Ibovespa sobe, mas é o dólar a R$ 5,70 que ajuda a medir o caos econômico
Ações de bancos subiram mesmo depois do aumento de impostos. Dólar disparou em dia que Guedes previu a transformação de Brasil em Argentina e Venezuela.
Se a sua internet tivesse caído na noite de segunda, e você tivesse passado o dia offline brigando com a sua operadora, poderia acreditar que magicamente os problemas do país foram resolvidos.
É que o Ibovespa subiu 1,09% nesta terça-feira (2), mesmo com mais um dia negativo no exterior: o índice terminou de volta aos 111.539 pontos. Foi a esperança que fez a bolsa subir. Mas foi só isso mesmo, porque o caos continua.
Os bancos puxaram a alta um dia depois de o governo anunciar o aumento de impostos sobre instituições financeiras para subsidiar a isenção de tributos sobre o gás de cozinha e o diesel. Na última meia hora de pregão saiu a notícia com os detalhes da Medida Provisória que aumenta de 20% para 25% a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL, sobre as grandes instituições até 31 de dezembro.
Na segunda, bancões haviam terminado o pregão na lona só pelo anúncio de que a MP viria. No começo desta terça-feira, a carnificina continuava — mas num passe de mágica a maré virou. Esperança, quer ver?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou pela manhã a banqueiros que a alta seria temporária. Ao Estadão, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse que o “temporário” de Guedes era de seis meses. Uma informação que já não bateu.
Tem mais. Sidney afirmou que o imposto adicional deixará o crédito mais caro. Ninguém achou que os bancos iriam engolir o preju, né? O presidente do Banrisul afirmou que essa “pequena alta” pode significar crédito até 10% mais caro.
A XP não entrou na discussão de custo de crédito e do repasse aos clientes. Previu apenas um impacto no lucro dos bancos, com a CSLL mais alta, de no máximo 3,7%. Completou pedindo pra galera se acalmar e afirmando que a reação de ontem “havia sido exagerada”. Bom, a própria XP agora é banco e também paga CSLL maior.
Não é de hoje que as ações dos bancos vem apanhando na bolsa (no acumulado do ano, algumas instituições estão perdendo até 20%). Então, depois dos panos quentes, teve gente achando que os papéis dos bancões estavam mesmo uma verdadeira pechincha. E, de patinhos feios, eles foram alçados a estrelas do pregão. No final, terminaram o dia nas alturas. Itaú ganhou 4,04%, Santander avançou 3,14%, Bradesco cresceu 2,70% e Banco do Brasil aumentou 3,84%.
A Vale também ajudou a empurrar o Ibovespa. Além de o minério de ferro ter fechado o dia em alta de 0,57%, contribuiu o fato de que o BTG elevou o preço-alvo da mineradora de US$ 21 para US$ 27.
Segundo os analistas do banco, o minério e outras commodities vão continuar a escalada de preços – o que deve beneficiar a Vale. De acordo com eles, com isso, a expectativa é que a empresa cresça de US$ 8 bilhões para US$ 12 bilhões o pagamento de dividendos neste ano. De olho nesse cofre, os investidores encheram o carrinho com os papéis da companhia, e a Vale terminou em alta de 3,07%.
O desempenho de bancos e Vale até jogaram o Ibov pra cima, mas está longe de ser uma medida adequada do caos em que o Brasil está mergulhado.
O dia amanheceu com o dólar disparando a R$ 5,70. Era culpa desse swap de impostos do governo (trocando combustível por banco) e do zero esforço de cortar despesas para pagar a nova rodada do auxílio emergencial.
Foi até engraçado (se você tiver uma veia sádica) porque, também pela manhã, saiu uma entrevista concedida pelo ministro Guedes ao podcast do influencer Thiago Nigro, o Primo Rico. Lá ele afirmou que o Brasil poderia virar uma Argentina em seis meses e uma Venezuela em um ano e meio. Era para ser um recado sobre o agravamento das condições econômicas do país — resta saber se para ele mesmo, como ministro da ECONOMIA, para o presidente Bolsonaro ou para o Congresso.
Bem, uma das últimas profecias simbólicas do ministro foi justamente sobre o dólar. Guedes disse que a moeda poderia ir a R$ 5, se ele fizesse muita besteira. A frase fará um ano na sexta-feira e, naquela época, o dólar custava R$ 1,10 a menos (R$ 4,60). A moeda americana terminou esta terça em alta de 1,17%, cotada a R$ 5,66. Só tirou o pé do acelerador depois de o BC queimar US$ 2 bilhões das reservas para conter a disparada do começo da manhã.
Os juros também dispararam. No fechamento, os juros para janeiro de 2022 pularam de 3,81% para 3,85%. Já as taxas para janeiro de 2023 aumentaram de 5,73% para 5,77%. A coisa tá tão descompensada que o mercado financeiro está apostando que a Selic subirá para 2,50% na reunião deste mês, algo até outro dia impensável dado o estado lastimável da economia brasileira depois da pandemia — o estrago deixado em 2020 será conhecido amanhã, quando o IBGE divulgar o PIB.
E não há nada realmente sendo feito para resgatar o país do caos. A esperança de curto prazo era a PEC Emergencial (aquela que o mercado confiava que seria a salvação, pois criaria gatilhos fiscais contra o endividamento), que desidratou e chegou no volume morto.
A proposta foi apresentada no plenário pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC) e: 1) a nova rodada do auxílio emergencial, que vai custar em torno de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões, foi incluída sem nenhuma contrapartida de corte no Orçamento; 2) embora não tenha sido incluído no texto final, os senadores pretendem levar ao congresso, na discussão de amanhã, a proposta de que os gastos com o Bolsa Família, de cerca de R$ 34,9 bilhões, também fiquem de fora do teto. A única medida que sobra é a de congelar salários de servidores quando as despesas atingirem 95% do Orçamento da União.
Como disse o perfil do Twitter @FariaLimaElevator, o teto de gastos virou um rooftop e agora tá rolando uma festa. É bom pegar um guarda-chuva para fugir quando a tempestade interromper a farra.
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Maiores altas
Itaú: 4,04%
Banco do Brasil: 3,84%
Santander: 3,14%
Vale: 3,07%
B3: 3,05%
Maiores baixas
Braskem: 3,99%
Azul: 3,14%
Pão de Açúcar: 3,04%
Gol: 2,94%
Estácio: 2,92%
Em NY:
Dow Jones: -0,46%, aos 31.390 pontos
S&P 500: -0,81%, aos 3.870 pontos
Nasdaq: -1,69%, aos 13.358,79
Petróleo:
Brent (referência internacional): -1,47%, cotado a US$59,75 o barril.
WTI (referência nos EUA): -1,81%, cotado a US$ 62,54 o barril.