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Vale a pena investir em Localiza (RENT3)?

Ela já era a maior locadora de veículos do país – e levantou na bolsa R$ 4,5 bilhões em junho para continuar a crescer. Entenda por que tantos analistas apostam alto na empresa. E saiba quais são os desafios que ela tem pela frente.

Por Tássia Kastner | Design: Kauan Machado
Atualizado em 21 out 2024, 10h17 - Publicado em 10 nov 2023, 06h01
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 (Divulgação/VOCÊ S/A)
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Quando a Localiza decidiu captar R$ 4,5 bilhões na bolsa, em junho deste ano, ela estava em uma situação privilegiada. Até ali, a B3 havia registrado sete operações dessas no ano, divididas, grosso modo, em dois tipos de empresas: as que precisavam de dinheiro para aliviar suas dívidas, caso de Hapvida e CVC, ou então aquelas em que grandes acionistas queriam pular fora do barco, caso de Assaí e Smartfit.

Não era a situação da locadora de veículos. O único objetivo ali era reforçar o caixa para acelerar as compras de veículos para sua frota. Ou seja, ela queria dinheiro para expansão dos negócios, e levantou o bastante para adquirir algo como 50 mil carros.

Foi a maior oferta de ações do ano até ali e, no fim de outubro, apenas outros dois follow-ons bateram a marca: a Copel, durante a privatização (acionista pesado saindo), e a endividada BRF.

Não só isso. Os novos papéis foram vendidos a preço de mercado, os R$ 66,64 do fechamento do dia anterior, sem o desconto tradicionalmente exigido por quem entra em uma emissão do tipo. A lógica é simples: se vou pagar o mesmo preço, posso comprar num home broker, não preciso me inscrever numa emissão de ações. Foi uma exceção. 

Logo depois, RENT3 continuou subindo até atingir o patamar de R$ 70,33, em 21 de julho. Dali pra frente, não apenas a companhia, mas o mercado como um todo virou a chave. A queda acumulada desde então é de 28%.

Só que a Localiza é uma daquelas ações que parecem unanimidade. De 15 bancos e casas de análise que acompanham a empresa, 13 recomendam a compra do papel – as exceções são Banco do Brasil, neutro, e Citi, que sugere venda. O BTG Pactual é o mais otimista, com preço-alvo a R$ 90, o que significaria uma valorização de 78%. A maioria das projeções fica entre R$ 70 e R$ 80 – por essa média (R$ 75), seria uma alta de 49%. 

Para entender o porquê desse otimismo, vamos primeiro mergulhar no negócio da locadora.

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95% da remuneração aos acionistas foi paga via JCP. Investidores temem que novas regras diminuam os pagamentos.

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(ARTE/VOCÊ S/A)

Rent-a-car

Em 2012, 3,6 milhões de carros foram emplacados no Brasil. Em 2022, só 1,9 milhão. Isso mostra que as pessoas estão menos inclinadas a comprar automóveis – talvez por um combo de crise econômica, inflação fora da curva dos veículos novos e usados mais o fato, inexorável, de que a ideia de ter um carro na garagem já não tem o mesmo apelo que teve um dia.

Surfando na decadência da posse de veículos, o setor de locação faturou R$ 36,8 bilhões no ano passado, segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). 

Foi um crescimento de 56,6% na comparação com 2021 e o dobro do resultado de 2020, o primeiro ano da pandemia. E o ano pandêmico é importante pelo seguinte: no começo, as locadoras foram massacradas pelas medidas de restrição de circulação. 

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Mas até o fim daquele ano houve outra mudança de comportamento: mais gente sem carro próprio entendeu que alugar era o jeito seguro de se sair um pouco da cidade para desopilar. A demanda saltou e chegou a faltar veículo.

A Abla calcula que 69,3 milhões de brasileiros tenham locado carro em 2022, um salto de 200% em comparação com os 23 milhões de 2016. Em 2018, a base já havia praticamente dobrado. Naquele ano, a Uber firmou convênios com locadoras de veículos para que motoristas sem carro próprio pudessem atuar no app. 

A receita da Localiza é segregada em duas partes: rent-a-car (aluguel) e gestão de frotas. No primeiro entram os aluguéis de quem chega num aeroporto e pega um veículo, por exemplo, e também os motoristas de aplicativo. Em gestão de frotas estão os contratos de longo prazo com empresas e também os carros por assinatura, uma unidade de negócio em expansão. 

De qualquer forma, a Localiza não subsegmenta essas categorias, de modo que não é possível saber qual foi o papel da Uber, por exemplo, na expansão da empresa, nem quão relevantes os carros por assinatura são atualmente para a receita.

No segundo trimestre, a companhia faturou R$ 1,9 bilhão na divisão de aluguel e R$ 1,6 bilhão em gestão de frotas. O relativo equilíbrio entre receitas é uma novidade – que veio por conta da aquisição da Unidas.

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Seminovos são parte importante do negócio da Localiza. Mas a margem da operação deve estagnar em apenas 2%.

 

 

Ganha-ganha

A Localiza é líder de mercado, com 587,4 mil veículos. A Movida, segunda colocada, tem 240 mil carros. O gap, que já era grande, cresceu após a Localiza comprar a Unidas, em operação que foi concretizada em julho do ano passado.

A fusão precisou passar pelo crivo do CADE, o órgão antimonopólio. Para aprovar o negócio, o conselho decidiu que as empresas deveriam se desfazer de 49 mil carros, vendidos a um único concorrente, que teria direito de usar a marca Unidas também. 

Quando a operação foi anunciada, em 2020, analistas de ações chegaram a estimar que a junção das levaria a nova companhia a deter 60% do mercado. Não existem dados públicos de market share no setor. De qualquer forma, a Abla diz que havia 1,4 milhão de veículos licenciados para locadoras em 2022, o que daria à Localiza uma participação de 42%.

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O pulo do gato é o seguinte: até a fusão com a Unidas, a Localiza tinha 270 mil carros, 200 mil deles destinados a aluguel e apenas 70 mil no segmento de gestão de frotas. Agora, é praticamente meio a meio. Dos 587 mil veículos, 277 mil estão em aluguel e 252 mil em frotas.

No aluguel, as diárias são mais elevadas, uma média de R$ 119 no segundo trimestre, enquanto no setor de frotas um veículo rende R$ 81 por dia. Por outro lado, a taxa de utilização dos veículos é menor no aluguel. Dá 77% x 95%. Isso porque o sistema de frotas tem contratos de longo prazo, portanto está menos sujeito às oscilações de curto prazo da economia e às temporadas de férias. Nos dois casos, de qualquer jeito, o negócio depende da compra – e da venda – de carros.

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Seminovos

Não é só o seu carro que desvaloriza assim que sai da loja, claro. Locadoras são máquinas de comprar uma coisa que vai perder valor no tempo. Mas elas jogam um jogo diferente: como essas empresas compram milhares de carros de uma vez só, isso dá um poder de barganha na negociação com as montadoras. Os descontos ficam ao redor de 30% sobre o preço cheio, aquele que você vê na concessionária e que serve de referência para o mercado.

Ou seja, ela larga na frente nessa corrida – que ainda é maluca, já que a tarefa é evitar que os ativos da companhia virem pó.

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Essa é a essência do mercado de seminovos, um pedaço importante do negócio da Localiza. A ideia é revender os carros antes de eles completarem três anos – a idade média da frota é de 12 meses (para aluguel) e 18 meses (em gestão de frotas). 

O foco é garantir que a venda acontecerá com algum lucro, e, quanto mais o tempo passa, mais o carro deprecia. É um negócio de margens apertadas. A margem Ebitda dessa operação é de 2,7%, contra 66,8% em aluguéis e frotas.

Ou seja: é tudo no ajuste fino. E que foi desarranjado pelo programa do governo que ofereceu desconto na compra de carros populares. Inicialmente, o benefício era apenas para pessoa física, o que significava, na prática, que o desconto tradicionalmente dado às locadoras deixaria de ser atrativo. 

Aí a Localiza segurou as compras. Ao mesmo tempo em que não podia comprar carros, porque pagaria relativamente caro por eles (sem o desconto do governo), também precisou tirar o pé nas vendas de seminovos, tanto para não encolher a frota quanto porque o preço do carro usado diminui quando o do novo baixa. 

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A taxa de utilização dos carros de aluguel está em 77%. E a empresa tem investido para simplificar retirada de veículos em áreas de movimento, como aeroportos. (Divulgação/VOCÊ S/A)

Só um lado dessa equação se ajustou. No fim de junho, o governo liberou empresas para entrarem no programa, e a Localiza arrematou 23 mil carros com desconto. No lado dos seminovos, a companhia calculou uma perda de R$ 631 milhões no valor que conseguirá reaver quando vender seus carros. Esse desarranjo foi um dos motivos que levou a Localiza a fechar o segundo trimestre com prejuízo (-R$ 88,8 milhões, contra um lucro de R$ 456,7 milhões um ano antes).

A virada pega investidores no contrapé porque em 2021 a margem nas vendas de seminovos beirou gloriosos 20%. Foi uma situação atípica. Logo depois da pandemia, a indústria automotiva precisou frear a produção por falta de peças, um reflexo dos problemas logísticos causados pelas medidas sanitárias. 

Faltou carro zero, o que fez o consumidor ir para a próxima etapa na cadeia: os seminovos. Dois anos depois, em 2023, viveu-se o oposto, com os preços dos seminovos em queda.  

Para os analistas do Itaú BBA, porém, essa é uma questão praticamente encerrada. Em relatório, eles argumentam que já não há mais espaço para queda nos preços dos veículos. 

Com a página virada, o banco espera que o lucro anual da Localiza dobre em 2024, alcançando a faixa de R$ 3,95 bilhões. Esse é o consenso de mercado, de acordo com a Bloomberg.

Mas, depois da frustração com 2023, as recomendações têm sido acompanhadas de mais cautela. O Goldman Sachs chegou a fazer uma simulação para o lucro da Localiza caso o governo consiga emplacar o fim do Juro Sobre Capital Próprio, o instrumento de distribuição de resultados que reduz a base de cálculo de IR. 

Nos últimos cinco anos, 95% da remuneração aos acionistas foi via JCP. Na estimativa do banco, com o eventual fim dessa modalidade de proventos, o lucro de 2024 seria 12% menor que o estimado, em R$ 3,467 bilhões (já que as despesas com impostos subiriam).

O governo chegou a negociar a inclusão de mudanças no JCP dentro do projeto de lei que passa a taxar fundos offshore e exclusivos. A alteração ficou de fora e não há previsão de quando ela seria enviada ao Congresso.

Isso sem falar na própria reforma tributária, cujos impactos também começam a ser estimados por analistas.

O curioso dessa discussão é o seguinte: a conclusão dos analistas é que, se de fato houver um aumento de tributação, a companhia lançaria mão de seu poder de mercado e aumentaria preços para manter a rentabilidade. 

Para arrematar, analistas consideram que a ação está barata, isso baseados no P/L, o indicador que divide o valor de mercado pelo lucro em 12 meses. O que eles dizem é: com o lucro projetado para 2024, o P/L da companhia está em 17, abaixo da média histórica.

Já olhando para o P/L atual, baseado no lucro dos últimos 12 meses, o indicador está em 40. Por esse prisma, trata-se de uma ação cara, mesmo depois de ter perdido quase um terço do valor nos últimos meses. E aí está a chave da questão: para comprar Localiza, você precisa estar tão confiante quanto os analistas de que não há buracos nas avenidas que podem levar ao crescimento da companhia.

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Loja da Localiza no aeroporto de Congonhas. Até a compra da Unidas, a companhia gerava a maior parte do seu resultado com aluguel por diárias, caso de quem pega um carro nas férias. (Divulgação/VOCÊ S/A)
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