EUA caem e puxam o Ibovespa pela coleira
S&P 500 fecha no vermelho pelo quinto dia consecutivo, pois o mercado americano sabe que não vai mais ganhar biscoito do Fed. E o Ibov tomba junto: -0,93%
A virada maluca de ontem, com o Ibovespa saltando 2,4 pontos percentuais na boca do gol para fechar em alta de 1,72% escondeu um fato. Um fato não menos importante que o texto lá do Temer: as bolsas americanas tinham acabado de fechar em baixa pelo quarto dia seguido.
O movimento das bolsas americanas tende a ser mais determinante para a Faria Lima do que eventos da política. Ontem foi uma exceção. Hoje não: o Ibovespa seguiu a variação das bolsas americanas ao longo do dia com a determinação de um cachorrinho carente. Baixava o S&P 500, baixava aqui, e vice-versa. O dia todo. Na saúde e na doença.
E no final ficaram juntos na doença mesmo: queda de 0,93% aqui e de 0,77% lá.
Ou seja: o S&P 500 caiu pelo quinto dia seguido. Nesse intervalo, o índice americano já acumula uma queda de 1,7%.
Não é exatamente um crash de 1929, claro. O S&P 500 vem de uma alta virtualmente ininterrupta desde 02 de novembro de 2020. De lá até aqui, o índice acumula um ganho 36%.
Cortesia do Fed, que injeta 120 bilhões por mês nos bancos americanos para garantir a recuperação econômica. E boa parte desse dinheiro flui para a bolsa, o que turbina o S&P 500.
Dinheiro novo demais na economia não faz só a bolsa subir: alimenta a inflação – passa a existir mais dinheiro em circulação do que coisas para comprar com esse dinheiro, e os preços sobem. Então uma hora o Fed vai ter de parar de brincar de Papai Noel.
E hoje o BC americano teve mais uma motivação para isso.
Nesta sexta, saiu o Índice de Preços ao Produtor (que é tipo um IGPM dos EUA). A alta de agosto em relação a julho foi de 0,7% – acima da expectativa. E o acumulado em 12 meses está em 8,3%. É muito para um país que sempre soube controlar sua inflação. O Fed sabe disso. Logo, o fechamento da torneira é iminente.
Só a perspectiva de que isso vá acontecer já faz com que a bolsa começe a cair. Investidores já satisfeitos com os 36% de ganho em um ano tendem a vender seus papeis para embolsar o lucro antes que as ações virem para o vermelho.
Essas vendas, porém, já derrubam os preços. O que se trata de uma das magias da bolsa: quem move os preços é a imaginação dos investidores. Uma baixa imaginada para o futuro se torna uma baixa hoje, no mundo real. É o que aconteceu nesta semana. É o que pode seguir acontecendo por muitas semanas.
E quando as bolsas dos EUA caem, não tem muito jeito: as outras tendem a baixar a bola também. Essa pressão seguirá sobre o encoleirado Ibovespa por um bom tempo.
Localiza e Unidas
As duas maiores empresas de locação de carros do país se destacaram entre as maiores baixas de hoje: -4,55% para a Localiza (RENT3), -5,08% para a Unidas (LCAM3). É a ressaca de uma alta de 8% entre quarta e quinta.
A elevação lá atrás veio por que o Cade liberou a fusão das duas. O processo que já tem quase um ano e o mercado estava cético. A união das duas monopolizaria 70% do mercado. Como o trabalho do Cade é evitar monopólios, achava-se que o órgão faria o seu trabalho.
E ele fez, veja só: liberou a fusão com algumas condições. A mais importante delas diz respeito a um acordo entre a Unidas e a americana Vanguard (dona das marcas Alamo, Enterprise e National).
É o seguinte: quando você vê um balcão da Alamo e um da Unidas no aeroporto, está diante de uma ilusão. Não há concorrência de preço entre as duas. No Brasil, ambas as marcas são da Unidas. E agora passariam a ser da empresa resultante da fusão. Ou seja: muitos logos, um só dono.
Na quarta e na quinta o mercado achou que tudo bem, e as ações decolaram. Hoje, talvez, muitos investidores tenham torcido o nariz para a exigência – já que ela abre mercado para a Vanguard atuar no Brasil como concorrente da nova super-locadora. E parte dos ganhos da semana acabaram devolvidos.
Frigoríficos
Minerva, BRF e Marfrig fecharam super bem, com 6,10% para BEEF3, 3,03% para BRFS3 e 2,45% para MRFG3. Motivo: o IBGE divulgou um crescimento de 7,6% no abate de suínos e de 7,8% no de frangos no segundo trimestre, em comparação com o trimestre anterior. JBSS3 não acompanhou – queda de 0.37%
Méliuz
O destaque de alta foi a Méliuz, uma novata no Ibovespa, que fechou em alta de 8,41%. O fato não veio por conta de alguma notícia específica, mas porque esse papel passa por uma montanha-russa.
Montanha-russa que começou com uma subida estratosférica. Do IPO, em novembro de 2020, até o pico, em julho, foram nasdaquianos 640%.
Motivo: a Méliuz é uma empresa de cashback, a mais nova lorota marketeira, que tenta te convencer de que gastar dinheiro é uma boa forma de ganhar dinheiro. Lorota ou não, o público curte – nos EUA, a prática já tem 35 anos, e segue firme. Esse público voa para o site da Méliuz, um marketplace dedicado a vender produtos dando um teco de dinheiro de volta. O conceito, aliás, ajudou a batizar o criativo ticker da companhia (CASH3). E os investidores correram para comprar CASH3 com o mesmo apetite com que os consumidores compram traquitanas no site dos caras.
Do pico para cá, porém, ela perdeu metade do valor. 11% desse montante foi limado na quarta-feira sombria, quando o Ibovespa tombou quase 4% no pós-7 de setembro.
Bom, o mercado financeiro às vezes é como as montanhas-russas mesmo: obedecem as leis de Newton. Um pico alimenta uma queda, e a uma queda alimenta uma nova subida. Foi o que aconteceu hoje. A alta vai seguir? Ninguém sabe. A bolsa, afinal, é feita de imaginação, um material que não está sujeito às leis de Newton.
Maiores altas
Méliuz (CASH3): 8,41%
Minerva (BEEF3): 6,10%
BRF (BRFS3): 3,03%
Marfrig (MRFG3): 2,45%
Cyrela (CYRE3): 2,27%
Maiores baixas
Magalu (MGLU3): 8,86%
Banco Pan (BPAN3): 7,25%
Localiza (RENT3): 5,08%
Unidas (LCAM3): 4,40%
Via (VIIA3): 4,21%
Ibovespa: 0,93%, aos 114.285 pontos
Em Nova York
S&P 500: -0,77%, aos 4.493 pontos
Nasdaq: -0,87%, aos 15.115 pontos
Dow Jones: -0,78%, aos 34.607 pontos
Dólar: 0,76%, a R$ 5,26
Petróleo
Brent: 2,06%, a US$ 71,4
WTI: 2,32%, a US$ 69,72
Minério de ferro: -0,42%, cotado a US$ 129,71 a tonelada no porto de Qingdao (China)