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A arte do short selling

Vender ações que você não possui, na esperança de comprar mais barato depois, pagar a dívida e embolsar a diferença, é uma prática que remonta à origem das bolsas, no século 17. Veja dois casos ilustres.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 18 out 2024, 14h05 - Publicado em 11 nov 2022, 05h27
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 (Joana Fraga/VOCÊ S/A)
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Don’t sell the skin till you have caught the bear – “não venda a pele antes de ter caçado o urso”. Trata-se de um provérbio inglês do século 15. E é um daqueles eternos, que serve para qualquer pessoa, em qualquer tempo. A não ser que você faça parte do mercado financeiro. Porque no mundo das ações, você sabe, é do jogo vender pele de urso antes de ter arranjado um urso

É a venda a descoberto, o ato de vender algo que você não possui. Em inglês, short selling – quando você está short of alguma coisa, quer dizer que você não tem aquela coisa; então o sentido é justamente “vender o que você não tem”. 

E por que vender o que você não tem? Para comprar depois por um preço mais baixo. Você vende uma ação por R$ 100 e combina de entregar dali a, tipo, um mês. Se você der sorte e o papel cair nesse meio tempo, ótimo. Você compra por, tipo, R$ 80, entrega a ação que vendeu por R$ 100 e fica com a diferença. Vintão de lucro.    

O bilionário George Soros fez história com uma operação assim em setembro de 1992. Não com ações, mas com moedas. Ele vendeu 5,4 bilhões de libras que não tinha, a um preço médio de US$ 1,85 cada uma. Recebeu US$ 10 bilhões. Legal. Mas ainda faltava caçar o urso, ou seja, comprar libras no mercado para entregar aos compradores. Dica: para entender direitinho a jogada, pense nas libras não como uma moeda, mas como um produto. Uma coisa pela qual Soros pagou US$ 1,85 a unidade. 

Bom, se a cotação subisse para uns US$ 1,90, Soros estaria lascado. Precisaria gastar os US$ 10 bilhões que recebeu e tirar outros US$ 250 milhões do bolso para “encerrar a posição”.

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Mas não foi o que aconteceu. E nem era o que Soros esperava, claro. Ele fez a venda a descoberto torcendo por uma queda da libra. Que se deu. Dali a um mês a cotação da moeda britânica tinha caído 10%, para US$ 1,67. Agora, bastavam US$ 9 bilhões para comprar as 5,4 bilhões de libras. Soros comprou, entregou e ficou com a diferença. US$ 1 bilhão de lucro. 

Genial, mas não exatamente original. O short selling no mercado de câmbio talvez seja tão antigo quanto o dinheiro. No caso do mercado de ações, pelo menos, é isso mesmo. A venda a descoberto é realmente tão antiga quanto as ações. 

A primeira empresa de capital aberto da história foi a Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC na sigla em holandês). Ela surgiu na Amsterdã de 1602 com o propósito realizar expedições navais em busca de especiarias – o grande negócio da época. 1.143 pessoas compraram ações no IPO. 80 delas viraram acionistas graúdos, com posições de mais de 10 mil guildas (o dinheiro holandês da época). E um deles se tornou o majoritário: o belga Isaac Le Maire, com 85 mil guildas. Ele assumiu a posição de diretor-chefe da empresa, mas não era o controlador. Sua fatia, mesmo sendo a maior, correspondia a apenas 1,3% do market cap.    

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Em 1605, Le Maire desentendeu-se com o resto da diretoria e acabou convidado a retirar-se da empresa. Vendeu seus papéis e, em 1609, foi para a França buscar investidores para uma nova companhia de navegação. Aí teve uma ideia brilhante. De volta a Amsterdã, passou a vender ações que não tinha da VOC. Short selling. 

Ele imaginava que o eventual surgimento de uma concorrente francesa, sob seu comando, causaria uma baixa violenta nos papéis da VOC. E aí, na hora de entregar as ações, bastaria comprar mais barato no mercado e ficar com a diferença. Não deu certo – a concorrente não saiu do papel, e as ações da VOC se mantiveram estáveis. Le Maire ficou no prejuízo. 

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Mas isso não desencorajou outros investidores a tentarem o mesmo tipo de aposta – fosse contra a VOC, fosse contra qualquer uma das zilhões de empresas que surgiram nos últimos 420 anos. Começava ali a história da venda a descoberto no mercado de capitais. Uma prática que, riscos à parte, hoje está ao alcance de qualquer pessoa com acesso a um home broker. Veja mais na nossa reportagem de capa, feita pela editora Tássia Kastner. E bons negócios – seja pelo time dos touros, seja pelo time dos ursos.

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