Conheça a BrasilAgro, produtora agrícola com ações na bolsa de valores
Nesta entrevista, o CEO André Guillaumon fala sobre as estratégias da BrasilAgro e mostra como pretende atrair investidores para as ações da empresa.
Segundo a B3, existem nove companhias agro na bolsa brasileira. Dessas, apenas quatro trabalham diretamente com a tarefa de plantar e colher alguma coisa. Uma delas é a BrasilAgro, que estreou na bolsa em 2006 e tem como principal acionista fundador o grupo argentino Cresud.
Desde o começo, o plano era atuar no desenvolvimento de terras, tal qual um investidor que compra apartamentos detonados e reforma antes de vendê-los a preços substancialmente mais elevados. Enquanto a venda não acontece, não há renda, só despesas. Só que o modelo não era atrativo para o pequeno investidor, já que a receita e os lucros da companhia eram voláteis demais.
Isso mudou, explica André Guillaumon, CEO da companhia. Agora, além de focar no investimento em terras, a companhia também é uma grande produtora com safras constantes. No portfólio da empresa existem áreas de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, pastagem e florestas.
Ainda assim, não vinha sendo o bastante para atrair investidores. A BrasilAgro tinha poucas ações em circulação e baixo volume diário de negociações. Na prática, qualquer compra ou venda tinham potencial de provocar oscilações bruscas de preço.
A saída foi a oferta de novos papéis em um follow-on, em fevereiro de 2021, que levantou R$ 440 milhões e ajudou a movimentar as ações da companhia. Ainda que a alta nos últimos 12 meses tenha sido modesta, de 5%. Nesta entrevista, André Guillaumon explica a mecânica dos negócios da empresa, fala sobre a restrição de compra de terras por estrangeiros e o compromisso que o agro precisa ter com o meio ambiente.
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O que é a BrasilAgro e o que ela faz?
Somos a única empresa do agro listada na B3 que combina dois modelos de negócio: o operacional [produção de soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e outras commodities] e o imobiliário [compra e venda de terras agrícolas].
É diferente de um fazendeiro, que é um acumulador de terras nato. A BrasilAgro compra áreas que têm outra aptidão [e as transforma]. Podemos comprar uma área de pecuária entendendo que ela tem potencial agrícola. Compramos áreas de florestas, de pinus que estavam em corte, e transformamos em agrícolas. Compramos áreas de cerrado – com legislação e com todo o processo – e transformamos em áreas agrícolas. O que é importante: a companhia modifica as áreas colocando capital intensivo, tecnologia, recursos. E esse processo tem uma maturação ao longo dos anos.
Isso tem garantido uma boa rentabilidade para o acionista ao longo do tempo. Quando desinvestimos de um projeto, na média, dá uma casa de 18% a 20% de TIR [Taxa Interna de Retorno] anual. Isso acontece quando entendemos que a terra parou de apreciar, que já colocamos tecnologia, capital humano e know-how. É uma coisa simples de explicar, mas difícil de executar. E isso gera uma barreira de entrada.
O processo de desenvolver a terra faz com que vocês tenham uma produtividade menor em relação às lavouras que chegaram ao seu máximo potencial. Vocês são menos rentáveis, não?
Quando você muda uma área e começa a colocar correção de solo e fertilizante, vai aumentando a produtividade. Mas você não pode esperar a mesma produtividade de uma área minha que estava com pastagem há dois anos da de um produtor que está há 30 anos com soja.
E como a gente faz para atenuar isso? A companhia combina estratégias. Temos áreas arrendadas onde a terra é madura e tem produtividade maior. Na cana-de-açúcar, o nosso rendimento é igual ou melhor que o de outros players de mercado.
No início, só entregávamos resultado para o acionista quando uma fazenda era vendida, e dava uma pancada no resultado daquele ano. Hoje, não. Vendendo ou não ativos, a companhia tem um Ebitda [lucro antes de impostos, depreciação e amortização] recorrente muito importante, de R$ 180 milhões a R$ 200 milhões. A companhia explora 170 mil hectares [1.700 km2], então colocou uma cesta de commodities.
O negócio da BrasilAgro está num momento favorável porque as terras estão se valorizando. A venda fica mais atrativa. Mas no próximo ciclo fica mais difícil comprar barato e conseguir a mesma taxa de retorno, não?
Nós estamos vendendo essa terra que está pronta, a que teve valorização importante. E estamos comprando a terra que está no andar de baixo, a que não é tão produtiva hoje, que precisa de logística e infraestrutura. A brecha estreitou, mas focamos nas propriedades que ainda têm potencial grande. o passado, nós compramos áreas de soja de produtores estressados [com dívidas] – e ganhamos muito dinheiro. Hoje você não vai achar, porque faz cinco anos que eles têm tido margem positiva. Mas você ainda encontra áreas marginais, com pastagens degradadas.
Outra coisa. No passado, conseguíamos investir em terras muito maiores. As extensões têm diminuído. Chegamos a comprar uma fazenda no Piauí, a Cremac, de 30 mil hectares, sendo 25 mil agricultáveis. Só que demora muito para maturar um investimento assim porque você não o abre da noite para o dia. E isso joga contra a taxa de retorno. Como hoje as extensões estão menores, as propriedades têm de 8 mil a 10 mil hectares, a velocidade de transformação é maior. Por fim, a terra no Brasil valorizou por inteiro, a produtiva e a improdutiva, só que a terra produtiva valorizou mais. Esses fatores combinados são o que nos permite afirmar que continuamos a trazer rentabilidade atrativa para o investidor.
A empresa não tem terras só no Brasil. Qual é a estratégia internacional da companhia?
Fizemos a expansão para a América do Sul, a primeira foi a do Paraguai. Estamos muito contentes e devemos fazer novas aquisições. Mais recentemente, houve uma expansão na Bolívia. Focamos em três unidades que estão com grãos e que vamos converter para a produção de açúcar – a companhia tem uma expertise muito grande em cana.
O principal acionista da BrasilAgro é um grupo argentino. A expansão para fora do Brasil tem relação com a proibição de aquisição de terras por estrangeiros? Qual é a posição da companhia sobre o assunto?
A BrasilAgro é uma empresa nacional, com capital aberto aqui, e com regras rígidas de governança. A restrição que existe hoje é para que o estrangeiro venha a adquirir terras no Brasil. Havia três setores restritos no país: aviação civil, hospitalar e aquisição de terras. O da aviação civil e o hospitalar não são mais. O que falta é o de terras. O caso é polêmico, porque existem interesses diferentes. Mas toda vez que se pensa em restrição, há assimetria, e isso traz aumento do custo de capital.
Todo mundo fala que, quando liberar para estrangeiros, o preço da terra vai explodir. Não vai acontecer. O que vai acontecer é: quando tiver transparência, haverá redução de custo de capital e, consequentemente, você vai ter melhor margem para o produtor. Melhor margem, maior resultado operacional, maior apreciação imobiliária. A lógica é essa.
Então você está dizendo que a preço da terra pode, sim, aumentar.
O custo da terra está atado à rentabilidade das commodities. O produtor negocia a terra em sacas de soja. O que faz o preço da terra subir ou cair não é só o fluxo de dinheiro, é a rentabilidade. Pode ter país totalmente liberado para estrangeiros, mas se a soja estiver negociada na bolsa de Chicago a US$ 6 o bushel [unidade de medida americana equivalente a 27 kg], não vai acontecer nada com o preço da terra [hoje a soja está em US$ 14 o bushel].
A alta de preços e do dólar capitalizou os produtores brasileiros. Mas agora há sinais de estabilidade de preços e aumento de custos de produção. Como fica a rentabilidade?
Câmbio apreciado significa mais rentabilidade, porque o Brasil não tem 100% dos custos atrelados ao dólar – caso da mão de obra. Houve uma apreciação nos insumos porque há um efeito retardado da economia de restrição de produtos em algumas regiões. Isso é passageiro. Ninguém acredita que uma tonelada de fertilizante vá continuar custando US$ 1 mil, porque esse preço tem o potencial de abrir fábricas paradas. Isso só não se ajustou de forma mais rápida por causa da pandemia.
A colheita de 2022, que estamos iniciando agora, está garantida em termos de margem porque foi composta com custo de produção mais baixo. A grande pergunta é a safra 2022/23 [que começa a ser plantada no segundo semestre]. Eu diria sem sombra de dúvida que a rentabilidade operacional dela vai ser menor para o agricultor. Mas, mesmo colocando novos custos, preços de commodities e câmbio, a rentabilidade fica acima da média histórica.
Há um problema de clima também, com seca na região sul e excesso de chuvas no nordeste, não?
Estamos vivendo um ano de La Niña de média a fraca intensidade, que traz reflexo importante para a zona sul. Paraná e Rio Grande do Sul estão sendo muito afetados, e eles são o segundo e o terceiro maiores produtores de soja do Brasil. A situação na Argentina é desastrosa. No caso da BrasilAgro, estamos vendo um excesso de chuva na Bahia, mas ela ainda não está atrapalhando. Tínhamos uma preocupação com o Mato Grosso, porque começa a colher agora [em janeiro] – e se tem chuva começa a haver problemas de colheita. Por fim, temos um clima muito favorável no que tange ao Mapitoba [região agrícola dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e oeste da Bahia].
Estamos olhando isso com muita cautela e enxergamos que pode trazer um rali de preços, por causa da produção reduzida.
Custo de produção mais alto e safra incerta explicam por que a ação não deslancha?
Eu não me atrevo a dizer que o investidor está vendo uma alta de custos. Tínhamos uma companhia antes do follow-on e temos outra pós-follow-on. A liquidez dos nossos papéis mudou da água para o vinho. Pré-follow-on, o ADTV [volume médio diário de negociação da ação] era de R$ 1 milhão por dia. Pós, é superior a R$ 20 milhões por dia.
A BrasilAgro passou a ser um papel mais atrativo para o investidor, e fez com que a companhia destravasse um pouco o gap do valor de ação. Foi uma conjuntura de preço de commodities com um destravamento da liquidez represada. Antes, ela não gerava atratividade para investidores que entram e saem da ação. Mas, com o aumento nas taxas de juros, estamos vivendo uma fuga do mercado de capitais como um todo.
Quando o governo estimula práticas não sustentáveis de produção em apoio ao produtor, ele não prejudica o agronegócio?
Governo vai e vem. As empresas continuam. Do ponto de vista do agro brasileiro, a maneira como o Brasil tratou a COP-26 foi um dado positivo, uma surpresa para o mercado internacional e para nós. Poucos países têm a possibilidade de trabalhar de forma tão sustentável. Um país com 65% do território nacional preservado é um país que tem um valor gigantesco.
Todo lugar tem o que faz bem, e o que faz mal. A grande maioria do agro faz bem. Mas existe o 1% que estraga a imagem dos outros 99%. Não podemos virar as costas, como setor produtivo, e falar “isso não é problema meu, é problema de governo”. Acho que nós, como produtores, como empresas e setor, temos que somar esforços com o governo e falar “a agenda tem que ir por aqui”. Não adianta só dizer que a BrasilAgro é uma empresa de capital aberto [sujeita a normas mais austeras que as de capital fechado] e faz tudo certo – ou vou passar mais tempo respondendo perguntas como essa ao investidor do que trabalhando.