Recessão nos EUA se avizinha, e as bolsas comemoram. Entenda.
É o paradoxo estendido na areia do mercado. Uma recessão pode segurar as altas nos juros do Fed. Veja como funciona esse mecanismo contra-intuitivo.
Depois de um dia de montanha russa, a bolsa resolveu fechar em alta: 0,42%, aos 98.953 pontos. O Ibovespa passou o dia de mãos dadas com seu par americano, o S&P 500, que também depois de altos e baixos sextou em doces 1,06%.
Mais do que analisar os motivos para a alta, vale olhar para o que causou o sobe e desce: um sentimento bittersweet do mercado, com um franco cabo de guerra entre o bitter (amargo) e o sweet (doce).
O bitter é o seguinte: a economia americana está a caminho de uma recessão, ou algo perto disso.
Nesta sexta, o JPMorgan cortou a estimativa do crescimento americano do segundo trimestre, de 2,5% para 1%. Para o terceiro trimestre deste ano, esperam crescimento de 1%, ante 2% previamente. E uma alta de 1,5% nos últimos três meses de 2022.
“Nossa previsão chega perigosamente perto de uma recessão”, afirma Michael Feroli, economista-chefe do JPMorgan nos EUA.
O GDPNow, um indicador do Fed de Atlanta que acompanha dados econômicos em tempo real, é ainda mais assustador. Ele aponta que o PIB americano deve encolher 2,1% de abril a junho, depois de recuar 1,6% no primeiro trimestre. Dois períodos seguidos de contração representam, tecnicamente, uma recessão.
E isso deixa as bolsas tristes, naturalmente: ambiente de recessão não é ambiente para altas nos lucros. E o que move bolsas para cima, no fim das contas, são altas nos lucros – o resto é astrologia.
Mas essa história de recessão tem seu lado sweet também, veja só. Se a economia americana está a ponto de travar, isso significa uma espécie de auto-regulação do mercado (justamente algo que o Fed disse que poderia acontecer). “Auto-regulação”, nesse caso, significa isto aqui: a inflação por si só começa a fazer com que as pessoas consumam menos. Com menos consumo, o que acontece com os preços? Seguem subindo na loucura? Claro que não: eles caem
O próprio aumento dos juros é uma ferramenta para matar a inflação a golpes de recessão. Se a recessão está chegando com os juros ainda baixos (1,75% ao ano, um milhão de pontos abaixo da inflação, de 8,6%), significa que o Fed talvez —- TALVEZ —— não precise subir os juros tanto assim para combater as altas nos preços.
E isso deixa as bolsas felizes: com juros menos altos, drena-se menos dinheiro da economia. E sobra mais para esse casino a céu aberto que chamamos de “mercado” (sem demérito – é um casino bacana, afinal).
Mais: há alguns sinais de que a inflação pode mesmo estar cedendo. Ou seja: ter chegado ao pico, lá de onde não há outro caminho que não ladeira abaixo. Só vamos saber disso para valer quando chegar o CPI (o “IPCA” deles). Mas existem pistas. Vamos a elas.
Uma está no PMI (sigla em inglês para Índice dos Gerentes de Compras). Ele é calculado com base em um relatório que os responsáveis pelas compras do setor da indústria preenchem. O objetivo é identificar as tendências do setor ouvindo quem trabalha na área.
O índice é um tanto esotérico: chega na forma de pontos, de zero a 100. Só que o zero ali não é o zero. É o 50. Se der mais do que 50, verificou-se uma tendência de alta. Menos de 50, uma de baixa.
Baixa ou alta do quê? De várias coisas. Aqui vamos focar em duas. Uma é o Índice de Confiança dos tais gerentes no futuro da economia americana. E ela caiu: de 56,1 pontos em maio para 53 em junho. Ou seja: o pessoal prevê mesmo algo próximo de uma estagnação – em linha com o que o JP Morgan acha também.
Outra das “coisas” é o Índice de Preços da Manufatura. E esse é o mais importante para a parte da inflação. Ele mostra se os gerentes acham que os preços das matérias primas, máquinas e tudo o mais que eles compram vão subir ou descer. Acima de 50 é “vão subir”, lógico.
Bom, ele está em 78,5. Bem alto, sim – em abril de 2020, quando a pandemia criou deflação, o índice caiu para 35,3 pontos. Mas então: os 78,5 de hoje são um índice menos alto que o de maio (82). A previsão consensual do mercado apontava para uma quase estabilidade, em 81. Deu bem menos.
Não só. Isso mostra uma tendência de queda mais longa. O pico desse índice rolou há um tempo já, em março, quando ele fechou em 87.
Significa que a alta da inflação acabou? Não. Mas não deixa de ser um indício de desaceleração. E temos aí mais um motivo para o Fed talvez, quem sabe, por ventura, desconsiderar novos aumentos turbo, de 0,75 ponto porcentual.
No mercado, o lado de quem aposta nisso venceu o cabo de guerra. E tivemos as altas que você viu.
Brasil
Apesar do otimismo em Wall Street, o real não escapou da quebra do teto de gastos e o dólar subiu 1,65% e foi a R$ 5,32 maior valor desde fevereiro.
Na noite de quinta, o Senado aprovou a PEC dos benefícios eleitoreiros do governo Bolsonaro. O projeto visa aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobrar o vale-gás, criar um auxílio taxista e um voucher-caminhoneiro de R$ 1 mil O impacto das medidas populistas a três meses das eleições pode ser de R$ 41,2 bilhões.
Como disse o Faria Lima Elevator hoje nas redes: “Quando vamos falar de ‘auxílio investidor da B3?”. Hahahaha.
Ibovespa
Por aqui, a MRV registrou uma das maiores altas do pregão (6%) após divulgar que vendeu sua carteira de crédito pró-soluto (dois CRIs) por R$ 349,4 milhões. Isso reduziu os créditos a receber da companhia e fortaleceu o caixa, com liquidez imediata.
A construtora também relatou que a foram concluídas as vendas de dois empreendimentos nos EUA, com lucro bruto de US$ 71,6 milhões, e que irá recomprar até 6,082 milhões de ações. O movimento de hoje pode ser visto com uma sinalização de que os papéis estariam baratos.
Já BRF e Marfrig se beneficiaram do salto do dólar, que pode aumentar suas receitas com exportações. As ações dos frigoríficos subiram 5,08% e 3,88%, respectivamente.
E é isso. Na segunda, o Ibovespa terá de caminhar com as próprias pernas. Não haverá Nova York para servir de guia – é o 4 de Julho
Bom feriado de Independência para eles. E bom final de semana para você.
Maiores altas
IRB Brasil (IRBR3): 6,40%
MRV (MRVE3) 6,02%
Cielo (CIEL3): 4,80%
BRF (BRFS3): 5,08%
MARFRIG (MRFG3): 3,88%
Maiores baixas
Magazine Luiza (MGLU3): -5,98%
Americanas (AMER3): -5,21%
Cogna (COGN3): -3,74%
JHSF (JHSF3): -3,43%
Fleury (FLRY3): -2,64%
Ibovespa: 0,42%, a 98.953,90 pontos
Em NY:
S&P 500:1,06%, a 3.825,36 pontos
Nasdaq: 0,90%, a 11.127,85 pontos
Dow Jones: 1,05%,a 31.097,46 pontos
Dólar: 1,65%, a R$ 5,3212
Petróleo
Brent: 2,38%, a US$ 111,63
WTI: 2,52%, a US$ 108,43
Minério de ferro: -0,31%, a US$ 145,84 a tonelada no porto de Qingdao (China)