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Netflix: vale a pena investir no maior streaming do mundo?

A empresa depende de sua capacidade de lançar séries virais e, depois de Round 6, as expectativas subiram. Entenda o que é preciso para a Netflix continuar a crescer.

Por Tássia Kastner
19 nov 2021, 05h37
Prédio espelhado, sede da Netflix nos EUA
 (Netflix/Divulgação)
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Round 6 já é mais que uma série. É um viral. 140 milhões de assinantes da Netflix assistiram a pelo menos algum trecho – uma lavada no segundo colocado, Bridgerton, que teve 85 milhões de plays. Seis em cada dez usuários do serviço teriam assistido a essa versão coreana de Jogos Vorazes. Não só. Os memes e vídeos de Round 6 no TikTok, a rede social dos mais jovens, alcançaram mais de 40 bilhões de visualizações. A Netflix planeja fazer produtos de merchandising e ainda avaliou, em um documento interno divulgado pela Bloomberg, que a produção gerou US$ 900 milhões em valor para a companhia – uma série bem-sucedida no boca a boca, afinal, traz novos assinantes.

Tanto sucesso deu fôlego para as ações da empresa. Desde a estreia da série coreana, em 17 de setembro, até o fim de outubro, os papéis negociados na Nasdaq acumularam alta de 18% (os BDRs aqui na B3 subiram 27%, graças ao impulso extra do dólar). Mesmo assim, a Netflix ainda sobe menos que a média do mercado no ano: 30% x 44% do índice Nasdaq, seu benchmark.

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Parece contraditório. Ao mesmo tempo em que foi celebrado, Round 6 ajudou a reacender um certo ceticismo de investidores. A líder global de streaming não terá ficado dependente demais de séries virais para continuar a crescer?

No fim do terceiro trimestre, a Netflix tinha 214 milhões de assinantes pagantes – número equivalente à população do Brasil. Foi um mercado aberto com esforço bandeirante ao longo de 14 anos. E é o que faz a Netflix ser o maior serviço de streaming do mundo. Chega uma hora que o ritmo de desbravamento começa a cair.

No terceiro trimestre chegaram 4 milhões de novos clientes – mais do que no primeiro semestre inteiro, mas aquém do que a empresa vinha registrando em anos anteriores. Mesmo que 8,5 milhões de pessoas contratem a Netflix no quarto trimestre, como a companhia espera, ainda será o menor crescimento da base desde 2016. A receita também perdeu força. A companhia faturou US$ 7,5 bilhões no terceiro trimestre, uma alta de 16%. É crescimento, mas o menor em anos.

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Não se trata de uma catástrofe, claro. O ponto é que a desaceleração chega em um momento no qual concorrentes começam a ganhar musculatura. E investidores questionam se ainda vale a pena apostar nos papéis da Netflix.

cena de round 6
Round 6 foi a série mais vista da história da Netflix. (Netflix/Divulgação)

Tudum

A Netflix começou em 1997 como uma locadora de DVDs pelo correio. Em 1999, inovou: passou a cobrar uma mensalidade em troca de locações ilimitadas. Você pagava e assistia a quantos filmes quisesse, com a diferença de que eles chegavam à sua casa em formato físico. O grande salto veio em 2007, com o início do streaming. Nascia ali a jornada de 14 anos que mencionamos acima.

Naquela época, porém, banda larga estava mais para banda lesma. Ficava difícil convencer alguém de que streaming valia a pena quando o filme travava de cinco em cinco minutos. As smart TVs estavam só começando. Foi naquele ano que a Apple lançou a primeira versão Apple TV, uma caixinha que faz uma TV convencional ficar esperta – a versão do Google, o ChromeCast, só chegaria cinco anos depois.

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Mesmo assim, a Netflix foi expandindo. Em 2010, estreou no Canadá, em 2011 aportou no Brasil, Argentina e Chile (hoje está presente em 45 países). Além da falta de internet, países em desenvolvimento tinham outras barreiras: pouca gente usava cartão de crédito online. Num relatório de resultados de 2011, a Netflix explicou a acionistas que negociava com bancos brasileiros para que eles aceitassem débito e boletos no pagamento de assinaturas.

Mas era questão de tempo até isso mudar, e a Netflix estava preparada para a virada de chave. Antes da internacionalização, a empresa tinha 12 milhões de assinantes americanos. Hoje, 60% dos 214 milhões são de fora dos EUA. Enquanto isso, o Hulu, um concorrente direto lançado em 2008 nos Estados Unidos, chegou ao Brasil apenas neste ano, sob a marca Star+. Isso depois de ter mudado de controlador e agora estar sob o comando da Disney.

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Sede da Netflix no Brasil (Netflix/Divulgação)

Produção

A Netflix entendeu, porém, que tinha um segundo obstáculo: como colocar mais filmes e séries em sua plataforma de modo sustentável. Só o modelo de licenciamento, usado no começo, não daria conta. Primeiro porque algumas produtoras não negociavam exclusividade, enquanto outras fechavam a porta para a empresa, vista como a concorrente que é.

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Se todo mundo tem os mesmos filmes e séries, você escolhe um único streaming – o mais barato, claro. Nisso, a rentabilidade da companhia derrete, e fica mais difícil para o negócio crescer. O segundo era ainda mais complexo de driblar. Conforme a Netflix crescia, estúdios começaram a se mostrar resistentes em entregar à empresa os seus produtos. Começavam a planejar seus próprios streamings para lucrar com o novo mercado.

O combo de 1) preciso de material exclusivo e 2) não posso depender de quem não quer fechar acordos comigo fez com que a Netflix se transformasse em estúdio, passando a produzir conteúdos próprios, os originals. O primeiro dessa linhagem foi Lilyhammer, um spin-off de Os Sopranos feito em parceria com uma rede de TV norueguesa, em 2012. Mas o boom mesmo veio no ano seguinte, com a primeira produção 100% by Netflix: House of Cards.

E com a série do presidente psicopata encarnado por Kevin Spacey veio uma novidade: em vez de lançar um episódio por semana, como os canais de TV faziam, todos os capítulos foram ao ar de uma vez só, uma atitude que mudaria para sempre a forma de consumir seriados. E hoje 50% dos novos conteúdos do streaming são produções da casa, uma Hollywood própria que garantiu à Netflix 44 prêmios Emmy em apenas uma temporada – um recorde.

Cena de House of Cards
House of Cards foi a primeira série original feita 100% pela Netflix (Netflix/VOCÊ S/A)
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Virou um moto-perpétuo. A Netflix não pode parar de produzir, porque precisa sempre de lançamentos capazes de viralizar e atrair novos assinantes – e também para não perder os que já tem. Para ela, um dos problemas de 2021 foi justamente uma quebra de safra de séries e filmes. Como gravações foram paralisadas para conter a pandemia, lá em 2020, as estreias ficaram mais escassas neste ano.

Para 2022, ela sinaliza com uma volta à programação normal. E o ritmo parece já ter se recuperado neste final de ano. Analistas do Credit Suisse escreveram, de forma genérica, que havia títulos com potencial de viralizar. E era disso que dependia uma revisão de expectativas para um cenário mais otimista para 2022. Não que eles estejam pessimistas. Na projeção do banco, as ações têm potencial de bater os US$ 740 na Nasdaq, o que significaria uma valorização de 15% sobre o patamar atual.

Não é exatamente uma alta impressionante para uma empresa da qual o mercado ainda espera crescimento. Dá para ver isso pela divisão do preço das ações pelo lucro anual. Esse indicador mostra quantos anos um investidor levaria para recuperar o valor investido na companhia. Quem compra ações da Netflix espera hoje 60 anos, o dobro da média do S&P 500 e de certas empresas tech, como a Apple. Investidores só compram ações relativamente caras quando esperam que os lucros da companhia cresçam de forma substancial. Se os resultados passam a desacelerar, a ação desacelera junto – ou cai, a depender de quão cara ela estava.

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No bolso

Uma saída para compensar o período de vacas magras é aumentar o valor das assinaturas. Em julho, a Netflix anunciou reajustes no serviço em 20% aqui no Brasil. Nisso, o plano mais barato, de qualidade de imagem inferior, sai a R$ 25,90 por mês e quem está no 4K paga R$ 55,90.
O reajuste fez com que a América Latina tenha sido a região que menos ganhou clientes no terceiro trimestre, o que colocou mais uma dúvida nas projeções de investidores. A Netflix terá atingido um teto de reajustes, agora que a concorrência apertou de verdade?

De fato, não faltam opções mais econômicas que a Netflix. De Amazon Prime a Apple TV+ (cada um R$ 9,90 por mês), até Globoplay (R$ 49,90 com Telecine junto). O fenômeno é o mesmo no exterior, à medida que os serviços concorrentes ampliam seus tentáculos. Por enquanto, nada capaz
de abalar a participação de mercado da gigante. Ela tem 31% do streaming no Brasil, seguida pela Amazon e seus 24%. Na terceira colocação está o Disney+, com 12%.

Mais: a Netflix decidiu ampliar seus serviços mais uma vez. Neste mês, lançou a oferta de jogos para celulares, sem cobranças extras e sem anúncios. O foco é atrair e reter clientes com um diferencial capaz de agregar mais valor à assinatura que o cliente paga. Mas ainda é cedo para saber se dará certo.

Não importa tanto. A Netflix é líder num mercado que ainda tem um potencial robusto de crescimento, com lugar para ela e outros concorrentes. Um estudo da Research and Market aponta que o mercado como um todo deve faturar US$ 223,98 bilhões em 2028, o que representaria um crescimento de 21% ao ano daqui até lá. Mesmo que a Netflix tenha desacelerado, ainda há chão para trilhar.

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