mensais – e paga uma parcela fixa todo mês, de acordo com a marca e o modelo. Tem para todos os bolsos: é possível encontrar contratos mais em conta, de 500 km, por menos de R$ 1.000 ao mês.

“É como se você estivesse andando por aí de jaqueta alugada. Você está tirando uma onda, mas a jaqueta não é sua”, diz Samuel Barros, especialista em finanças e reitor da pós-graduação do Ibmec-RJ. “Essa mudança de perfil do consumo é uma tendência. O  consumidor está deixando de ser alguém que quer ter para ser alguém que quer usar, ter a experiência. Ainda vai demorar um pouco para o mercado se adaptar. Nós, brasileiros, gostamos de ser donos das coisas. Mas a gente já percebe essa mudança.”

Os atrativos da assinatura são muitos. Você pode usufruir de um carro zero-quilômetro sem se preocupar com IPVA, licenciamento e manutenção, além das salgadas parcelas do seguro – já embutidas no valor da mensalidade. Carros novos costumam dar pouca manutenção, mas, ao sinal de qualquer problema com o carro assinado, é só acionar o veículo reserva. Ao motorista cabe apenas o trabalho de abastecer o veículo e quitar eventuais multas. No fim do contrato, você opta por devolver o carro ou renovar a assinatura – seja com o mesmo modelo ou com um diferente. Alguns planos ainda permitem que você compre o veículo que assinou.

Quem escolhe assinar também se livra da tarefa de buscar pelo melhor preço de revenda. Em média, um carro perde entre 15% e 20% do seu valor no primeiro ano – a chamada depreciação de largada. Para modelos de alto padrão, a perda de preço inicial pode ser ainda maior.

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Donos de carro têm algumas formas de calcular essa baixa: sites de empresas especializadas, como a KBB, contam com tabelas próprias – e, normalmente, são um retrato mais fiel dos preços praticados no mercado que os cálculos da tabela Fipe, principal índice para a negociação de carros no país. O valor de um usado cai 5% ao ano no início, e a taxa vai desacelerando após 4 ou 5 anos. Seja como for, é preciso disposição para ir atrás do melhor preço de venda, já que isso que toma tempo e requer uma boa dose de paciência.

Quem assina?

“Normalmente, estamos falando de um público mais jovem, dos 18 aos 30 e poucos anos. Ele assina ou porque já tinha deixado de usar o carro, ou porque vai começar a dirigir agora e não quer comprar um”, diz Ana Renata Navas, diretora geral da Cox Automotive, controladora da KBB. “Existe também o público que não tinha carro e decidiu andar de aplicativo, mas, por causa da Covid-19, voltou a ter automóvel próprio. Quem abriu mão desse bem no passado e agora está pensando em possuir de novo tem maior tendência a assinar.”

O modelo de assinatura existe no Brasil há um bom tempo – a Porto Seguro oferece o serviço desde 2016, e nomes do mercado de aluguéis como Unidas e Movida estrearam seus planos ainda em 2017. Até o ano passado, no entanto, a modalidade ficava quase que exclusiva às locadoras. Foi só a partir do segundo semestre de 2020 que as montadoras começaram a entrar no negócio.

Audi, Fiat, Renault, Jeep, Mitsubishi, Volkswagen e Toyota, entre outras, contam com seus próprios planos de assinatura. Para elas, encontrar quem tope assinar é um baita negócio. Em vez de ganhar só uma vez com a venda, montadoras recebem pela assinatura e, ao fim do contrato, caso o próprio locatário não aceite comprar, podem colocar o carro no mercado de seminovos.

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O modelo de assinatura de carros não é só para quem não liga para carro, claro. Quem gosta para valer da coisa pode ficar tentado a assinar um modelo de alto padrão, para ter a experiência de usar um por um tempo sem ter de hipotecar a casa. Mas não é porque você está livre de um financiamento ou de uma entrada polpuda que o preço de um desses deixa de ser salgado. Estamos falando em algo na faixa de R$ 15 mil mensais.

Um Audi Q8, o modelo mais caro a contar com um plano de assinatura no Brasil, custa R$ 612.990 à vista. Considerando também custos com seguro, manutenção e IPVA, um proprietário gastaria R$ 716.204 com o veículo ao final de dois anos. Um apartamento de três dormitórios em São Paulo.

Fazendo estimativas da depreciação do veículo e do quanto o dono receberia se o vendesse ao fim do período (cerca de R$ 465 mil, se tiver alguma paciência), o débito fica na casa dos R$ 250 mil. Para assinar pelo mesmo período, pagando R$ 14.900 ao mês, o custo gira em torno dos R$ 357.600 – um gasto 42,85% maior no fim das contas. A procura pela assinatura desse tipo de veículo exclusivo ainda é muito pontual. Em seu site, o programa Audi Luxury Signature destaca que a oferta vale “até terminar o estoque de quatro unidades”.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Na ponta do lápis

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Outros contratos, porém, podem oferecer uma relação custo-benefício melhor. Assinando um Volkswagen T-Cross Comfortline por 12 meses, com parcelas de R$ 2.199, um proprietário gastaria R$ 39.582 ao ano (como você pode ver na tabela ao lado). Quem opta pelo plano paga, em teoria, 15% a mais se comparado a quem comprou à vista e vendeu ao fim de um ano – uma perda já mais dentro do aceitável para quem não quer ter dor de cabeça com manutenção e revenda.

Já para uma assinatura de dois anos do Fiat Mobi Trekking (R$ 55.590) pelo Flua!, o programa de assinaturas da Fiat, o déficit chega aos 38,6% em comparação com os custos à vista. Quanto maior o contrato, mais baratas costumam ser as parcelas.

A regra mais importante na hora de ver se a assinatura vale a pena é a seguinte: caso você tenha bala para pagar à vista, comprar tende a ser o melhor negócio. Ponto. Se você vai financiar, aí tudo muda de figura. E claro: quanto maior a parcela financiada, maior tende a ser a vantagem de alugar.

Quando comparada ao combo financiamento + venda logo após o pagamento total, a opção da assinatura quase sempre fica na frente. Segundo dados da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças), as taxas que bancos cobram para o financiamento de automóveis eram de 1,46% ao mês em abril – ou 19% ao ano.

Então vamos lá. Se você der 50% de entrada num carro de R$ 120 mil, o financiamento dos R$ 60 mil restantes vai custar, ao longo de quatro anos (48 meses), R$ 120 mil. Some isso aos R$ 60 mil que você já pagou, e temos um gasto efetivo total de R$ 180 mil – 50% acima do valor do carro à vista.

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Um T-Cross Comfortline custa R$ 120 mil. Logo, aquela perda de 15% da assinatura some diante do prejuízo de 50% que você teria ao financiar metade do SUV da Volkswagen. Quanto maior a parte financiada, maior o rombo no seu bolso, lógico. Se você cair na tentação de dar só 20% de entrada, o gasto total com esse carro será de R$ 216 mil. Quase o dobro do preço à vista. Aí a assinatura ganha de lavada.

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(Arte/VOCÊ S/A)

 Perfil de assinante

Seja financiando, seja assinando, o consenso entre especialistas em finanças é que os custos com carro não devem comprometer mais que 20% do orçamento mensal. Porém, de nada adianta estar ciente dos gastos se a sua rotina também não for condizente com o modelo de assinatura.

O maior limitante, na visão de Samuel Barros, é a quilometragem. “Quem roda mais de 3 mil quilômetros por mês não vai encontrar contrato de assinatura que o atenda”, diz Barros. “Vamos fazer uma associação a partir do contexto do Rio de Janeiro. Se você mora em Niterói e trabalha em Campo Grande, a 62 quilômetros dali, não funciona.” Motivo: caso a cota de quilometragem seja ultrapassada, planos de assinatura cobram uma taxa que costuma ficar entre R$ 0,30 e R$ 0,80 por quilômetro extra.   

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Para quem anda pouco, também não vale. As comparações que fizemos aqui envolvem usar um carro por até quatro anos, revendendo-o depois ou devolvendo para a montadora ao fim de uma assinatura. Se o seu carro não sai muito da garagem, você terá gasto dezenas de milhares de reais, e não terá o que revender ao fim do período. Aí o melhor mesmo é usar aplicativo, e alugar um carro quando tiver de fazer uma viagem.     

Contratos de assinatura ainda contam com cláusulas específicas que estabelecem multas ou custos por conta de quem contrata. Entram nessa lista gastos para reparar pintura danificada, amassados na lataria, vidros trincados ou rodas avariadas. A assinatura do T-Cross Comfortline, por exemplo, prevê pagamento de R$ 4 mil em caso de “colisões de perda parcial”. Ou seja, aquela esbarradinha também pode virar despesa – vale mais consertar por conta própria do que pagar a franquia. Ponto negativo para quem vive visitando a funilaria.

Segundo Henrique Lian, diretor da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), as reclamações mais comuns envolvendo acordos de assinatura são sobre o valor da franquia mesmo. O cliente segue precisando arcar com ela após um roubo, por exemplo. E se quiser cancelar o contrato antes do prazo, tem multa.

O futuro do zero-quilômetro?

Especialistas concordam: a tendência é que carros mais acessíveis dominem os serviços por assinatura. Carros de alto padrão, mais equipados, porém, continuarão sendo comprados das concessionárias. E é isso, de fato, que o mercado já começa a desenhar.

Para o programa de assinaturas da Porto Seguro, o Carro Fácil, a maioria dos contratos ativos envolvem carros compactos (71%). SUVs somam 28% do total.

As montadoras, no geral, ainda não divulgam dados sobre o total de assinaturas de seus planos. Mas os números preliminares da Renault OnDemand, que estreou em janeiro de 2021 e oferece quatro modelos de veículos, indicam um padrão interessante. Segundo disse à imprensa em abril Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, o programa fechou 1.500 contratos em pouco mais de dois meses. O sucesso foi tanto que, no mês de lançamento, a previsão para entrega dos carros era de 180 dias. Do grupo inicial de 1.500 clientes, 50% optaram pelo Kwid Outsider (R$ 55.490) e 30% pelo Duster Iconic (R$ 106.490).

“Esses dois carros são exatamente o retrato do Brasil hoje”, diz Ana Renata Navas, da Cox Automotive. “O Kwid é um modelo pequeno, para quem ‘desistiu’ do carro [como bem de consumo] e só quer usá-lo para pequenas distâncias, ou para quem é muito jovem e não tem como comprar. Já o Duster é um carro familiar. Ambos são de baixo custo [mesmo com o Duster sendo um SUV], têm pouca manutenção e contam com um seguro mais barato.”

Se os planos de assinatura irão vingar mesmo, ainda é cedo para cravar. Mas uma coisa é certa: a forma de consumir carro no Brasil já mudou.

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