O guia da renda passiva: como funcionam os fundos imobiliários e as ações que pagam bons dividendos
Nenhum deles faz milagres. Mas podem propiciar uma renda extra relativamente segura e, se você tiver paciência, trazer recompensas surpreendentes.
De segunda a sexta-feira você acorda, passa pelo chuveiro, toma um café e então vai para o trabalho – ou apenas liga o computador, se for da turma do home office. Por várias horas do dia, cumpre as tarefas que serão recompensadas com o salário no final do mês. A jornada é dura, mas não significa que você precise fazer todo o trabalho sozinho.
É que o seu dinheiro também pode dar expediente de segunda a sexta e ganhar um salário. Dinheiro trabalha quando você investe, e estamos acostumados a pensar do jeito tradicional: colocá-lo na poupança, num fundo de renda fixa, em ações… e deixar o bolo crescendo.
Mas há outra modalidade de investimento: aqueles que geram renda passiva. Trata-se de uma categoria diferente porque ela tem outro propósito. O mais importante não é exatamente o crescimento do bolo, mas o consumo das fatias. Em suma, os investimentos em renda passiva são aqueles que fazem pingar dinheiro direto na sua conta periodicamente, como se fosse um salário.
As aplicações mais comuns nessa linha são os fundos imobiliários e as ações de empresas pagadoras de dividendos. Nas próximas páginas, vamos entrar a fundo nesses investimentos. Nossa primeira escala é no mundo dos imóveis.
Fundos imobiliários
Não existe forma de renda passiva mais tradicional que o aluguel. E, com a Selic ainda abaixo de 3% ao ano, ele está em um período de glória. O aluguel de um imóvel residencial hoje rende, em média, 4,69% ao ano, segundo o índice FipeZap – bate com folga ganho com os investimentos mais tradicionais de renda fixa.
Em números: R$ 300 mil em um título público que pague a Selic (2,75%) se transformam em 308.000 brutos depois de um ano. Mas se esses mesmos R$ 300 mil estiverem na forma de um apartamento alugado, pingam R$ 14.070 na conta em 12 meses. Uma renda mensal de R$ 1.172.
O problema é ter os R$ 300 mil na mão, e esse valor do exemplo não foi escolhido à toa. É mais ou menos quanto custa um apezinho qualquer de uns 30 metros quadrados comprado na planta no centro de São Paulo.
O mercado financeiro, porém, deu um jeito para que quem não tem centenas de milhares de reais estocados possa brincar de Seu Barriga. Criou um produto feito sob medida para quem quer receber aluguel todo mês, mas não pode (ou não quer) comprar um imóvel. São os Fundos de Investimento Imobiliário – FIIs, para os íntimos.
Mas não adianta procurar por eles na página de fundos da corretora. É que eles funcionam como ações. Ações você sabe: quando uma empresa decide buscar dinheiro de investidores, faz um IPO (oferta pública inicial) e vende partes dela na bolsa de valores. Dali em diante, essas partes, as ações, passam a ser negociadas na B3.
Quem comprou no IPO pode vendê-las quando bem entender. E quem não entrou pode virar sócio da empresa comprando papéis de segunda mão. Basta abrir conta em uma corretora, acionar o home broker, digitar o nome da companhia e fazer a compra.
No caso dos fundos imobiliários, é a mesma coisa. A diferença é que você não se torna sócio de uma empresa, mas de um imóvel (geralmente, de vários imóveis de uma vez só).
Tudo começa com algum agente financeiro, como um banco ou uma gestora de fundos. Esse alguém faz um plano para comprar diversos imóveis e ganhar com o aluguel deles. Vamos dizer que esse agente precise de R$ 50 milhões para a empreitada, e esteja a fim de dividir o risco. Uma forma de fazer essa diluição é convidar milhares de pessoas a virarem sócias. Ou seja: fazer um IPO. Assim nasce um Fundo de Investimento Imobiliário.
Aí, da mesmíssima forma que ocorre com ações, ele ganha um código de quatro letras mais um número, tipo “XPTO11” (o 11 é o código para FIIs), e você pode comprar partes do fundo pelo home broker. O nome daquilo que você passa a ter não é ação, é cota: uma cota de um fundo. Esse mecanismo financeiro permite que você invista em imóveis sem gastar rios de dinheiro nem ter de passar numa imobiliária e depois no cartório.
Existem quase tantos fundos imobiliários na B3 quanto ações de empresas. São mais de 300. Pouquíssimos são de imóveis residenciais. Os mais comuns são os de prédios de escritórios, shoppings, imóveis que abrigam agências bancárias e os “de logística” (galpões de empresas de e-commerce e centros de distribuição de alimentos e bebidas, por exemplo).
Ao escolher um desses fundos, você vira sócio de vários desses shoppings, galpões ou prédios comerciais, e dá para ser com apenas R$ 100, que é o preço típico de um fundo no momento do IPO. Você compra algo como 0,000000001% da coleção de prédios do fundo. É mais ou menos como ter a torneira de um apê alugado e ganhar uns R$ 0,50 todo mês a título do aluguel dela. Acha pouco? Vamos às contas para mostrar que não é.
O nome técnico do aluguel do fundo é dividendo. Para saber quanto rendeu de verdade um FII, você precisa saber o dividend yield – em português, é rendimento do dividendo, mas o nome em inglês é mais usado. Basta dividir o valor do aluguel (os R$ 0,50) pelo valor da cota do fundo (os R$ 100 que você investiu). Nesse exemplo hipotético, o que temos é um rendimento de 0,50% ao mês (6,2% ao ano) – e isso ganha de lavada da Selic atual, que gera 0,165% ao mês.
Essa é só a conta de partida, feita quando você vai efetivamente comprar uma cota do fundo. Depois disso, você precisa considerar também o quanto a cota oscila lá na B3. É isso que vai dizer, ao longo do tempo, se o investimento continua valendo a pena.
Não é normal que um fundo valorize horrores. Depois que o agente por trás do FII fez o IPO e captou o dinheiro, o negócio não tem muito para onde crescer. Uma empresa pode aplicar seu lucro em novos produtos – caso da Apple, que pretende investir o lucro dos iPhones na produção de carros elétricos. Nisso a empresa passa a ganhar mais dinheiro, e a ação pode valorizar brutalmente. Num FII não tem dessas. Eles são obrigados a distribuir 95% do lucro que tiveram com os aluguéis (os 5% podem ficar de reserva de contingência, caso seja preciso fazer alguma obra), então não sobra dinheiro para comprar mais imóveis e expandir os negócios.
Por outro lado, isso torna os FIIs um investimento sob medida para renda. Quem investe em um deles vai contar apenas com os pagamentos mensais e com a valorização natural do imóvel, da mesma forma como você compra um apezinho de R$ 300 mil com a expectativa de que, no futuro, ele valha R$ 500 mil.
Já a desvalorização de um FII acontece pelas mudanças nas condições de mercado. Muitas salas comerciais foram fechadas depois que trabalhadores passaram a fazer home office. O fundo Rio Bravo Renda Corporativa (RCRB11), por exemplo, aluga salas comerciais. Mesmo depois de um ano de pandemia, apenas 5,4% dos espaços estão sem inquilino.
Ainda assim, a cota do fundo despencou 20% na bolsa em 12 meses, já que o mercado morre de medo de que boa parte dos prédios comerciais simplesmente não encontrem mais inquilinos.
Um outro caso bastante simbólico é o das agências bancárias. Na pandemia, sucumbiram os últimos clientes que resistiam a usar aplicativo de banco pelo celular. Muitas agências fecharam para sempre, e os FIIs com esses imóveis perderam valor.
O fundo imobiliário BB Renda Corporativa (BBRC11) existe exclusivamente para reformar e alugar agências para o Banco do Brasil. Em 12 meses, ele recuou 13,6% na bolsa. O movimento de baixa já vinha desde o ano passado, mas se acelerou em janeiro quando o banco disse que iria fechar mais agências – aquele anúncio que fez Jair Bolsonaro pedir a cabeça do CEO do banco, André Brandão.
Essa reestruturação dos bancos fez outra vítima, o fundo Almirante Barroso (FAMB11). Ele tem um único imóvel, o edifício homônimo no centro do Rio de Janeiro que era a sede da Caixa na capital fluminense. Em 2017, o banco disse que deixaria a área. De lá para cá, as cotas do fundo perderam 70% do valor. Quem investiu R$ 100 está hoje com R$ 30. Alguns fundos imobiliários podem virar pó tão rapidamente quanto as ações de uma empresa do Eike Batista.
Só que é pior. Você pode nem perceber, porque o aluguel continua pingando na conta por um bom tempo. Isso tem a ver com uma outra característica do mercado imobiliário. Existem contratos de locação “típicos” e “atípicos”. Um contrato típico é o que eu, uma pessoa que mora de aluguel, tenho com a dona do apartamento. Ele é padronizado: duração inicial de 30 meses, renovação automática depois desse período, reajuste anual pela inflação e assim por diante. Só que ele permite que eu negocie com a proprietária os termos do acordo, como não sofrer o reajuste durante a crise, por exemplo.
No mundo dos grandes aluguéis, porém, também existem os contratos atípicos. Neles, todos os termos são fixados previamente, incluindo o reajuste, e há um prazo determinado mais longo, coisa de dez anos. Depois de assinado, nada mais pode ser alterado. Inflação em alta, crise econômica, mudança no negócio, nada disso importa: contrato atípico é mais sagrado que os 10 mandamentos.
E esse é um excelente negócio para um fundo imobiliário e para o investidor dele: o aluguel fica inabalável mesmo em recessões. Por isso, os fundos com contratos atípicos tendem a se sair melhor (para saber se um fundo tem essa característica, basta buscar pelo nome dele no Google mesmo).
O problema é quando o aluguel acaba. Se encontrar um bom
inquilino para um apartamento não é simples, imagine uma empresa para um prédio inteiro a fim de fazer um contrato atípico. Demora. E o FII começa a pagar menos para você.
Essa diferença de expectativa sobre o imóvel, se ele continuará rendendo aluguel ou se terá de buscar novos inquilinos em breve, é o que causa o sobe e desce na bolsa. Vale a mesma regra das ações: se investidores esperam que o imóvel irá se valorizar e continuará alugado por um bom preço, eles antecipam isso e a cota fica mais cara. Mas se eles acharem que o prédio (shopping, sala comercial ou o que seja) vai virar um mico, a cota cai.
Mico ou não, essa diferença de valor patrimonial e de mercado é crucial na hora de investir, porque dá uma pista se o fundo está barato ou caro. Hora de fazer mais contas. Divida o valor de mercado pelo valor patrimonial e você terá um ponto de partida. Se der 1, é o “valor justo”: nem caro, nem barato. Se der menos que 1, o fundo pode estar barato porque o valor de mercado é menor que o patrimônio. Mais que 1, o inverso, fundo caro.
O indicador é chamado de P/PA (Preço/Patrimônio da Ação, uma métrica importada das empresas) e você vai encontrá-lo em sites comparadores de fundos imobiliários. Por que saber isso? Bem, você pode ter achado um fundo com um excelente gestor, imóveis que não sofreram na pandemia, dividendo polpudo e tudo. Mas se esse indicador estiver em 1,50, é sinal que todo mundo descobriu isso antes de você. É como pagar R$ 150 por um fundo cujo “valor justo” é R$ 100. Aí o dividend yield dele cai para 0,33%, não mais 0,50%.
Recapitulando: para escolher um fundo, você precisa saber no que ele investe, as condições do mercado, o dividendo e se
a cota está barata ou cara. Beleza. Mas estudar as centenas de fundos que existem é uma tarefa hercúlea.
Comece, então, pelas carteiras recomendadas das corretoras, como a da XP que separamos na página 29. Outro caminho é pagar pelos relatórios de casas de análise em vez de fazer o trabalho sozinho. Spoiler: boa parte delas indica os fundos de logística, já que o e-commerce se provou tão à prova de apocalipse quanto as baratas. As cotas deles, porém, não estão nada baratas.
Tijolo x papel
Essa coisa de ser sócio de shoppings, prédios ou qualquer outra coisa com teto e paredes é o que o mercado financeiro chama de “fundos de tijolo”. Mas existem também outros tipos de fundos imobiliários.
Um agente do mercado pode comprar um monte de dívidas imobiliárias (como os títulos de renda fixa LCI e CRI) e buscar investidores dispostos a ganhar dinheiro com o rendimento delas. Esses são chamados de “fundos de papel”. Ele também pode fazer um bem bolado e misturar os imóveis que vai comprar (em vez de apostar só em shoppings, por exemplo), criando um fundo híbrido. Existem ainda fundos que investem em outros fundos, de uma maneira diversificada. Um gestor escolhe cotas de vários FIIs e monta um fundo próprio.
Michael Viriato, professor de finanças do Insper, sugere esses fundos como uma boa maneira de diluir os riscos. Natural: com eles, dá para ter uma carteira diversificada de FIIs mesmo investindo em um único ativo. O problema, Viriato reconhece, é que isso significa entrar em uma espiral de taxas: é que você paga para um gestor escolher fundos que têm outros gestores cobrando para decidir em que imóveis investir.
Outro caminho amigável é o dos fundos de papel, já que eles usam instrumentos relativamente seguros de renda fixa, como as LCIs. Esse é o dinheiro que o banco pega com clientes para emprestar a quem contrata um financiamento imobiliário. Existem ainda os CRIs, que empacotam vários desses financiamentos imobiliários em um único investimento. O cotista de um fundo de papel, então, ganha com os juros que o banco recebe por esse tipo de empréstimo. Só tem um obstáculo: esse tipo de FII foi menos afetado no ano passado (porque não depende diretamente dos inquilinos). Também está entre os mais caros hoje, então.
O caso mais simbólico nessa linha é o do fundo Iridium (IRDM11). O indicador P/PA dele está em 1,50, o que significa que a cota se valorizou bastante. Um investidor poderá contestar essa afirmação, dizendo que o dividend yield não caiu. Não caiu mesmo. Está em gordos 0,91%. Eis mais uma dica para analisar FIIs. Muitas vezes o dividendo mais generoso é temporário, resultado de uma oportunidade de mercado. No caso do IRDM11, gestores avaliaram que alguns dos papéis em que o fundo investe, como cotas de outros fundos e CRIs, estavam valorizados demais, então aproveitaram para vender e embolsar um lucro maior do que previam inicialmente. Aí é aquela coisa: 95% do lucro vira dividendo. O problema é que essas chances de vender a um preço mais caro não se repetem sempre. A tendência é que o FII volte a ter um rendimento mais normalzinho, próximo dos 0,50%.
Bom, escolhido o fundo, é hora de fazer o seu dinheiro trabalhar para valer. Da mesma forma que uma pessoa que tem 80 imóveis tende a juntar os aluguéis para comprar mais imóveis, você também pode considerar reinvestir o valor que pinga na conta com seus investimentos de renda passiva. O resultado é impressionante.
Quem tem R$ 25 mil investidos num bom FII ganha um pouco mais de R$ 100 por mês em dividendos. Parece pouco, mas já dá para comprar mais uma cota de um fundo e fazer com que a bola de neve dos juros compostos trabalhe a seu favor. Eis a diferença: em dez anos sem reinvestir o dinheiro do aluguel, os seus R$ 25 mil se transformam em R$ 52 mil; reinvestindo bonitinho todo mês, eles viram R$ 82 mil. R$ 30 mil extras sem que você tire nenhum centavo a mais do bolso. Essa conta é realista, diga-se, feita com base no histórico de um fundo de logística que vem sendo bastante recomendado pelas casas de análise, o BTLG11.
O reinvestimento é aconselhável porque, no mundo das finanças, deixar de ganhar é o mesmo que perder. Fora aquilo que você tem separado para a sagrada reserva de emergência, deixar dinheiro parado é como ter um funcionário improdutivo. Por isso, se você ainda tem longos anos até a aposentadoria, deve pensar a sério em manter seu dinheiro trabalhando para ser o funcionário do mês. Feito isso, dá para pular para a próxima fase.
Dividendos de empresas
Ações existem para pagar dividendos. O propósito final de virar sócio de uma companhia é receber uma parte dos lucros dela. A questão é que umas são mais generosas com os acionistas do que outras, e é isso que você precisa saber se pretende extrair renda passiva como acionista.
É que dá para separar as empresas em dois grupos: as que crescem e as que não têm mais muito para onde expandir. O primeiro grupo distribui a menor fatia possível do lucro e o resto vai para reinvestir no negócio. Isso é bom, já que a ideia é produzir lucros ainda maiores, o que faz o valor da ação subir. Aí você pode ganhar simplesmente vendendo por um valor maior do que pagou. É o que a maior parte dos investidores, grandes ou pequenos, faz. Mas isso não serve se você quer a nossa amiga renda passiva pingando bonitinho na conta.
Não existe uma lei que determine um valor mínimo para pagamento de dividendos. A tradição é distribuir para os acionistas pelo menos 25% dos ganhos no ano. Esse percentual do lucro é chamado de payout. Como todo mundo que tem lucro paga algum dividendo, essa é só a primeira peneira para dividir as companhias mais generosas das menos. Empresa X lucrou R$ 1 bilhão no ano e distribuiu aos acionistas R$ 250 milhões, payout de 25%. Se a empresa tiver 1 bilhão de ações (uma quantidade normal), isso vai dar R$ 0,25 por ação em 12 meses.
E tem quem pague mais de 100%, ou seja, distribua mais do que lucrou. A Petrobras fez isso no ano passado, a BR Distribuidora também. Isso significa que a empresa tirou dinheiro que estava guardado no caixa. Pode ser que anos antes ela tenha feito uma reserva maior para atravessar um período difícil, e agora tenha dinheiro em excesso parado. É comum que empresas em crise façam esses pagamentos extras para dar um afago ao acionista.
Mas também há as que fazem isso por princípio. A elétrica AES Brasil (ex-AES Tietê), apresenta constantemente payouts superiores a 100%, porque um dos objetivos da companhia é gerar dividendos gordos aos acionistas controladores, a AES dos EUA – e os minoritários entram no bonde. Em 2019, por exemplo, pagaram 116% de payout. Deu R$ 0,87 por ação. Naquele ano, era possível comprar ações da empresa por R$ 10. Ou seja: um dividend yield de 8,7%. Maior que o de boa parte dos melhores fundos imobiliários.
Seja como for, o mais importante na hora de buscar bons pagadores de dividendos é mirar em quem tem um negócio consolidado e uma receita inabalável. Pense naquilo que você não tem como cortar do orçamento: luz, água, internet. Empresas dessas áreas contam com uma receita previsível e, ao mesmo tempo, não têm muito onde investir. Simplesmente porque, para que o serviço funcione, o investimento já foi feito de antemão – em torres de transmissão de energia, reservatórios, redes de fibra ótica.
Não é à toa que o setor de energia elétrica ocupa 100% da carteira recomendada de dividendos XP. Mas convém não se atirar de cabeça, já que uma crise no setor (como uma intervenção estatal) derrubaria numa tacada só os seus investimentos. Isso aconteceu em 2012, quando o governo Dilma Rousseff decidiu renegociar os contratos de concessão das elétricas, para forçar uma baixa nas contas de luz. E, dada a sanha intervencionista do governo atual, pode acontecer de novo.
Guilherme Tiglia, analista de ações da Nord Research, ilustra: “Temos os setores elétrico, bancário, alguma coisa de saneamento e indústria na nossa carteira de dividendos”. Como a casa vende relatórios com as ações recomendadas, ele não anuncia ação por ação (como fazem bancos e corretoras). Mas a essência está aí: dar aquela diversificada.
Do setor industrial, bancos e corretoras têm recomendado frequentemente a Metal Leve, uma empresa de autopeças. No financeiro, o mais comum é encontrar ações de seguradoras, que tendem a ter um fluxo de caixa constante e previsível (as que não têm não duram muito no mercado, afinal). Mas precisamos falar sobre bancos também. Itaú e Bradesco têm tanto lucro e de forma tão consistente que se dão ao luxo de pagar dividendos todo mês, como se fossem um fundo imobiliário – empresas comuns, mesmo as mais generosas em termos de dividendos, pagam a cada três meses. Não existem regras para intervalos de pagamento, aliás. O que importa é a soma anual do que pingou na conta e qual foi o rendimento disso.
Bom, como vimos no exemplo da AES Brasil lá em cima, vale a mesma regra dos fundos imobiliários: o dividend yield. Total de dividendos pagos no ano dividido pelo valor da ação = rendimento anual. Nessa conta, a XP estima que um investimento em ações da Copel, a Companhia Paranaense de Energia, pode render 16,5% em 2021. Isso sim é de deixar a Selic comendo poeira.
Claro que a conta depende do valor que você pagar pela ação: estava em R$ 58,58 no final de fevereiro, e a corretora aposta que em um ano valerá R$ 75. Se o cenário se confirmar, quem chegar tarde terá um rendimento um pouco menor. Por isso, a turma que segue a estratégia de dividendos vai às compras quando o mercado cai. Quando a ação fica mais barata, afinal, o
yield aumenta.
A ação da Petrobras, por exemplo, chegou a custar menos de R$ 5 no início de 2016, quando a Lava Jato e anos de venda de combustíveis abaixo dos preços internacionais fizeram com que o mercado temesse pela falência da estatal. Se você tivesse apostado na companhia naquela época e nunca mais mexido no dinheiro, hoje estaria fazendo uma boa grana às custas de pouco investimento. É que, no mês passado, a estatal anunciou pagamento de R$ 0,78 por ação. Isso significa que aqueles seus R$ 5 renderam 15% – um lucro léguas melhor do que o recebido por quem investiu na companhia depois da recuperação. No final de fevereiro, a ação estava a R$ 22, o que dá um yield de 3,5%.
A Eletrobras passou por algo parecido. Lá em 2015, o papel chegou a valer menos de R$ 5, ante os R$ 32 de agora. Passado um período de retenção de lucros para recuperar a companhia, a estatal abriu a torneira. Só no ano passado, o dividendo foi de R$ 2 por ação. Isso equivale a um yield de 40% para quem comprou no pior momento. Ou seja: se alguém tivesse estômago para tolerar uma crise profunda e colocado R$ 100 mil em Eletrobras em 2015, veria cair na conta agora R$ 40 mil por ano, ou R$ 3.300 por mês. Alguém com ainda mais coragem, que tivesse apostado R$ 500 mil, tiraria hoje uma renda mensal de R$ 16,5 mil.
Dito daqui do futuro, deste começo de 2021, parece fácil afirmar que o investidor deveria ter jogado seu suado dinheirinho em empresas em crise. Nada mais estúpido. Quem apostou nas baixas da Eletro e da Petro deu sorte. Só isso. A estratégia mais segura de perseguir bons resultados com dividendos é outra: tempo. Muito tempo.
Nos anos 2000, a ação da Vale era negociada ao redor de R$ 1*, o que dá R$ 3,40 se a gente corrigir pela inflação. Os dividendos de 2020 da companhia somaram quase o dobro disso, R$ 6,73 por ação. Sim, isso dá um yield de quase 200%. Se você tivesse colocado R$ 10 mil em Vale lá no ano 2000, agora teria uma renda mensal de R$ 5.600. Uma aposentadoria próxima à do teto do INSS, a partir de uma aplicação relativamente miúda.
Claro que a conta do mercado financeiro é sempre pelo preço atual da ação. Os R$ 10 mil em Vale lá de trás equivalem a uma fortuna de R$ 1 milhão em ações da companhia hoje – então a tentação de sacar a milha pode ser maior do que a disciplina de ter uma aposentadoria caindo todo mês na sua conta.
O que nós fizemos aqui foi um exercício matemático para ilustrar o poder dos dividendos. Existe um outro exagero nos nossos exemplos: dificilmente alguém comprará R$ 500 mil em ações de uma vez só. O natural é que isso seja feito aos poucos, ao longo de vários anos, conforme você reinveste os dividendos recebidos até formar um bom colchão financeiro, e aí seu preço médio de compra não será aquele da Eletrobras ou da Petrobras a R$ 5, e seu yield será menos mágico.
Mas tranquilo. O que importa, no final, é saber que existe meritocracia no mercado financeiro. Se seu dinheiro trabalhar direitinho ao longo dos anos, um dia será promovido a CEO. E aí quem pode parar de trabalhar é você. Ele não: dinheiro não se aposenta.
Ah, claro. Também dá para entrar no mundo da renda passiva via títulos públicos, que você compra pelo Tesouro Direto. São dois os tipos de título que fazem dinheiro cair na sua conta periodicamente: o Tesouro Prefixado com juros semestrais e o Tesouro IPCA+ com juros semestrais. Quanto vai pingar no banco? Cada título do Tesouro Prefixado paga R$ 48,80 (menos IR) de seis em seis meses. Quanto custa esse título? O Prefixado com vencimento em 2031 saía por R$ 1.100 no começo de março. Ao final de dez anos, você pega de volta R$ 1.000, mas antes terá caído R$ 822 líquido na sua conta. Compre 100 títulos, e você receberá o equivalente a R$ 684 por mês. O perigo: se a inflação explodir, o poder de compra do que você pegar de volta daqui a dez anos será irrisório. Para evitar esse risco, há o Tesouro IPCA+ com juros semestrais. Grosso modo, um juro de 2,96% do que você tiver investido cai na sua conta a cada seis meses até o vencimento (2030, por exemplo). Dá mais ou menos R$ 500 mensais no caso de uma aplicação de R$ 100 mil. A diferença é que o valor do título é corrigido pela inflação. Se o IPCA explodir até a data de vencimento, você fica protegido. Nas duas modalidades, porém, você deixa de ganhar com os juros compostos. Mau negócio se você estiver poupando para a aposentadoria.