Brasil preso entre a inflação americana e a PEC Kamikaze
Câmara aprovou em 1º turno o pacote de mais de R$ 40 bilhões para turbinar a eleição de Bolsonaro. Entenda quem pagará a conta.
Bim dia!
O dado econômico mais importante do mundo é a inflação oficial americana – pelo menos no dia de hoje. A expectativa dos economistas é que os preços nos EUA, medidos pelo CPI, tenham subido 8,8%.
Quando se fala da terra de Joe Biden, é uma inflação alta para dedéu, a maior desde 1981. E mesmo assim, existe algum otimismo no ar. Economistas começam a suspeitar que esse possa finalmente ser o pico. Primeiro porque os preços das commodities começaram a cair, e isso deve aliviar o bolso dos consumidores nos próximos meses.
Segundo que, com o bolso curto e outras prioridades no verão, americanos estão reduzindo as compras de roupas e outros bens de consumo. As varejistas anunciaram descontos expressivos para tentar baixar os estoques. Isso também pode significar alívio em geral.
E alívio nos EUA é alívio também para o mundo, já que a alta de juros do Fed para segurar a inflação tem feito o dólar se valorizar mundo afora. É como se os americanos tivessem socializando com o mundo a disparada de preços deles. Pois é.
Se o Fed começa a ver no horizonte um alívio de preços, pode eventualmente precisar apertar menos o torniquete da “Selic” deles. Aí o dólar tende a perder força.
Só não espere isso para o Brasil. Ontem a moeda americana fechou a R$ 5,44, maior patamar desde meados de janeiro, o que diminuiu qualquer alívio de preços por aqui. A bagunça global ajudou? Claro. Mas Brasília também tem culpa no cartório.
Ontem os Deputados aprovaram em primeiro turno a PEC Kamikaze, que libera mais de R$ 40 bilhões em benefícios sociais até o fim do ano. E logo depois, Arthur Lira, presidente da Câmara, suspendeu a votação dos destaques, alterações no texto principal, sob a alegação de que o sistema eletrônico apresentava instabilidade. Ele chegou a acionar a Polícia Federal. Ninguém sabe o que aconteceu. O lance é que Lira não seguiu as regras da casa para interromper o plenário, que poderia durar no máximo uma hora. Ele deixou a suspensão valendo até hoje de manhã, para não ter que esperar que todos os Deputados marquem presença novamente. No dialeto de Brasília, se chama manobra.
Antes esse fosse o maior dos problemas do Brasil hoje. O fato é que a PEC Kamikaze dribla a lei eleitoral, que existe para evitar que o governo de turno abra o cofre para comprar votos, o teto de gastos e o próprio rito legislativo de aprovação de PECs. As “bondades”, o jeito que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer ver chamada a proposta eleitoreira, foram contrabandeadas para dentro de uma PEC com outra proposta – e que já vinha em discussão antes.
O malabarismo eleitoreiro cobrará um preço salgado. Primeiro, haverá o despejo de dinheiro na economia justamente quando o Banco Central tenta enxugar uma parte da grana para controlar a inflação. Mas isso vai passar um tanto despercebido, já que o corte de impostos sobre combustíveis fará a inflação cair no curto prazo – de maneira artificial.
O estouro vem em 2023, quando a grana das bondades deixar de pingar e os impostos voltarem ao patamar anterior. E lá a economia tenderá a estar em frangalhos. Investidores cobram juros cada vez mais altos para financiar o governo. Economistas começam a prever que a nossa Selic precisará subir para 14% para dar conta das “bondades”.
O que é lindo para quem tem dinheiro para colocar na renda fixa, mas péssimo para um país que quer atrair investimentos e crescer de verdade, e não apenas tapar um buraco nas eleições.
Boa quarta.
Futuros S&P 500: 0,14%
Futuros Dow: 0,10%
Futuros Nasdaq: 0,24%
às 8h08
Índice europeu (EuroStoxx 50): -0,81%
Bolsa de Londres (FTSE 100): -0,79%
Bolsa de Frankfurt (Dax): -0,88%
Bolsa de Paris (CAC): -0,64%
às 8h08
Índice chinês CSI 300 (Xangai e Shenzhen): 0,18%
Bolsa de Tóquio (Nikkei): 0,29%
Hong Kong (Hang Seng): -0,22%
Brent*: 0,60%, a US$ 100,09
Minério de ferro: 1,95%, a US$ 110,30 por tonelada em Singapura
*às 8h10
9h Câmara deve votar destaques e 2º turno da PEC Kamikaze
9h IBGE divulga vendas no varejo em maio
9h30 EUA divulgam a inflação oficial do país, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI)
15h Fed publica Livro Bege, com as condições da economia americana
Dia das varejistas
Ontem foi dia de respiro para as varejistas da bolsa: Americanas, Via e Magazine Luiza estiveram entre as maiores altas do pregão. As três companhias atingiram o fundo do poço no último dia 4. Desde então, as ações vêm subindo: Americanas avançou 34,76%, Via 39,34% e Magalu 37,55%. Apesar de julho ter dado uma trégua pro varejo, a situação no acumulado do ano continua desastrosa: queda de 46% para AMER3, de 51% para VIIA3 e de 59% para MGLU3. Os desafios do setor também persistem – competição acirrada, aumento dos custos de logística e queda nas vendas online.
Musk vs. Twitter
Desde que o Twitter aceitou a oferta de Elon Musk, em abril, as ações da companhia perderam mais de 30% do valor – os investidores desconfiavam, desde o início, que o acordo não sairia como combinado. Não deu outra. Musk está tentando desistir da compra e tudo indica que uma longa batalha judicial será travada entre os dois lados. Nesta reportagem, o New York Times explica como o empresário corroeu a imagem pública do Twitter ao expor dificuldades financeiras e falta de perspectiva financeira da empresa.
Q&A: PEC Kamikaze
A Câmara dos Deputados começou a votar ontem a PEC Kamikaze. A proposta, que vale só até dezembro deste ano, aumenta o valor de benefícios sociais e cria auxílio para caminhoneiros e taxistas. O Senado já aprovou a medida, que terá custo estimado de R$ 41,3 bilhões para além do teto de gastos. A Folha preparou um perguntas e respostas sobre os detalhes da PEC.