Eletrobras vira leite condensado, e ajuda a manter o Ibov no vermelho
Fim da perspectiva de privatização derrete as ações da estatal. Mas se uns choram, outros vendem lenço: BR Distribuidora herda CEO da elétrica e sobe 10%.
Era noite de domingo (24), o Fantástico já tinha passado sua vinheta e o mercado financeiro se preparava para começar a semana, quando a Eletrobras publicou uma nota anunciando a renúncia do presidente da companhia, Wilson Ferreira Junior.
Era tudo o que o mercado não queria ouvir. Na manhã de segunda-feira, em entrevista coletiva, o executivo afirmou com todas as letras que sua saída da liderança da Eletrobras era motivada pela “quebra de perspectiva” na privatização da empresa.
Como já explicamos aqui, existe uma novela em torno da expectativa de privatização da Eletrobras, que dura alguns anos. Ferreira havia chegado na companhia ainda nos primeiros capítulos da trama, em 2016, no governo Michel Temer, quando o debate sobre a concessão da empresa para a iniciativa privada começou em Brasília.
Durante os anos à frente da estatal, responsável por 30% da geração e 45% da transmissão de energia no país, Ferreira realizou uma série de medidas para facilitar o projeto de privatização. Dentre elas, a venda de sete empresas distribuidoras que faziam parte da Eletrobras, e a saída da empresa do ramo de distribuição de energia (tudo isso deixaria a companhia mais enxuta, e atraente para potenciais compradores).
No final de 2019, já no governo Jair Bolsonaro, um projeto de lei para privatizar a companhia foi apresentado ao Congresso e a coisa pareceu que ia começar a engrenar. Só parecia, porque de lá para cá ele não saiu do lugar. E a Eletrobras vivia esse momento fantasmagórico, no qual o mercado tentava definir um preço-alvo para as ações sem saber se a perspectiva era de privatização ou de manutenção como estatal.
Daí na semana passada, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), favorito do presidente Bolsonaro para suceder Davi Alcolumbre na presidência do Senado, deu uma entrevista colocando em dúvida a privatização da empresa. Era o primeiro sinal de que a privatização estava mesmo ficando para trás. A pá de cal veio agora, com a renúncia de Ferreira Júnior.
O resultado foi uma corrida para se desfazer dos papéis da empresa. A B3 ficou fechada ontem, dia do aniversário de São Paulo. Em Wall Street, porém, a negociação de ADRs seguia normalmente, e a Eletrobras terminou a segunda-feira em queda 11,76%. A derrocada se estendeu no pregão de hoje e a empresa terminou o dia como a maior baixa, queda de 9,69% nas ações ON (Elet3), e de 6,80% na PN (Elet6).
Mas, se tem gente chorando, tem gente vendendo lenço. Na ponta positiva dos destaques da bolsa, a BR Distribuidora chegou a subir 12% ao longo do dia, justamente por conta da dança das cadeiras no comando da Eletrobras. É que Wilson Ferreira, o ex-presidente da Eletrobras, irá assumir o comando da BR – essa sim uma antiga estatal, privatizada em 2019.
O mercado avaliou como positiva a ida de Ferreira para a petroleira. Para o Bradesco BBI, a chegada do executivo deve significar maior diversificação de negócios na empresa. O Morgan Stanley foi na mesma toada. No final, terminou invicta como a maior alta do pregão, ganho de 9,57%.
Para o Ibovespa como um todo, porém, o dia foi fraco. Mesmo com as promessas de Paulo Guedes e Bolsonaro de respeito ao teto de gastos, o temor da volta do auxílio-emergencial, que desde a semana passada assombra a bolsa, continuou a pairar no Ibov, que terminou o dia em queda de -0,78%, aos 116.464,06 pontos.
Ajudou também na queda a divulgação da ata da última reunião do Copom, que aconteceu na quarta passada (20). O texto revelou que alguns integrantes do BC já queriam um aumento na Selic – por medo de que a inflação saia do controle. Algo compreensível, já que o IGPM acumulado nos últimos 12 meses é de 25,46%. Se parte dessa alta na inflação que mede os preços no atacado (entre outros ítens) chegar ao IPCA, a inflação do varejo, que realmente conta para a população, danou-se.
A única arma efetiva contra a Covid são as vacinas, certo? Contra a inflação, é o aumento da Selic. Ponto. Congelamento de preços, por exemplo, é cloroquina. Tudo isso passou um recado claro: a Selic vai subir.
Se a Selic aumenta, a taxa de juros dos títulos públicos cresce também, pois boa parte deles rende o que a Selic render. Logo, uma perspectiva de aumento na taxa básica de juros torna o investimento em títulos públicos brasileiros mais atraente, no mundo todo. Os títulos públicos são vendidos em reais. Logo, a demanda por reais cresce. Aumentou a demanda, o preço sobe. O real é precificado em dólar, como qualquer outra moeda. Então o preço da moeda em dólar cresce. E o dólar cai.
Foi isso que fez a moeda americana cair 3,30% hoje. O maior tombo desde junho de 2018. A diferença é que, lá atrás, isso aconteceu porque o BC vendeu o equivalente a US$ 20 bilhões no mercado, para conter uma alta. Agora não. O motivo foi outro. Menos pontual. Mais estrutural.
Seria um bom motivo para marcar aquela viagem para a Disney – caso a pandemia tivesse data para acabar. Como não tem, o jeito é seguir poupando, ou afogar as mágoas em leite condensado.
MAIORES ALTAS
BR Distribuidora: +9,56%
RaiaDrograsil: +3,31%
Hapvida: +2,99%
Suzano: +2,85%
Via Varejo: + 2,32%
MAIORES BAIXAS
Eletrobras ON: – 9,68%
Eletrobras PN: – 6,8%
Gol: – 5,78%
IRB Brasil: – 5,63%
Gerdau: – 5,16%
Dólar: queda de 3,30%, a R$ 5,32
Em NY
S&P 500: – 0,15%, para 3.849,62
Nasdaq: – 0,07%, aos 13.626,06 pontos
Dow Jones: – 0,07%, aos 30.937,04 pontos
Petróleo
Brent (referência internacional): +0,36%, a US$ 56,08
WTI (referências nos EUA): -0,30%, a US$ 52,61
Minério de ferro: queda de 1,9%, a US$ 189,20 no porto de Qindao (China).