Gol: a ação da companhia aérea está pronta para decolar?
O mercado chegou a apostar que ela não sobreviveria ao coronavírus. Com a pandemia quase no retrovisor, a Gol manteve seu market share, ganhou a American Airlines como sócia e já sonha com carros voadores.
Investir em companhia aérea brasileira é viver sob uma turbulência perpétua. A cada dois anos, uma desaparece. A última falência foi a da Avianca, em 2019, mas antes houve Varig, Webjet, Vasp e Transbrasil, além das operações de companhias menores. De 2001 para cá, 11 negócios aéreos sumiram no ar. O óbvio, então, era esperar que o coronavírus fosse abater mais uma – e das gigantes.
Houvesse um bolão, a Gol teria recebido a maior parte das apostas para próxima vítima. Não seria a primeira vez que a empresa, que sempre acumulou uma dívida altíssima, ficaria na berlinda. Em 2016, no auge da recessão brasileira, ela renegociou mais de R$ 1 bilhão em dívidas para evitar um calote, além de buscar mais crédito no mercado. O mesmo aconteceu de 2020 para cá, e o risco de inadimplência só saiu do horizonte em setembro, quando a companhia terminou de refinanciar sua dívida de curto prazo e recebeu novos investimentos.
O processo coincidiu com a volta dos passageiros. Com 70% da população vacinada com pelo menos uma dose e os números de casos e mortes no menor patamar do ano, a coragem e a vontade de entrar em um avião vieram num efeito-rebote. A procura por viagens disparou. Ao fim de julho, a Gol esperava que as vendas no segundo semestre poderiam crescer 35% na comparação com 2020, alcançando a metade do mercado de antes da pandemia. Não só. A companhia pretendia elevar em 50% o número de decolagens. O mesmo acontecerá com as ações da Gol?
Voar, voar
Foram 11.223 decolagens de aviões da Gol em agosto, uma alta de quase 11% na comparação com igual período de 2020. 1,997 milhão de assentos ganharam os ares – 1,5 milhão deles com algum passageiro sentado. Isso dá uma taxa de ocupação de 80,2%. É o melhor desempenho das companhias nacionais, já que Latam e Azul não cruzam a linha dos 80%. A Gol também tem o maior market share, com 35% da demanda de brasileiros, de acordo com dados da Anac até agosto. Em resumo, a companhia conseguiu manter sua posição de maior do país sem deixar seus aviões vazios.
Para manter o negócio viável, porém, a Gol e as outras aéreas tiveram de aumentar o preço das passagens. Em 12 meses, os bilhetes acumulam alta de 40%, de acordo com o IBGE. É que houve uma mudança significativa no mercado. A maioria das pessoas em viagem de férias compra o ticket com antecedência, em busca de preços mais convidativos. Já nas viagens a trabalho, empresas costumam comprar passagens em cima da hora – e pagam o quanto for necessário por isso.
Era um negocião para as companhias, que garantiam uma ocupação mínima do voo meses antes da decolagem e depois podiam cobrar o que bem entendessem. O problema é que, por enquanto, os turistas voltaram a embarcar, enquanto as viagens de trabalho seguem limitadas.
Mais: as aéreas entenderam que não adianta fazer guerra de preços neste momento. Quem quer viajar pela primeira vez depois de dois anos de pandemia tende a fazer isso pelo preço que for.
Esses dois fatores brindaram os brasileiros com passagens mais caras. Ainda assim, a média de receita por passageiro segue menor que no pré-pandemia. Dá para ver isso em uma das métricas complexas do setor aéreo: o yield (renda) por passageiro-quilômetro. Esse número diz quanto a empresa ganhou por cada quilômetro que você voou. É coisa de centavos por quilômetro. Na média, o yield está em 0,2586, abaixo dos 0,2755 do final de 2019. Ou seja: as perdas no segmento de viagens corporativas ainda não foram compensadas.
Não é só a falta de viagens a negócio que pesa. Os custos não param de subir. O combustível representa um terço dos gastos de uma companhia aérea. Com os preços do petróleo e do dólar avançando à velocidade do som, o querosene de aviação vai lá para cima, esmagando o lucro da companhia justamente quando a esperança era de melhora.
Enquanto isso, parte dos problemas causados pela pandemia persiste. O custo fixo com os aviões é elevadíssimo. O aluguel de cada avião custa R$ 5,5 milhões por mês. É que ninguém compra seus Boeings e Airbuses de fato. O sistema é de leasing, uma espécie de aluguel do mundo corporativo. No segundo trimestre, a empresa registrou R$ 7,7 bilhões em arrendamentos a pagar.
Ao longo da pandemia, a Gol devolveu 19 aviões arrendados da Boeing, aproveitando para tirar da malha os modelos mais antigos, que queimam mais combustível. Só que, ainda assim, a companhia decolou apenas 53 de 127 aviões no segundo trimestre, deixando em solo 57% da frota. Em setembro, informações preliminares apontavam para cerca de 80 aviões nos ares. Avião parado também gera despesas brutais, já que eles passam igualmente por manutenção. Até o final do ano, a empresa espera ter 102 aviões nos ares.
A dívida
Não seria suficiente para evitar um colapso financeiro. Segundo a Fitch Ratings, o buraco que a Gol tinha para cobrir até o final do ano era de R$ 1,7 bilhão, mas o dinheiro para pagar somava R$ 800 milhões. A sorte é que o mercado não teve medo. A Gol conseguiu captar R$ 1,4 bilhão, e praticamente inverteu os números. Na reorganização, reduziu a dívida de curto prazo para R$ 500 milhões e deixou na conta da companhia um saldo de R$ 1,8 bilhão.
A manobra que mais chamou a atenção do mercado foi a venda de 5,2% da empresa para a American Airlines. A entrada de companhias estrangeiras nas aéreas nacionais não é novidade. A Delta já foi sócia da Gol no passado, mas migrou para a Latam, enquanto a United tem uma fatia da Azul.
O surpreendente foi o quanto a American pagou: os US$ 200 milhões desembolsados equivalem a mais que o dobro do valor atual da ação da Gol. Foram R$ 47 por papel, dos cerca de R$ 20 que eles valem na bolsa. A Gol não bate os R$ 40 desde julho de 2019 – R$ 47 por ação é uma coisa vista pela última vez em 2007.
A dívida total da Gol ronda os R$ 20 bilhões, somando os boletos que estão virando a esquina e as obrigações de longo prazo. Não é simples administrar esse buraco. Até porque não é só o número absoluto que importa, mas a capacidade que a companhia tem de gerar o lucro necessário para pagá-la. O mercado financeiro olha para a relação dívida/Ebita (grosso modo, o tamanho da dívida em relação ao lucro operacional da empresa, sem levar em conta impostos e outros descontos). E aqui vem uma má notícia: esse número não para de crescer.
De acordo com o Goldman Sachs, a dívida líquida era de 6,8 vezes o Ebitda da Gol em 2020, mas fechará o ano em 12 vezes. Não só. Desde 2014, a Gol tem patrimônio líquido negativo. Isso quer dizer que, mesmo que hoje ela decidisse vender todos os seus ativos, não conseguiria pagar todos os seus credores – algo que também ocorre com a Azul desde 2017, vale notar. Investir em empresas com esse problema é andar na corda-bamba, e o cenário continuará assim por um bom tempo.
O Goldman Sachs, mesmo assim, recomenda a compra da ação com preço-alvo de R$ 28,60 em 12 meses (+40%); o BTG Pactual, a R$ 31 (+50%). O Itaú não tem recomendação, apenas estima que a empresa deve ter desempenho em linha com o mercado e fechar o ano com a ação
em R$ 24,46.
Otimismo pessimista
A eventual alta não depende só do arrefecimento da pandemia. O fato é que a companhia depende da economia brasileira, já que hoje sequer tem voos internacionais – eles saíram da malha da Gol no começo da pandemia e ainda não há previsão de retorno.
E aí a empresa da família Constantino enfrenta um risco adicional: a desaceleração do PIB. A alta de juros, necessária para combater nossa inflação de 10%, também contrai o Produto Interno Bruto, o que aumenta a pressão para o achatamento de salários e mantém o desemprego em alta. Para este ano, as apostas de crescimento econômico estão na faixa dos 5% – efeito-rebote da queda de 4% registrada em 2020, e que não faz muito mais do que zerar a conta. Para 2022 tudo indica uma freada, para abaixo de 2%.
Mesmo se dizendo otimista com a economia em 2021, a Gol ajustou para baixo suas projeções de aviões no ar, receita líquida e lucro operacional até o fim do ano.
Ela também enfrentou problemas internos em agosto, quando trocou o software por trás do sistema de gestão de passagens e voos. Foram dez dias de reservas de viagens que sumiam, de clientes que só conseguiam fazer seus check-ins no aeroporto (em vez de em casa, como se tornou padrão), além de voos cancelados. Mesmo assim, a companhia não atualizou a investidores o impacto financeiro do período de instabilidade.
“Carros voadores”
Enquanto renegociava dívidas e acalmava clientes, a companhia aérea acenou para o futuro. Depois da concorrente Azul, a Gol anunciou ter fechado um contrato para comprar 250 carros elétricos voadores, chamados pela sigla de eVTOL – uma espécie de helicóptero do futuro. É do futuro mesmo, dado que eles só existem na forma de protótipos pouco funcionais. A vantagem ali, quando a tecnologia estiver pronta, está no preço da operação: a hora de voo dos veículos elétricos de pouso e decolagem vertical (as palavras que formam a sigla em inglês eVTOL) será absurdamente mais barata que a de um helicóptero – pelo menos quando a energia elétrica não estiver sob bandeira vermelha…
No Brasil, a Embraer trabalha no desenvolvimento de seu próprio eVTOL, mas a Gol fechou contrato com a britânica Avolon. O modelo escolhido permite o transporte de quatro passageiros em trajetos curtos – dentro das grandes cidades ou em viagens de até 200 quilômetros. O valor do contrato não foi divulgado e, de qualquer jeito, o dinheiro não deve sair do caixa da aérea. Segundo a companhia, a holding da família Constantino bancará o investimento.
Se tudo der certo, essas novas aeronaves começam a voar pelos céus brasileiros em meados de 2025. Não depende, no entanto, apenas do fabricante entregar os aparelhos, mas de um calvário regulatório para garantir a segurança da nova tecnologia.
O fato é que há tempos empresas aéreas tentam ligar cidades menores aos grandes aeroportos do país em uma forma de ampliar o próprio mercado. Em junho, a Gol havia comprado a MAP Transportes Aéreos, uma companhia regional do Estado do Amazonas que opera aviões turboélices para até 70 passageiros – mais ágeis e baratos para voos curtos. Com os eVTOLs, a aposta é capilarizar a malha aérea para praticamente qualquer cidade que fique a algumas centenas de quilômetros de um aeroporto.
No fim, investir na Gol é a mesma coisa que encomendar um eVTOL: uma aposta no futuro.