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A ressurreição dos FIIs de tijolos

A pandemia, seguida pelos juros altos, derrubou o preço dos fundos imobiliários que investem diretamente no aluguel de prédios de escritório, shoppings e galpões. Mas agora eles voltam a ganhar terreno, e encabeçam uma alta de 15% do Ifix desde abril.

Por Camila Barros | Design: Juliana Krauss e Tamires Mazzo | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 15 ago 2023, 13h52 - Publicado em 11 ago 2023, 06h14
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 (Arte/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)
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o Brasil, investir em imóveis é quase um traço cultural. Eles são tradicionalmente vistos como uma aplicação segura: o dinheiro fica alocado em um bem real, palpável. Aí não há risco de perder o dinheiro em caso de crise sistêmica. Como já disse Tony Soprano: “Invista em imóveis. Deus não está fazendo novos terrenos”.

Só que montar um portfólio de propriedades é algo fora do alcance de quem não tem uma piscina olímpica de dinheiro à disposição, claro. Daí a atratividade dos fundos imobiliários – ativos que pagam dividendos a partir do aluguel de imóveis, sem que você precise adquirir a totalidade de algum, só um pedacinho.

Esse tipo de investimento passou por um boom de popularidade no Brasil em 2019, período em que o Banco Central retomou um ciclo de afrouxamento monetário, derrubando a Selic de 6,5% para 4,5% ao final do ano, e com viés de baixa para os próximos. Naquela época, o número de novos cotistas de FIIs mais do que triplicou na B3.

É que a atratividade dos fundos imobiliários dança um tango com a taxa de juros: quando um vai para frente, o outro vai para trás. Com a Selic em alta, os FIIs tendem a empolgar menos. E vice-versa: juros lá em baixo, FIIs lá em cima.

Mas esse tango tem um delay. FIIs também sobem com juros na estratosfera – pelo menos quando se consolida a ideia de que, mais hora menos hora, a Selic entrará em queda livre.

É exatamente o que aconteceu no primeiro trimestre. Mesmo com a Selic pagando bem mais do que um aluguel tradicionalmente paga, os FIIs voltaram a florir. E em junho de 2023 alcançaram o recorde histórico: 2,2 milhões de cotistas.

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(Arte/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Trata-se de um mercado formado majoritariamente por pessoas físicas: do valor total alocado em FIIs durante o mês de junho, 74,9% pertencia a investidores individuais, contra 18,7% de investidores institucionais.

Nos primeiros seis meses de 2023, entraram 206 mil novos investidores. Isso bombou a valorização das cotas, que varia ao sabor da demanda, tal como ações de empresas. O Ifix, índice que acompanha o desempenho dos principais fundos imobiliários do mercado brasileiro, subiu 10% no período – mais do que os 7,6% do Ibovespa. E alcançou o maior nível desde janeiro de 2020, pouco antes de a pandemia pesar sobre esse mercado.

(Obs: o Ifix considera, ao mesmo tempo, a cotação dos FIIs e o valor dos dividendos distribuídos por eles. Ou seja, o desempenho aqui depende tanto da valorização da cota quanto do retorno com dividendos.)

Fundos imobiliários dançam um tango com a Selic.

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Para entender melhor o que está acontecendo, é preciso dar um passinho para trás e compreender a dinâmica dos fundos imobiliários. Eles se dividem em dois tipos principais: os de tijolo e os de papel.

Os fundos de tijolo são donos diretos de imóveis – os mais populares são de shoppings, galpões e escritórios (“lajes corporativas” no jargão). Mas tem outras categorias também, tipo prédios residenciais, salas hospitalares e terras agrícolas.

Esses fundos amealham cotistas para comprar imóveis em conjunto. Aí ganham dinheiro com a locação desses espaços e distribuem boa parte do valor na forma de dividendos para os cotistas. Por lei, os fundos imobiliários (de qualquer natureza) devem distribuir no mínimo 95% de seus lucros a cada semestre – mas criou-se a tradição de reparti-los mensalmente, já que a ideia do dinheiro pingando a cada 30 dias, como acontece num aluguel convencional, é mais sedutora para quem investe.

Já os fundos de papel emprestam dinheiro para negócios relacionados ao mercado imobiliário, comprando títulos de dívida como CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LHs (Letras Hipotecárias). A remuneração desses títulos costuma ser a seguinte: uma taxa de juros em cima do valor emprestado + o IPCA ou o CDI do período.

Nesse caso, os dividendos do fundo são compostos pela remuneração desses títulos.

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Legal. E os fundos de tijolo tiveram uma valorização maior que os de papel neste ano, coisa que não rolava desde 2020.

A alta, como dissemos, tem a ver com as expectativas para o futuro da Selic – e também com a empresa onde você trabalha exigindo a volta do regime presencial. Vejamos.

A queda

O primeiro baque nos FIIs de tijolo veio na pandemia, quando os escritórios e estabelecimentos comerciais fecharam as portas. Ali, a vacância de imóveis comerciais aumentou. Trata-se de uma métrica que acompanha a quantidade de propriedades desocupadas numa região. Também rolou mais inadimplência, já que a paralisação quebrou as pernas do comércio físico.

Sem empresas pagando pelo aluguel dos imóveis, alguns FIIs suspenderam a distribuição mensal de dividendos. Foi o caso, por exemplo, do XP Malls (XPML11), um fundo com participação em 16 shopping centers espalhados por seis estados. O fundo suspendeu sua distribuição entre março e maio de 2020.

Resultado: a partir de março daquele ano, os FIIs de tijolo, que até então estavam desempenhando melhor do que a média do Ifix, ficaram para trás. Claro: um fundo imobiliário sem inquilinos é como uma fábrica sem linha de produção. Perde o sentido como investimento. O medo de um encerramento em massa nos contratos de aluguel destruiu a demanda por FIIs de shoppings e de lajes corporativas. E o valor das cotas foi para o chão.

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O segundo revés rolou com o início do ciclo de alta da Selic. É que, com os títulos públicos pagando mais, diminuiu o interesse do mercado por ativos de renda variável – incluindo FIIs.

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Um comparativo para ilustrar: o CSHG Logística (HGLG11) é o FII de tijolo com maior número de cotistas na bolsa, e tem um portfólio composto por 17 galpões de logística. Suponha que você tenha colocado R$ 10.000 em HGLG11 em janeiro de 2020, quando cada cota valia R$ 191,50. Daria 52 cotas que, ao final do ano, teriam rendido R$ 11,03 cada uma.

Isso dá 5,76% de dividend yield– uma métrica que divide o rendimento anual do fundo pelo preço que você pagou pelo ativo. Ao fim de 2020, seus R$ 10 mil investidos teriam rendido R$ 573 – sem imposto, já que os FIIs são isentos.

No mesmo período, um investimento que rende 100% do CDI te daria R$ 227 de lucro – já descontando a alíquota de 17,5% de imposto sobre o rendimento. Veja: neste caso, o FII rendeu mais do que o dobro da renda fixa.

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O cenário passou a mudar a partir de março de 2021, quando o BC engatou um aperto monetário que elevou a Selic em 11,75 pontos percentuais ao longo de 17 meses.

Em 2022, com a Selic já na casa dos dois dígitos, cada R$ 10 mil investidos a 100% do CDI renderam R$ 1.022. Aplicado em HGLG11, o mesmo valor rendeu R$ 957 ao final do ano. Menos que o CDI.

Sem falar na desvalorização da cota. Em 2020, ela caiu 3,5% – um tombo que corrói o investimento inicial, o que não acontece na renda fixa. Desde a cotação do início de 2020, a queda foi de 14%.

Os investidores estavam adotando uma postura natural: migrar o dinheiro para onde ele renderia mais. Já os FIIs de papel foram menos afetados, porque sua remuneração é atrelada justamente ao CDI.

A retomada

Em condições normais de temperatura e pressão, os fundos imobiliários costumam manter certa constância no valor dos dividendos. De novo, peguemos o HGLG11 como exemplo: o fundo distribuiu R$ 1,10 por cota em 20 dos últimos 25 meses.

Faz sentido: esse dinheiro vem de contratos de aluguéis, que costumam ser de longa duração e passar por um período de aviso em caso de rescisão, o que dá tempo para o fundo encontrar novos inquilinos e seguir a vida.

E, como os FIIs são obrigados por lei a distribuir quase a totalidade dos lucros, não sobra muito para reinvestir – como podem fazer as empresas de capital aberto. Logo, o patrimônio dos FIIs não costuma variar da noite para o dia.

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Isso significa que o dividend yield de um FII depende quase que exclusivamente do preço de sua cota. Quanto mais barato você comprar, maior será a porcentagem dos ganhos com os dividendos. Em maio, com a cotação do HGLG11 a R$ 159,11, a remuneração de R$ 1,10 significava um yield de 0,69% ao mês. Anualizando, 8,28%.

Em junho, com a cotação a R$ 167,23, o yield (da mesma remuneração) foi de 0,65% – 7,8% ao ano.

O ponto aqui é o seguinte: a desvalorização dos FIIs de tijolo criou uma janela de oportunidade para quem queria ganhar com eles no longo prazo. Comprando na baixa, o cotista garantiria yields mais parrudos no futuro sobre o capital investido.

A nova onda de investidores começou na segunda metade de 2022, perdeu força no início de 2023 e retomou o fôlego a partir de abril.

FIIs de shopping são os protagonistas da recuperação, com alta de 20% este ano.

Desde então, o Índice Teva de Fundos Imobiliários de Tijolo (que mede o desempenho dos principais fundos do gênero) subiu mais de 20%. No mesmo período, o Teva de FIIs de Papel avançou a metade disso: 10%. O Ifix (que inclui ambas as categorias) acelerou 15%.

É que, de abril para cá, o mercado passou a apostar mais fichas na queda dos juros – movimento que começou agora em agosto, com a redução da Selic em 0,50 p.p. No começo do mês, as apostas do mercado eram: Selic a 12% ao final de 2023; em 2024, 9,50%; 2025, 9,00%.

Num futuro de Selic de volta à casa de um dígito, o mundo da renda variável passa a fazer sentido de novo. E os FIIs de tijolo, com seu apelo de investimento mais “sólido” que os de papel (ou mesmo ações), têm levado vantagem nessa retomada.

Deserto dos escritórios

Tem outro fator que privilegia os fundos de tijolo sobre os de papel a esta altura: eles foram os mais penalizados na pandemia – logo, faz sentido que passem por uma recuperação mais acentuada no pós.

O destaque vai para os FIIs de shopping. Durante a Covid, o negócio praticamente congelou, já que boa parte dos contratos de aluguel são atrelados ao rendimento das lojas. Quanto mais elas vendem, maior a fatia que pagam pelo espaço. Quando não vendem nada, o aluguel cai. Consequentemente, o dividendo dos FIIs também.

Agora, as vendas em shopping centers já voltaram aos níveis pré-pandêmicos. Bom para os FIIs: lembra do XP Malls? Subiu 11% desde abril.

E não só ele: segundo dados compilados pela Teva Índices, o segmento valorizou 20,5% entre janeiro e julho de 2023.

Já os FIIs de galpões logísticos(imóveis usados para estoque de mercadorias) ganharam 14,1% na primeira metade do ano. Esses aqui foram menos castigados, já que puderam se escorar no crescimento do e-commercedurante a quarentena. Com mais compras online, a demanda por espaço para armazenar as encomendas cresceu – e compensou a paralisação do varejo físico.

O segmento de escritórios está 24% abaixo de sua máxima histórica.

Ainda assim, para manter os locatários, os contratos de aluguel do segmento tiveram uma negociação para baixo durante o período. Fernanda Rosalem, head de investimentos da gestora de fundos Paladin, avalia que esses negócios devem ganhar espaço para renegociar seus contratos para cima caso as perspectivas macroeconômicas permaneçam positivas (com juros e inflação embicando para baixo). Ou seja, mais dividendos aos cotistas – daí o aumento da procura.

Os FIIs de escritórios passaram por negociações de contrato semelhantes durante a pandemia. Mas, antes de pensar em reajustes, eles ainda precisam resolver um problema: o vazio de seus imóveis. Não à toa, a recuperação aqui não foi tão acentuada: o levantamento da Teva mostra que o segmento está 24% abaixo de sua máxima histórica – já os de shopping e logística voltaram ao pico.

O fato é que, ao contrário dos shoppings, os escritórios não recuperaram sua ocupação do pré-pandemia. Fenômeno global: um levantamento do Visual Capitalist mostrou que o espaço vago em escritórios nos EUA é equivalente a um prédio de 48 mil andares, alto o suficiente para atravessar a termosfera.

Claro, o trabalho presencial tem voltado aos poucos. Mas a oferta ainda é bem superior à demanda. Segundo um relatório da consultoria imobiliária JLL, são 989 mil m² de imóveis de alto padrão vagos na cidade de São Paulo. Dá uma taxa de vacância de 23,2% – contra 15,1% de antes da pandemia.

Quem puxa a fila são os prédios da Marginal Pinheiros, com 65% do espaço desocupado. Depois vem Chácara Santo Antônio (37%) e Barra Funda (34%). Já os centros financeiros tradicionais seguram a média para baixo: a Faria Lima tem só 5% de seus escritórios vazios. A região do JK, 7%; e a Vila Olímpia, 11%.

“Os ativos corporativos ainda têm chão a percorrer para equilibrar seu valor patrimonial e seu valor de mercado”, diz Fernanda. Vamos dar um mergulho nesses conceitos agora.

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(Arte/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

Como não cair em ciladas

Falamos que os investidores têm aproveitado para garimpar fundos imobiliários subvalorizados. Mas, afinal, como reconhecer um FII barato? Tem uma fórmula pra isso: o P/VP. Você divide o valor de mercado de todas as cotas (P) pelo valor patrimonial (VP) do FII – ou seja, o valor estimado de seus imóveis, menos as dívidas que o fundo ainda não tenha quitado; em outras palavras, o patrimônio líquido da coisa.

Essas informações você encontra na página de relações com o investidor do FII. Mas calma, a maioria das plataformas compiladoras de FIIs já disponibiliza esse cálculo de mão beijada. Sua tarefa, então, só é verificar se o número em questão é maior ou menor que 1.

Quando acima de 1, significa que aquela cota está cara, maior que o valor patrimonial. Quando abaixo, ela está barata.

Mas, ei, isso não significa necessariamente uma oportunidade de compra. Há casos em que um fundo está barato demais porque passa por uma crise, e os investidores caíram fora antes de o barco afundar.

Um exemplo prático: o BB Progressivo (BBFI11B) é hoje o mais barato entre os FIIs de escritório, com P/PV em 0,35. Ele tombou 45% em março deste ano, quando o Banco do Brasil decidiu deixar um de seus imóveis no Rio. Com a saída da instituição, a taxa de vacância do fundo passa de 40% para 86%. Aí é aquela história: FII sem inquilino é Buchecha sem Claudinho. Não rola.

Foi o estopim de uma treta que já durava um ano. O BB queria renovar só dois dos novos blocos do contrato, e pedia que o reajuste do aluguel fosse atrelado ao IPCA, não ao IGP-M (que estava nas alturas). Como o fundo não aceitou, o banco parou de pagar o valor total do aluguel em outubro de 2022.

Prova de que navegar por este mercado demanda atenção. Mas, quando feito com cuidado, pode trazer boas oportunidades para além da renda fixa – os dias de Selic em dois dígitos, afinal, tendem a acabar.

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