Como Naji Nahas fez a bolsa subir 2.000% – e quebrou o mercado no dia seguinte
Ele chegou a ser dono de 7% das ações da Petrobras e 12% das da Vale. Em valores de hoje, o suficiente para ser o 2° brasileiro mais rico, atrás apenas do Lehman. Depois do auge, veio a queda – tão grande quanto o golpe.
Ele chegou a ser dono de 7% das ações da Petrobras e 12% das da Vale. Um assombro: se alguém tivesse frações desse tamanho das duas empresas hoje, só isso já garantiria uma fortuna de US$ 12,2 bilhões (ou R$ 66,3 bi) – o suficiente para assumir a posição de 138º mais rico do mundo, e de 2º do Brasil, atrás de Jorge Paulo Lehman (US$ 20,3 bi).
Nos anos 80, quando Naji Nahas era dono dessas fatias da petroleira e da mineradora, nenhuma das duas tinha a sombra do tamanho que têm hoje. Mesmo assim, contar com 7% da Petrobras e 12% da Vale já significava um portfólio monstruoso: US$ 500 milhões da época, ou mais de US$ 1 bilhão de hoje.
E isso era só uma parte da fortuna de Naji Nahas, um fumante de charutos de 1,90 m nascido no Líbano, criado no Cairo e estudado em Londres.
Ele chegou ao Brasil com 22 anos e US$ 2 milhões (cortesia da família), atrás de oportunidades. Achou várias: de criação de coelhos a especulação no mercado internacional de prata. Mas foi na bolsa que ele se encontrou. Aos 40, já era multimilionário e visto como o melhor especulador que já tinha pisado nestas terras.
Uma das melhores jogadas de Nahas foi em 1988. Ele adquiriu um caminhão de opções de compra da Petrobras quando as ações estavam em baixa. Opções de compra são uma aposta. Funciona assim: digamos que uma ação esteja a R$ 50. Aí você paga R$ 1 por um vale (imagine como se fosse um papelzinho mesmo) que dá o direito de comprar essa mesma ação dali a 30 dias por R$ 100. Se der um mês e a ação estiver abaixo de R$ 100, você perde seu R$ 1 – porque o papelzinho não dura para sempre, vence depois dos 30 dias.
Mas se a ação estiver, vá lá, a R$ 130, maravilha: você compra por R$ 100, já que o papelzinho te permite isso, e revende na hora pelo preço de mercado. Cada R$ 1 rende R$ 30. Lucro de 3.000%. Se você tivesse gastado R$ 10 mil em papelzinhos de R$ 1, levaria R$ 300 mil para casa sem ter feito nada. Parece exagero, mas isso é um cenário possível no mundo das opções. Tanto que aconteceu com Nahas. Várias vezes.
Mas não foi sorte do libanês. E sim um plano bem arquitetado. Nahas comprou seu caminhão de opções e passou a trabalhar para que os preços subissem. Como? Comprando ações no mercado, na surdina, sem fazer alarde – quanto mais ações comprava, mais o preço subia. Oferta e demanda, como sempre.
À primeira vista, parece um negócio tão inteligente quanto vender o almoço para comprar a janta. Mas não. Os lucros do mercado de opções dão e sobram para fazer essa jogada valer a pena. Note que isso só vale para a realidade de uma bolsa de valores pequena, em que há relativamente pouco dinheiro circulando. Hoje, um investidor sozinho até consegue botar para cima o preço de uma ação, mas precisaria gastar bilhões para mantê-lo no alto por semanas. Em 1988, bastavam alguns milhões.
Não que fosse fácil: Nahas teve que levantar empréstimos vultuosos para conseguir as carretas de dólares que precisava para comprar suas toneladas de ações. Não é num café com o gerente que você consegue empréstimos desse tamanho. Nahas precisava da aprovação de altos diretores de banco para arranjar o tanto que precisava. Mas aí quem dava uma força era seu iate ancorado em Mônaco, para onde levava o pessoal dos bancos al longo do verão europeu.
Bom, Nahas foi comprando cada vez mais ações da Petrobras com o dinheiro dos empréstimos, e os papéis foram subindo. Aí entra a história mais clássica do mercado financeiro: quanto mais uma ação sobe, mais gente compra. O papel ganha vida própria… Quando chegou o vencimento das opções de Nahas, a Petrobras tinha subido 400%. Aí Nahas exerceu o direito que seus papeizinhos, suas opções de compra, lhe davam: o de comprar as ações por um preço defasado. E revendeu as ações com lucro na mesma hora, a preço de mercado.
Foi mais interessante que isso, na verdade. A operação envolvia um monte de valores diferentes (cada lote de opções foi comprada a um valor específico, por que isso muda todo dia, e davam direito a comprar os papéis a preços distintos, já que esse número também não permanece estático), mas vamos simplificar aqui.
Digamos que as ações da Petrobras tinham chegado a $ 40 cada uma e as opções permitiam a Nahas de comprar por $ 20. Só que ele estava com tantas ações na mão que não existiam tantos papéis assim da Petrobras à venda no pregão. Quando ele exerceu seu direito de compra, então, o pessoal que tinha vendido as opções para ele lá atrás precisou adquirir boa parte das ações da Petrobras que precisavam com o próprio Nahas, ao preço de mercado de $ 40. Tudo para repassar a ele por $ 20. Naji ficava com a diferença em dinheiro mais as ações. Mestre.
Depois de quitar os empréstimos, terminou essa jogada com as opções da Petrobras US$ 30 milhões mais rico – é o valor real, estimado por analistas da época. Essa foi só a primeira vez. Depois viria outra, que prometia mais dinheiro ainda. Entre 1988 e 1989, ele fez os papéis da Vale subirem 1.600% em 8 meses, sempre com empréstimos vultuosos, enquanto ia lucrando com as opções.
Manipular preços para lucrar com a subida é ilegal? É. Mas aí entram filigranas jurídicas no meio: o sujeito pode dizer que estava comprando as ações porque não há nada na lei que impeça detentores de opções de fazer isso. No caso de Nahas, porém, era difícil emplacar essa: descobriram que três empresas dele estavam comprando e vendendo ações entre si para puxar os preços do mercado para cima – essa masturbação financeira era exatamente o que alguns investidores faziam na Bolsa de Nova York em 1929, e que deu no que deu.
Bom, Nahas só se complicou quando o presidente da Bovespa, cansado das manipulações, convenceu os bancos que emprestavam para Nahas a fechar as torneiras de dinheiro. Só que ele já tinha passado milhões de dólares em cheques para comprar mais ações da Vale. Como os empréstimos não vieram, os cheques voltaram. Estavam sem fundos. E as corretoras que intermediaram a compra ficaram com a dívida.
Nisso, a Bovespa confiscou a carteira de ações de US$ 500 milhões de Nahas para compensar os prejuízos. E o problema com os cheques lhe rendeu uma condenação a um ano de prisão domiciliar. Ele também foi processado por “crime contra o sistema financeiro”, mas acabou absolvido. Nahas ainda passaria os anos seguintes se dizendo vítima de um golpe do antigo presidente da bolsa. “Sem esse golpe, o homem mais rico da América Latina não seria o Carlos Slim”, disse numa entrevista em 2008. “Seria eu”.
Mas o golpeado mesmo foi o mercado financeiro. Quando a jogada de Nahas para inflar os preços virou assunto do Jornal Nacional, a bolsa quebrou. Não teve pregão no primeiro dia depois que o esquema veio a público. O medo era de uma queda massiva. Ninguém sabia o quanto daqueles 1.600% das ações da Vale tinham subido só pela influência de Nahas. E agora? E se ele tivesse bombado o preço de outras ações também?
Pior: a manipulação dos preços tinha criado uma corrida para a bolsa, que é o que sempre acontece quando algumas ações sobem demais. Nisso até papéis que não tinham nada a ver com o esquema de Nahas não paravam de subir. A arrancada foi de 2.549% em 1988. Descontando os 1.037% de inflação daquele ano (pois é…), ainda significava uma alta real de 1.512%. Era uma das maiores subidas de um mercado acionário na história da humanidade.
Agora, que estava claro para todo mundo que tinha coisa ali, ficou óbvio: era uma senhora bolha. Uma onda gigante prestes a arrebentar e levar o mercado financeiro junto. O pensamento geral era naquela lógica de bolha estourando: todo mundo tentaria vender tudo com medo de que todo mundo tentasse vender tudo. E foi o que aconteceu: de cara, as ações perderam um terço do valor.
Parece pouco, só que é mais do que a bolsa de Nova York tinha caído em 1929. Uma bomba. Só não chegou a ser uma tragédia para o resto da economia no Brasil por que nossa bolsa de valores era mirrada na época: representava menos de 5% do PIB. Se fosse hoje, que ela vale 75%, e de um PIB quatro vezes maior que o daquela época, sai de baixo. Ia dar saudade de quando o maior problema da economia era uma inflação de 1.000%.
P.S. Este é um trecho editado do livro Crash: uma Breve História da Economia: