‘Fazer e-commerce é uma coisa quase infindável’, diz presidente da Locaweb
Fernando Cirne explica por que a companhia continuará a comprar empresa, e afirma que o objetivo é socializar a tecnologia com pequenos empreendedores.
Quando estreou na bolsa, no começo de 2020, a Locaweb tinha um objetivo: comprar tantas empresas quanto fosse necessário para transformar a companhia, que começou com hospedagem de sites, em um pacote completo de serviços de e-commerce para pequenas e médias empresas.
Não é uma tarefa simples. Primeiro, é preciso fazer o cliente chegar ao seu site. Depois da compra, há a emissão de nota fiscal, o pagamento, passando pelo atendimento ao cliente e a chegada do produto à casa do consumidor no prazo combinado.
Uma dezena de aquisições depois, a companhia ainda tem R$ 1 bilhão em caixa para continuar nessa missão. “Fazer e-commerce é uma coisa quase infindável”, explica Fernando Cirne, presidente da empresa.
É que a forma como nós compramos online muda o tempo todo. Há dez anos, pagar anúncios no Google e mandar newsletters eram maneiras eficientes de atrair clientes para a sua loja online. Hoje, consumidores compram o que foi postado por influenciadores no Instagram. É possível ter um site próprio, mas o grosso das compras online passa por grandes varejistas, e os pequenos montam seus marketplaces dentro deles.
O mercado financeiro tem sido generoso com a Locaweb: enquanto o Ibovespa colapsa com a crise fiscal e a disparada de juros – que deixa investimentos em ações menos rentáveis –, as ações da Locaweb sustentam uma relativa estabilidade. Para Fernando, investidores entenderam que a companhia é resiliente em crises. Nesta entrevista, ele comenta o que a empresa tem feito, e o que ela pretende fazer, para aprimorar o e-commerce no país.
♦
A Locaweb começou como hospedagem de sites. Como foi que o negócio virou uma empresa de e-commerce?
A Locaweb tem como objetivo fazer pequenas empresas crescerem e prosperarem com o uso da tecnologia. Se olharmos 23 anos atrás, quando ela nasceu, tecnologia para PMEs era ter um site. Hoje, além de ter isso, você tem email, cloud [serviço de armazenamento na nuvem], gestão de rede social, aplicativo.
Você quer vender bolos pela internet e vai montar uma loja, por exemplo. A gente tem a tecnologia e vai colocar o carrinho de compras no site. Você vai cobrar pelos bolos. Nós temos solução de pagamento. Você quer fazer esforços para atrair clientes. Temos email marketing para isso. Você quer integrar sua loja com um marketplace para vender seus bolos no Mercado Livre, na Amazon, na Americanas, na Magalu.
A gente faz. Você precisa de crédito. A gente dá. Você precisa de um sistema para emitir nota fiscal da sua loja. Temos o maior RP [recibo de pagamento] de e-commerce para PME. Você precisa fazer a logística. Estamos integrados com essa parte também.
O quanto o e-commerce representa do faturamento da Locaweb?
O e-commerce já responde por 56% do nosso Ebitda [lucro antes do desconto de impostos, depreciação e amortização]. Cresceu 159% no segundo trimestre. Como um todo, a empresa avançou 57%. É um monstrinho que cresce sem parar.
O resultado só foi possível por causa das aquisições, certo?
A empresa vem crescendo organicamente também, mas as aquisições deram um fôlego extra nessa montagem de um ecossistema de e-commerce. Só que ainda falta bastante. Fazer e-commerce é algo quase infindável. Há dez anos, se adquiriam clientes anunciando no Google e com email marketing. Só. Hoje você tem influencers, marketplace… é uma loucura.
E vai ficar cada vez mais complexo. Muito e-commerce está fazendo marketing de influência [paga influenciadores digitais para anunciar produtos]. O grande lojista resolve tudo, para Americanas e Magazine Luiza é fácil. Ele é grande e pode pagar por um influenciador. O meu desafio é como socializar isso, como tornar o que o grande faz acessível para o pequeno.
E de onde virá o dinheiro para tanto investimento?
Tenho mais de R$ 1,5 bilhão em caixa só para aquisições, para colocar mais serviços como esse. Essa é uma vantagem em relação aos meus concorrentes. Muitos deles perdem dinheiro, enquanto eu já gero caixa. Não preciso desse caixa para fazer outra coisa. Só preciso para aquisição.
O crescimento da Locaweb não vai atrair concorrência de big techs para esse mercado?
A gente já é uma empresa grande, a segunda maior empresa de tecnologia da bolsa brasileira. E não é tão trivial entrar no mercado brasileiro, já que ele é cheio de particularidades. O Brasil tem parcelamento no cartão de crédito, por exemplo, e ele precisa estar integrado ao e-commerce. Não é só pegar uma plataforma lá fora, trazer para cá e traduzir para o português, como muito gringo faz.
A estreia da Locaweb na bolsa coincidiu com o início da pandemia, quando todo mundo precisou vender online. Agora que a economia já reabriu, como manter o ritmo de crescimento?
A Covid trouxe um senso de que o brasileiro estava muito acomodado com relação à tecnologia. A penetração do e-commerce era de 8%, muito baixa. Agora chegamos a 14%. E ainda é pouco – a China tem quase 30%. Outra coisa: quem provou e-commerce viu que não é uma questão só de sobrevivência. O empresário pode economizar dinheiro e gastar de maneira escalonada. Por isso, estou conseguindo manter a minha entrada de lojas tão boa quanto na pandemia, o que é muito bom.
A Locaweb não corre o risco de perder receitas caso a economia brasileira desacelere?
A maioria dos pequenos empresários está vendo que o meu negócio os ajuda a não quebrar. Por isso que ele está bem. Na crise de 2014, a Locaweb passou reto. 2008? Reto. Isso acontece porque a gente ajuda o cara a não quebrar. Na pandemia, eu ajudei o restaurante que estava com o salão fechado a vender.
As ações de tecnologia foram as primeiras a cair com a alta dos juros. O que isso significa para a Locaweb?
A gente está estável. Primeira coisa: nós não somos varejistas [que encolhem quando o crédito fica mais caro]. Eu vendo uma ferramenta que apoia o varejo. Parte da minha receita é recorrente, de assinaturas que o lojista paga por estar usando a minha plataforma. Segundo, nós não estamos sofrendo queda na entrada de clientes. Minha base de acionistas é cada vez mais gringa, com 75% de estrangeiros, o que é muito diferente daquilo que acontece com a maioria das techs brasileiras. Um dos meus acionistas, com 10% da empresa, é a BlackRock [maior gestora de investimentos do mundo]. Não é que eu não goste do investidor brasileiro, mas o gringo aposta mais num longo prazo. Ele não vende a ação.