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Pinóquio corporativo: como lidar com colegas e chefes mentirosos

Mentir é humano, mas tem limite. Entenda até onde isso é aceitável nas relações de trabalho e quando pode ter consequências sérias

Por Marcia Di Domenico, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 15h35 - Publicado em 31 jul 2019, 06h00
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Homem com nariz de pinóquio, mentiroso, mentira, mentir (SIphotography/Thinkstock)
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Fale a verdade: você já contou alguma mentira no trabalho? Você pode não se lembrar ou não querer admitir, mas o mais provável é que sim. Quem garante são os especialistas em comportamento, que definem a mentira como uma espécie de estratégia de defesa necessária à sobrevivência em sociedade.

“Onde houver relações humanas haverá mentira”, diz Luiz Scocca, psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Falar a verdade o tempo inteiro é tão raro quanto seria contraproducente para uma boa socialização.”

Há quem diga que a presença da mentira obedece ao princípio de Pareto (também conhecido como regra dos 80/20): 20% das pessoas contam 80% das lorotas e os 80% restantes falam os outros 20%. Ou seja, uns inventam mais, outros menos, mas todo mundo mente.

No contexto do trabalho não poderia ser diferente. Valorizar o currículo com experiências e habilidades e maquiar pontos fracos e deslizes na carreira são clássicos. Um levantamento recente da DNA Outplacement revelou que 75% dos brasileiros mentem no CV.

Informações sobre o salário no último emprego, domínio de inglês, tempo de inatividade e qualificações de ensino são as principais inverdades. Mesmo prevista pelos recrutadores, a prática pode custar caro. Em uma pesquisa deste ano da consultoria de recolocação Robert Half, 33% dos executivos disseram ter descartado candidatos no processo seletivo ao perceberem que não falavam a verdade.

De estagiários a executivos, o que pode variar é o grau de elaboração, mas todos mentem. Nem autoridades e profissionais altamente qualificados escapam.

Há pouco tempo, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e a professora e pesquisadora Joana D’Arc Félix de Sousa viraram notícia por terem inflado o currículo com títulos que, na verdade, não têm — ele, o diploma de doutorado em direito; e ela, de pós-doutorado na área de química, ambos pela Universidade Harvard, uma das mais prestigiadas do mundo.

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Sem explicar muito bem a manobra, depois de flagrados, os dois apenas corrigiram a informação na plataforma de currículos na internet, mas o filme já estava queimado.

Para Marcela Esteves, gerente de recrutamento da Robert Half, nenhuma mentira está liberada quando se está buscando uma vaga. “Nem o nervosismo ou a pressão pela necessidade do emprego podem justificar faltar com a verdade.

A rotina profissional é repleta de situações que colocam o indivíduo sob tensão e, se ele mente na entrevista, entende-se que vai agir do mesmo modo no dia a dia de suas funções”, avalia.

Mas nem toda mentira deve ser julgada pelo viés moral. Pense naquela vez que você inventou uma pendência para escapar do almoço ou café com o colega chato. Ou quando tranquilizou o chefe dizendo que estava terminando uma tarefa que nem sequer tinha começado.

Ou quando deixou de dar uma opinião sincera sobre a roupa, o corte de cabelo ou uma ideia de alguém. São exemplos de mentiras sociais, quase sempre inofensivas e necessárias para manter girando a roda dos relacionamentos.

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Por que inventamos?

Cada um tem uma motivação: uns para obter vantagens, outros para se sentirem valorizados; uns para evitar algum conflito, outros para ser aceitos no grupo. Na maioria das vezes, o que está em jogo é a segurança e a autoestima.

Há, é claro, mentirosos mal-intencionados, que manipulam pessoas e informações de olho em objetivos pessoais. A servidora pública Ângela*, de 43 anos, chegou a ser exonerada do órgão em que atuava em um dos ministérios do governo federal por causa das invenções de uma subordinada.

Há quatro anos, quando a mãe de Ângela faleceu, ela tirou o período de licença a que tinha direito. Depois de alguns dias afastada, a subordinada levou ao coordenador que a chefe não ia trabalhar há dias e que havia deixado projetos pendentes. Sem checar a situação no RH, o gestor acabou não só dispensando Ângela como promovendo a subordinada ao cargo dela.

O emprego — em outra posição — foi recuperado em algumas semanas, mas para isso foi preciso ameaçar com um processo e reunir outras vítimas das mentiras da funcionária: um estagiário acusado de furto, outra que levou fama por intriga e até a moça do cafezinho, acusada de falta de higiene quando, na verdade, era a outra, dissimulada, que a boicotava jogando sujeira na bebida.

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Como agir com um colega, subordinado ou líder mentiroso vai depender da mentira, do autor dela e das consequências para as pessoas e aos interesses da companhia.

O mesmo vale para a punição aplicada. No universo das corporações, o prejuízo de faltar com a verdade pode render desde uma advertência ou suspensão temporária até a dispensa do funcionário.

Pelo Artigo no 482 da CLT, atos de improbidade validam a demissão por justa causa. Ações ou omissões desonestas por parte do candidato ou empregado — como inventar uma morte ou doença para justificar falta ou apresentar documentos falsos, de atestados médicos a certificados de ensino, por exemplo — encaixam o trabalhador nessa categoria.

A punição está prevista em lei, mas a decisão de aplicá-la cabe ao empregador. De qualquer forma, sempre que uma mentira é contada no trabalho, o maior prejudicado é o autor dela.

“Primeiro, porque ele sabe que mentiu, e o medo de ser desmascarado pode se transformar em estresse e insegurança, prejudicando o bem-estar e a produtividade do trabalhador”, diz Adriana Fellipelli, CEO da consultoria em desenvolvimento humano Fellipelli.

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Além disso, o mais comum é que equipe e gestor percebam o comportamento mentiroso, ainda mais quando é recorrente. “Isso coloca em dúvida o caráter e a credibilidade do colaborador, muitas vezes de forma irreversível.

Talvez ele não seja despedido, mas poderá ser mais cobrado, rebaixado ou até excluído de projetos e processos, o que também dificultará a vida dele no ambiente profissional”, diz Nathana Lacerda, especialista em imagem e reputação.

O indivíduo tem sempre a escolha entre dizer a verdade e mentir, mas os especialistas destacam que os líderes têm responsabilidade na criação de ambientes à prova de desonestidade e subterfúgios.

“Culturas organizacionais pouco abertas a aceitar o erro como parte do aprendizado acabam estimulando a mentira”, afirma Mario Junior, sócio da S2, consultoria especializada em investigações corporativas e prevenção de fraudes nas empresas.

Ele cita, ainda, hierarquias rígidas demais, alta pressão por resultados e gestores pouco acessíveis como fomentadores de insegurança. É claro que nada disso isenta o profissional do compromisso de ser honesto.

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“Valorizar a transparência e a vulnerabilidade ao erro, assim como desenvolver nas equipes a consciência de que a confiança é a base das relações de trabalho saudáveis, evitaria mentiras e desgastes causados por delas”, afirma Adriana Fellipelli.

 

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(Ilustração: Weberson Santiago/VOCÊ S/A)

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Os dois lados da tecnologia

Nunca se mentiu tanto quanto após o surgimento do e-mail e das redes sociais. Três vezes mais na comunicação por mensagens de texto em comparação com o olho no olho. Por e-mail, cinco vezes mais. Essa foi a conclusão de um estudo feito por psicólogos da Universidade de Massachusetts Amherst.

Para os pesquisadores, a tecnologia permite uma distância psicológica maior do que a física, o que alimenta a falsidade. Além disso, estar invisível atrás de uma tela evita ser denunciado pelos sinais não verbais, como a timidez e o nervosismo aparentes.

Por outro lado, as redes sociais podem se tornar uma armadilha para pegar mentirosos no pulo. Quem sabe bem é Gustavo*, de 31 anos, que trabalha no atendimento de uma agência de marketing esportivo.

Na empresa era vetado aos empregados aceitar presentes de clientes e parceiros. Regra que a gerente de Gustavo desrespeitou algumas vezes, até que foi denunciada por si mesma ao postar uma foto durante uma viagem oferecida por um potencial cliente.

Quem percebeu, e chamou Gustavo para explicações, foi o diretor-geral da companhia. “Como eu era do atendimento, primeira interface da agência com o cliente, o gestor imaginou que eu tivesse recebido e repassado o benefício, o que não havia acontecido”, lembra.

A própria gerente admitiu o erro e tentou minimizá-lo dizendo que estava “fazendo relacionamento”. Enquanto Gustavo engoliu a seco a sensação de humilhação e desrespeito, ela foi demitida algum tempo depois.

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