Compre a Tesla, e espere 1.328 anos até o dinheiro dar retorno
Após ver suas ações subirem 727% no ano e chegar a um P/L monstro, montadora de Musk vai estrear nesta segunda no S&P 500. É bolha?
Hoje foi o último dia de adolescência da Tesla. A partir de segunda-feira (21) ela vira gente grande: passa a integrar o S&P 500, o clube das 500 maiores empresas americanas. Em valor de mercado, ela já é a maior montadora do mundo faz tempo: são US$ 640 bilhões – o dobro da Toyota (US$ 214 bi) e da Volkswagen (US$ 98 bi) juntas.
Faltava dar lucro. Toyota e Volkswagen, a segunda e a terceira maiores em valor de mercado, lucraram, respectivamente, US$ 16,9 bi e US$ 23,6 bi em 2019. Enquanto isso, a Tesla fechou o ano passado com um prejuízo de US$ 862 milhões – valor que se somou aos US$ 5 bilhões que a montadora já tinha dado de prejuízo desde 2014.
Mas essa história começou a mudar. Faz cinco trimestres que a Tesla registra lucro. E, para entrar no S&P 500, sua empresa precisa apresentar pelo menos quatro trimestres seguidos no azul – além de valer mais de US$ 8,2 bilhões (fácil para a Tesla) e estar entre as mais negociadas da bolsa (idem).
Os tais dos lucros são relativamente pequenos, mas sólidos. Nos últimos 12 meses, a Tesla amealhou algo próximo de US$ 500 milhões. Pouco perto do que as montadoras tradicionais tiram. Mas o fato é que 60% desse resultado positivo está no último trimestre (US$ 331 milhões). Sim, uma trajetória bem ascendente.
A produção de carros da Tesla também cresce. No terceiro trimestre de 2020, saíram 145 mil da linha de montagem. Não dá nada perto de uma Volkswagen, que faz 3 milhões de veículos no mesmo período. Mas estamos falando de um crescimento de 50% em relação ao mesmo período do ano passado.
É com essas credenciais que a montadora de Elon Musk estreia no S&P 500. E isso não é só uma honraria, claro. Fazer parte do índice mais importante dos EUA significa dinheiro. Todo país do mundo tem algumas coisas em comum: hino, bandeira, time de futebol e fundo de acões que investem no S&P 500 (geralmente ETfs). No Brasil mesmo, o ETF mais popular é o IVVB11. E ele é um ETF de S&P 500 (ou seja, cada dinheiro que você coloca lá fica dividido entre as 500 maiores empresas dos EUA). O IVVB11 tem 114 mil cotistas brasileiros. Mais que os 106 mil do BOVA11, que replica o Ibovespa.
Ou seja: estar no S&P 500 significa ver suas ações serem compradas a rodo por zilhões de fundos – o que deixa elas muito bem nutridas. Taí um clube que nem Groucho Marx rejeitaria se fosse chamado para ser sócio.
Como não existe bobo no mercado, todo mundo correu para comprar acões da Tesla logo que veio o anúncio da futura entrada no S&P 500, dia 16 de novembro. De lá para cá, as ações da Tesla subiram de US$ 408 para US$ 695. Uma arrancada de 70% em um mês.
Leve em conta que os US$ 408 lá de 16 de novembro já significavam uma alta de 385% no ano – as ações tinham começado 2020 valendo tímidos US$ 84. Quem comprou a esse preço experimentou um ganho de 727% – o que faria R$ 10 mil se transformarem em R$ 82.700.
Por essas, as ações da Tesla seguem firmes entre as BDRs mais negociadas na bolsa brasileira.
E agora as ações da Tesla são mais caras que qualquer uma do S&P 500. Não em valor nominal, porque não é isso que indica o preço real de uma ação. Para saber esse preço real, você precisa dividir o valor de mercado pelo lucro dos últimos 12 meses. Aí você obtem o P/L (preço sobre lucro). O P/L da Tesla é de 1.328. Isso significa que, se você comprasse a Tesla inteira hoje, precisaria esperar 1.328 anos para que o investimento desse retorno. Exato.
O P/L da Apple, para comparar, é de 38 – na média do S&P 500. Um próximo de 100 já é sinal de ação inflada, Acima de mil, então, socorro. É para chamar a ambulância imediatamente.
Claro: se o lucro da empresa cresce, o P/L tende a diminuir, entrando em um território realista. Ninguém que compra Tesla hoje espera passar 1.328 anos à espera de um retorno. A aposta é que o lucro da empresa engorde. Digamos: se a Tesla passa a lucrar o dobro da Volkswagen (uns US$ 50 bi por ano) a ação pode estar a U$ 2.000 que tudo bem, o P/L dela será de 38. Isso: igual ao da Apple.
Essa é a aposta, então. A de quem um dia a Tesla venda uns 20 milhões de carros por ano, sob uma estrutura funcional, lucrativa. É possível? Cada um tem sua opinião. O Goldman Sachs acha que preço justo para as ações da Tesla é de US$ 780. Logo, imagina que os lucros da empresa vão chegar a patamares Volskwagianos pelo menos. O JP Morgan acha que não, que o preço certo da acão seria US$ 90 – em outras palavras, imaginam que ela continuará sendo uma montadora boutique, que faz belos e poucos carros, para ricas e poucas pessoas – seu modelo de entrada custa R$ 175 mil nos EUA.
Uma casa de análise menor, a Ark, fez barulho neste ano dizendo que o preço-alvo deles para as ações da Tesla é de US$ 7.000. Mais: que, num cenário realmente otimista, ela bateria nos US$ 15.000 – o que elevaria o valor de mercado da companhia a US$ 14 trilhões. Exagero? Claro. Óbvio. Isso dá sete vezes o da Apple, a empresa mais valiosa do Grupo Local de galáxias.
Mas vai saber…. Nada impede que, daqui uns 30 anos, a Tesla domine o “mercado de mobilidade” com tanta força quanto o Google comanda o de buscas pela internet. Mas nada garante. A alta da Tesla, por enquanto, é feita de sonho, não de realidade.
Antes tarde: as ações dela subiram 5,96% hoje. É mais do que qualquer ação brasileira subiu neste dia morno, em que o Ibovespa se manteve basicamente estável (-0,33%). Os destaques de alta aqui foram puxados pelas altas no aço, na carne e na celulose, puxados pela demanda chinesa, que vem ganhando força semana após semana. Aí é aquela história que todo mundo já conhece: commodities felizes, Brasil feliz. Ok. Mas quem dera tivéssemos por aqui uma montadora de carros elétricos que andam sozinhos para ficar dizendo que as ações dela estão caras demais.
Maiores altas
Usiminas: 4,95%
CSN: 3,33%
Suzano: 2,67%
Gerdau: 2,61%
Minerva: 2,06%
Maiores baixas
Gol: -4,04%
WEG: -3,82%
Cielo: -2,59
PetroRio: -2,57%
CVC: -2,60%
Em NY
S&P 500: -0,34%, aos 3.709 pontos
Nasdaq: -0,07%, a 12.755
Dólar: estável (-0,04%), a R$ 5,07
Petróleo
Brent: alta de 1,48%, a US$ 52,26
WTI: alta de 1,44%, a US$ 49,24