Descubra se trabalhar sem chefe é uma boa ideia para você
A proposta é atraente, mas ser funcionário de uma empresa sem hierarquias pode não combinar com o seu ideal de carreira
Ninguém manda em ninguém, mas todo mundo é responsável por todo mundo na Vagas, empresa de recrutamento online em São Paulo.
As decisões sobre qualquer assunto acontecem em conjunto e não existem cargos entre os 137 funcionários – nem os fundadores carregam no crachá o título de presidente. Consenso, ali, não significa democracia, em que a maioria vence. Na Vagas, todos precisam chegar ao mesmo veredicto.
Parece complicado, mas esse modelo de gestão horizontal tem regras para não desandar. “Quando alguém quer fazer mudanças que afetam os outros, deve chamar uma reunião com as áreas envolvidas e, dependendo da complexidade, um dos sócios”, afirma Denise Bojikian, especialista em RH da Vagas. Ao fim da conversa, precisa haver um acordo, mesmo entre quem pensa diferente. “Sempre há opiniões divergentes. Mas as pessoas concordam em consentir: apesar de não olharem o assunto da forma proposta, elas se comprometem a trabalhar para que o projeto dê certo”, diz Denise.
A ata do encontro vai para a intranet, com um prazo determinado para que qualquer funcionário possa contestar a decisão tomada. Se ninguém se opuser, a deliberação segue em frente. Caso contrário, uma nova análise é feita. “Propostas mais simples, que tenham menos impacto na companhia, podem ir diretamente para a etapa da intranet, sem a necessidade de reunião”, afirma Denise. A ideia é que os profissionais cheguem às melhores decisões para o negócio e não que busquem apenas aprovar a própria ideia.
Menos hierarquias
Diminuir hierarquias é uma tendência no mundo corporativo. “As empresas buscam cada vez mais agilidade nos processos e na tomada de decisões”, afirma Anna Cherubina Scofano, professora e coordenadora acadêmica da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro. “Enxugar níveis aumenta o engajamento dos funcionários, que passam a ser ouvidos e a participar das deliberações.”
No modelo mais radical, em que não há cargos na empresa toda, um aprende com o outro, desde que tenha o perfil para ser feliz fazendo isso. “Profissionais mais autônomos se dão melhor, porque esse sistema parte da premissa é que é responsabilidade das próprias equipes se autogerenciarem”, diz Samir Lótfi Vaz, especialista em estratégia e arquitetura organizacional da Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte. “É preciso também ter proatividade, para não depender de uma linha clara de comando, e facilidade de relacionamento, negociação e comunicação, porque o processo exige mais cooperação e muita coordenação entre as áreas.”
Respeito aos outros
Maturidade emocional vira pré-requisito para atuar nesse sistema: o primeiro mandamento da vida sem chefe é praticar o desapego. O segundo é saber ouvir e fazer críticas. “A gestão horizontal testa o tempo todo o respeito ao outro, a capacidade de adaptação, a flexibilidade, a abertura a mudanças”, diz Anna, da FGV. Ter habilidade para trabalhar em equipe, nesse contexto, é mais do que uma competência desejável – é questão de sobrevivência. E tem gente que não se encaixa.
Tanto na Vagas quanto na Verte, empresa paulista de viagens, eventos e comunicação que adotou o modelo no ano passado, houve casos de profissionais que deixaram a companhia por não estarem em sintonia com o novo sistema. “Alguns saíram ou foram desligados porque queriam fazer somente aquilo que antigamente estava na descrição do cargo”, afirma Erica Isomura, consultora especializada em gestão compartilhada da Verte.
Na empresa, hoje com 40 funcionários, não há cargos nem departamentos. Os profissionais são agrupados por projetos e os líderes mudam a cada demanda, de acordo com suas competências para aquele trabalho. “O desafio não é alterar a forma de trabalhar, mas, sim, o jeito de pensar”, diz Sandra Rossi, fundadora da Verte. “Saem de cena as certezas de cada um e entram as descobertas coletivas diárias.”
Tanto Sandra e Erica quanto Denise, da Vagas, acreditam que a gestão horizontal não é a melhor opção para todas as empresas e profissionais. É apenas um sistema de trabalho, com ônus e bônus inerentes. Um modelo que pode não combinar com o seu ideal de realização profissional.
PARA SE DAR BEM
O perfil de quem costuma ser feliz trabalhando sem chefe e de quem pode achar a experiência um inferno.
É uma boa se você…
- Está disposto a reconsiderar suas opiniões
- Sabe fazer críticas
- Gosta mesmo de trabalhar em equipe
- Administra bem o próprio tempo
- Acha que liderança não tem a ver com poder
Não é uma boa se você…
- Considera difícil abrir mão de uma boa ideia
- Acha motivador conquistar posições de liderança
- Não gosta de intromissões no seu trabalho
- É mais feliz desempenhando funções previstas na descrição do seu cargo
- Não fica à vontade quando alguém menos experiente questiona suas decisões
Fontes: Anna Cherubina Scofano, da FGV/RJ; Samir Lótfi Vaz, da Fundação Dom Cabral; Denise Bojikian, da Vagas; Sandra Rossi e Erica Isomura, da Verte.