Cury (CURY3): apartamentos fora da casinha
A construtora cresceu na esteira de programas habitacionais, especializando-se em unidades de baixo custo. E agora seus projetos ajudam a revitalizar áreas centrais no Rio e em São Paulo.
De 40 sobradinhos a 16 mil apartamentos por ano. A Cury Construtora (CURY3) cresceu com os programas habitacionais do Brasil nas últimas seis décadas e se tornou um dos principais nomes em construções para a baixa renda no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, com a recém-aprovada ampliação do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), a companhia espera mais um salto nos empreendimentos.
Apesar de já ter operado em todas as faixas do programa, a Cury hoje está voltada à número 3, a mais alta que engloba famílias com renda entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil ao mês e querem comprar imóveis de até R$ 350 mil – até junho, o teto era de R$ 264 mil. A maioria dos apartamentos da construtora sai por R$ 220 mil, com 40 m² e dois dormitórios.
Mas a empresa não se restringe ao MCMV e também faz negócios para um público com renda um pouco acima das atendidas pelo programa. É o caso do Cury Porto Maravilha, no centro do Rio. A construtora aproveitou a revitalização da área portuária, feita para a Copa do Mundo e para a Olimpíada, e está desenvolvendo um novo bairro de classe média na região.
No ano passado, a Cury acumulou uma receita de R$ 3,3 bilhões, e lucro de R$ 348 milhões. Sua concorrente mais próxima é a Direcional, construtora que faturou R$ 2,3 bilhões, com lucro de R$ 209 milhões.
Em entrevista à Você S/A, o CEO e filho do fundador, Fábio Cury, explica o segredo por trás de construções econômicas e mostra como as mudanças no MCMV devem impactar a companhia.
Como a sua família começou a construtora?
Depois de se formarem em engenharia, na década de 1960, meu pai e meu tio se mudaram para São Paulo e começaram a fazer casas populares em Itaquera. Por uma questão de custo, eram oito casas de uma vez só, os chamados “trens” de sobradinhos geminados.
Eles se beneficiaram muito da criação do BNH (Banco Nacional da Habitação) naquela época. Até que, nos anos de 1980, com a hiperinflação, a empresa passou por dificuldades. Em 1991, depois de me formar em engenharia, vim para a Cury e dei todo o gás para reerguer a companhia, que já estava bem diminuta, fazendo apenas pequenos empreendimentos.
Naquele momento, já não havia mais programas habitacionais para baixa renda, mas meu pai sempre falava, “Fábio, um dia, eles vão voltar”. Eis que em 1998, a Caixa lançou o crédito associativo [parceria entre construtoras e o banco, que fica responsável pelas garantias do empreendimento e pelo financiamento das unidades]. Desde então, a Cury opera só com produtos para a baixa renda.
E como surgiu a parceria com a Cyrela (CYRE3)?
Em 2007, a empresa estava faturando perto de R$ 40 milhões por ano. Éramos pequenos. Mas as grandes construtoras, que atendiam média e alta renda, tinham aberto capital e estavam loucas para entrar no mercado de baixa renda. Foi aí que a Cyrela fez uma joint venture com a gente.
Estar ligado a uma companhia tão grande nos deu muita capacidade de crédito e uma visão estratégica muito boa. A seguir, veio o Minha Casa, Minha Vida, em março de 2009. O timing foi ótimo porque estávamos alinhados com a Cyrela, tínhamos capacidade de crédito e sabíamos fazer.
Crescemos tanto que abrimos capital em 2020. Na oferta de ações, a participação da Cyrela saiu de 48,25% para 23,6%. E ela deixou de fazer parte do dia a dia da companhia.
Em termos técnicos, como é possível baratear a construção dos prédios voltados à baixa renda?
É preciso ter muito, muito controle. Brincamos que é contar cada um dos pregos. Primeiro de tudo, é importante comprar um terreno que se encaixe muito bem para esse cliente de baixa renda. Ou seja, a localidade tem que estar bem servida de transporte público, creche, escola, posto de saúde e comércio.
Depois, o apartamento tem que ser muito bem bolado, para que não custe caro e ao mesmo tempo tenha todas as atratividades que satisfaçam o cliente na hora da compra. Caprichamos no lazer. Há unidades com até 20 itens: piscina, brinquedoteca, pet shop, beach tennis…
Na parte de sistema construtivo, usamos alvenaria estrutural por conta da maior maleabilidade. Ela é capaz de se adaptar às áreas dos terrenos, que muitas vezes são irregulares. Assim, conseguimos encaixar mais apartamentos por prédio.
Outra coisa importante é que todas as instalações elétricas e hidráulicas desses empreendimentos são feitas por uma equipe própria da Cury. Nós colocamos um kit semipronto feito por nós, o que barateia o serviço.
E qual a margem de lucro por empreendimento? Supondo o padrão de vocês, de 40 m² e dois dormitórios.Depende muito de quanto custa o terreno, mas varia em torno de 13% a 16%.
Onde a alta da inflação mais pesou para vocês nos últimos anos?
O maior problema resiste até hoje, que é o desabastecimento. Vira e mexe, elevadores e equipamentos de fundação atrasam. O mundo continua desarranjado por conta da pandemia. Enquanto tudo não voltar 100% ao normal, ainda vamos ter alguns problemas de produção.
Por que vocês pararam de operar na faixa 1 e 2 do Minha Casa, Minha Vida? Pensam em voltar?
Ao longo do governo da Dilma, vimos que essas faixas não estavam prosperando muito bem e migramos para as mais altas, que é onde estamos. Hoje, o nosso ticket mínimo é de R$ 200 mil. Também operamos um pouco acima do programa, com alguns produtos de até R$ 600 mil.
Com as novas resoluções recém-aprovadas para o MCMV, provavelmente vamos sim voltar a operar as faixas mais baixas. O aumento do subsídio e do valor dos imóveis e a redução dos juros do financiamento deixam as faixas 1 e 2 mais atrativas [com os reajustes, o teto dessas faixas ficou entre R$ 190 mil e R$ 264 mil, dependendo da localização; e o da 3 foi para R$ 350 mil].
Vocês planejam empreender em outras cidades?
A princípio, não. O mercado de São Paulo e Rio de Janeiro é gigante e ainda temos uma fatia muito pequena deles, com 4% de market share na capital paulista e 9% na fluminense. Temos muito o que galgar ainda para surgir a necessidade de sair daqui.
Fora que acabamos de lançar dois empreendimentos bem inusuais para nós nessas cidades: o Porto Maravilha, no Rio, e o Ar.que [sigla para Arquitetura Que Respira], em São Paulo. As vendas indicam que acertamos em cheio.
Como foi o trâmite para o desenvolvimento do Porto Maravilha, no Rio, e qual o diferencial dele?
Nos anos 2010, essa era uma área totalmente degradada. Eis que a prefeitura conseguiu um financiamento de R$ 5 bilhões com a Caixa para reurbanizá-la pensando na Copa do Mundo e na Olimpíada. À época surgiram até rumores de que aquele lugar seria um novo centro financeiro do país, com boatos de Trump Tower e prédio de 100 andares do Eike Batista. Mas, na verdade, quando esses eventos esportivos passaram, havia apenas meia dúzia de prédios e uma enorme área vazia.
Só que a Caixa Econômica tinha colocado muito dinheiro na área e, como contrapartida, tinha Cepacs [Certificados de Potencial Adicional de Construção]. Quem quisesse empreender na região tinha de comprá-los. Os anos passaram, e ninguém empreendia. Aí vimos que aquela área seria perfeita para trazer a classe média da zona norte para o centro do Rio. Ali jamais seria uma Manhattan carioca, mas é ideal para um empreendimento de habitação de classe média baixa.
Então, começamos uma grande sabatina junto à Caixa para convencer o banco a mudar a vocação da área. Até que, finalmente, em 2020, conseguimos fazer o primeiro empreendimento em Porto Maravilha, o Rio Wonder, que lançamos no ano passado. De lá para cá, já lançamos sete, que totalizam 4.159 apartamentos, 3.750 deles já vendidos, e temos mais cinco terrenos comprados.
É um bairro novo que estamos construindo em um lugar que é o sonho de qualquer empreendedor. É uma área totalmente urbanizada, de graça. Quer dizer, você não tem que gastar nada com infraestrutura. Está tudo feito. E lá ainda tem VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] e vista para a baía de Guanabara.
Daqui a pouco, Porto Maravilha terá uns 10 mil apartamentos. Multiplica isso por três. Serão 30 mil pessoas morando ali. É uma cidade que estamos criando.
E qual foi o custo deste empreendimento? Qual o valor dos Cepacs?
Além do terreno, precisamos comprar Cepacs para poder fazer o prédio. Porque adquirir a propriedade te dá o direito a construir apenas uma vez a área do terreno. Mas se você quiser construir uma área que equivale a três vezes o tamanho do terreno, por exemplo, você tem que comprar três vezes a área do terreno em Cepacs.
Acaba que gastamos muito mais em Cepac do que no próprio terreno. Para fazer um empreendimento em um lote de R$ 10 milhões, gastamos cerca de R$ 40 milhões em Cepacs.
E eles são todos voltados à faixa 3 do MCMV?
Alguns são, mas a maioria é mais cara. A planta é de 2 ou 3 dormitórios e a venda começa em quase R$ 300 mil e chega a R$ 600 mil.
E o Ar.que, em São Paulo, o que ele tem de diferente?
Começa pela localização, bem no centro de São Paulo, na Rua Major Sertório. E o prédio terá apenas apartamentos e estúdios, sem garagem, com uma arquitetura moderna. São 480 unidades, de R$ 270 mil a R$ 450 mil. O prédio terá uma fachada ativa, com nove lojas, como o vizinho Copan. No último andar, teremos a área de lazer com uma vista linda. É um lugar bem interessante.
A Cury não faz só aqueles projetos repetitivos. Esse é um dos que sai bastante do padrão dos predinhos de baixa renda. Somos uma empresa de produtos econômicos. E nessa faixa de preço, de R$ 200 mil a R$ 500 mil, dá para fazer muita coisa. Não é obrigatório ficar naquele mesmo produto, só nos bairros mais periféricos.