Vale a pena ter ações da Raízen, a dona do etanol 2.0?
A RAIZ4 produz etanol e açúcar, distribui combustíveis com a marca Shell e é sócia no Oxxo, os mercados que se espalham como Gremlins. Só que as ações não deslancham. Entenda por quê.
Foi o maior IPO de 2021. A Raízen, uma empresa criada pela Cosan e pela petroleira Shell, levantou R$ 6,7 bilhões na B3. A história era boa: o dinheiro captado iria para financiar um tipo novo de etanol, ainda menos poluente que a versão queimada nos motores flex. Um chamariz alinhado aos princípios ESG e ao apetite do investidor estrangeiro, cada vez mais disposto a financiar uma transição energética para combustíveis menos poluentes.
Só que a ação da empresa empacou depois da estreia. No IPO, em agosto do ano passado, cada papel foi vendido a R$ 7,40. No final de março, era negociado no mesmo patamar, um desempenho decepcionante para uma estreia tão incensada. O investidor se pergunta o que deu errado. Nada, na verdade. Mas antes é preciso entender o que exatamente faz a Raízen.
A empresa foi criada em 2011, e tem três unidades de negócio: a que produz etanol e energia elétrica renovável (a partir da queima de bagaço de cana), a de açúcar, e a operação chamada de marketing e serviços, que abriga distribuição de combustíveis (onde está a rede de postos Shell), mais a operação de lojas de conveniência e os mercados Oxxo.
Quando decidiu vender ações na B3, a companhia colocou na vitrine o etanol. Hoje, depois que a cana-de-açúcar sai das lavouras da Raízen, a empresa precisa tomar uma decisão: é mais negócio produzir açúcar ou álcool? Decidido o uso da cana, ela é moída. O que se usa na produção é néctar açucarado da planta, num processo não muito diferente do que você vê na feira quando compra um copo de caldo de cana: depois de extraído o líquido, sobra o bagaço.
Isso é o jeito 1.0 de produzir etanol. A Raízen, porém, tem uma segunda maneira, que usa justamente os dejetos que sobraram da primeira leva para uma segunda “safra” de etanol.
O processo consiste em diluir o bagaço da cana em enzimas de modo a extrair mais álcool do material. Esse é o chamado etanol de segunda geração (E2G no jargão técnico). A Raízen é a única empresa do mundo com tecnologia para produzir o E2G em grande escala.
Na prática, essa técnica é capaz de elevar em 50% sua produção de álcool sem precisar plantar um hectare a mais de cana. Um belo argumento de venda.
E tem um segundo: o E2G seria ainda menos poluente que o E1G. E é isso que o mundo está buscando enquanto ainda precisa de motores à combustão interna. Etanol é uma commodity como petróleo, soja e café. Em tese, o preço é igual para todo mundo. Mas, assim como a Vale consegue um prêmio por extrair um minério com menos impurezas, a Raízen poderia em tese fazer o mesmo.
Por enquanto, a empresa tem só uma usina capaz de produzir esse novo etanol. 80% do dinheiro do IPO, então, vai para ampliar a capacidade instalada. Outras duas estão em construção e a companhia sinalizou, em um evento promovido pelo Bank of America, que pode acelerar o calendário, tocando três obras por vez. O cronograma é ambicioso: chegar a 20 fábricas até o final da safra 2030/31 (o calendário da Raízen acompanha a janela de colheita da cana, que se inicia em 1º de abril).
O Bank of America afirma que esse potencial de crescimento vertiginoso ainda não foi incorporado ao valor da ação. Para o banco, a recomendação é de compra, com preço-alvo de R$ 11 em 12 meses. É a mesma projeção do BTG Pactual. Trata-se de uma estimativa de alta de mais de 50%. O Credit Suisse é levemente mais conservador, e estima que a ação poderá ir a R$ 10.
Investidores costumam dividir as empresas em dois grupos: em crescimento e consolidadas. Do primeiro você espera muito investimento e pouco lucro; do segundo, lucro e dividendos. Só que empresas como a Raízen combinam as duas coisas: um negócio consolidado que abriu uma nova frente de expansão capaz de fazê-lo dar novos saltos, como se fosse uma novata.
O braço de renováveis gera 14% da receita, mas 41% do Ebitda (uma espécie de lucro operacional) da empresa. Além de ficar bonito na foto, mostra que essa é a parte mais rentável da Raízen. E a expectativa da empresa é multiplicar os resultados justamente desse segmento.
Só que, como dissemos, esse é um plano que será concluído ao longo da década.
Segunda aposta
Parecem Gremlins. Você pisca, tem um novo mercadinho de nome Oxxo em São Paulo. Foi uma invasão feroz que resultou em 69 lojas abertas em 12 meses encerrados no fim do ano passado.
Essa é uma nova frente de crescimento da Raízen, segmento que ganhou o nome de negócios “de proximidade”, uma espécie de complemento às lojas de conveniência. Você não vai fazer a compra do mês no Oxxo, mas vai ali pegar umas “coisinhas” que faltaram para preparar um jantar.
A marca Oxxo pertence à mexicana Femsa, mais conhecida por ser fabricante da Coca-Cola no Brasil. Femsa e Raízen assinaram uma joint venture para investir nesse mercado, o Grupo Nós. A empresa não detalha os resultados dessa frente.
Parte do negócio da Raízen é plantar e colher cana, para ter o que processar nas usinas. E aí é preciso contar com São Pedro. A última safra foi de redução da produção das lavouras, um reflexo da falta de chuvas.
O estrago só não apareceu nos resultados da empresa porque os preços acabaram compensando. Afinal, outra parte do negócio é comprar e vender combustíveis. Com a alta da gasolina, sobrou margem para que os preços do etanol acompanhassem.
Os preços de venda de etanol por litro subiram 65%, para R$ 4,20, acima da média do mercado, de acordo com o Bank of America.
Só que há um limite para essa mágica. A receita da Raízen com etanol não depende apenas dela. A conta sempre vai levar em consideração o preço dos outros combustíveis. De nada adianta o etanol ser menos poluente se ele for mais caro que a gasolina. Com a frota de carros flex, o motorista coloca no tanque o que custar menos. E o etanol, você sabe, só vale a pena quando custa até 70% do preço da gasolina.
Só que o etanol continua menos competitivo do que a gasolina, o que coloca em dúvida a capacidade de os produtores gerarem resultados robustos. Na virada do ano para cá, a Petrobras congelou por 57 dias os preços dos combustíveis. O resultado é que, mesmo depois da paulada de 19% na gasolina e de 25% no diesel, a Abicom (a associação dos importadores) afirma que a defasagem segue: em 7% (para gasolina) e 17% (diesel).
E o controle de preços cria um problema não só para o etanol da Raízen, mas também para a segunda maior operação da empresa, a de distribuição de combustíveis – não só etanol, gasolina e diesel também.
Nos postos
O papel de uma distribuidora é comprar gasolina e diesel de uma refinaria, colocar no caminhão e fazer chegar aos postos de combustíveis. É um papel de intermediário. A Raízen é a segunda maior nesse mercado, atrás da Vibra (ex-BR Distribuidora) e à frente da Ipiranga. Você não vê o nome Raízen na hora de abastecer, a marca usada nos postos de combustíveis é Shell.
É um negócio gigantesco, que gerou uma receita de R$ 45,5 bilhões para a empresa no período de setembro a dezembro. O Ebitda, porém, foi de apenas R$ 1,2 bi. Uma margem pra lá de apertada: a operação de etanol, por exemplo, conseguiu um Ebitda de R$ 1,4 bi sobre um faturamento de R$ 7,7 bi.
Não é um jogo trivial. Quanto mais baixo o preço na refinaria, maior as chances de conseguir um lucro generoso. Fica a impressão de que, quando a Petrobras congela os preços dos combustíveis, a vida das distribuidoras fica melhor. É justamente o contrário.
O problema é que o Brasil não dá conta de refinar todo o combustível de que precisa. Aí não adianta o preço lá ser baixo se alguém vai ter de importar para suprir a demanda interna. Se as refinarias da Petrobras vendem abaixo do preço internacional, distribuidoras e postos que têm contrato com ela se dão bem. Ok. Mas quem precisa comprar lá fora se estrepa. No fim, acaba não comprando, porque não vai conseguir um preço de venda vantajoso. Perde-se mercado.
Por isso existe uma pressão enorme para que outras empresas atuem no setor de refino no Brasil, diminuindo a capacidade que a Petrobras tem de influenciar os preços.
Mas isso não significa que o setor tenha se saído mal. No final do ano passado, a Raízen registrou um resultado 35% maior na operação de distribuição.
Havia mais caminhoneiros (consumidores de diesel) circulando, na comparação com 2020 – as vendas subiram 11%. Isso permitiu o repasse de preços mesmo em um cenário em que os bolsos estão cada vez mais apertados pela inflação. E a venda de diesel ajudou a compensar a queda nas vendas de gasolina e etanol, causada pela inflação. Se a grana está curta, afinal, você sai menos de casa.
Mas a situação dos preços dos combustíveis se agravou desde a virada do ano. Fica mais difícil, então, repetir os resultados favoráveis.
Essa é só uma das explicações para a estagnação dos papéis. Outra tem a ver com expectativas. O mercado financeiro tem achado a Raízen conservadora demais.
Quando entregou os resultados referentes a setembro, ela apresentou metas (no jargão do mercado, guidance) tão conservadoras que os bancos de investimento ficaram confusos. “Estamos perdendo alguma coisa?”, questionou o Credit Suisse em relatório. No trimestre seguinte, a Raízen até subiu o sarrafo, mas o banco considerou as estimativas baixas demais, e que indicavam resultados mais fracos dali para frente. O BTG fez uma análise semelhante.
É como se ela estivesse chutando a régua para baixo, para depois surpreender. Só que o jogo não funciona assim. A ideia é que a empresa cumpra o guidance. E, se os lucros começarem a decepcionar, eles serão incompatíveis com as expectativas que o mercado tem para a empresa – aquela das altas de até 50% no valor da ação.
Hoje a Raízen tem um P/L de 23. Ou seja, seu valor de mercado equivale a 23 anos do lucro que ela dá neste momento. Perto de big techs, é nada. Mas na comparação com o setor de energia brasileiro, trata-se de uma ação caríssima. A São Martinho, outra empresa do setor de açúcar, tem P/L de 10. O da Petrobras, a rainha no setor de combustíveis, está em 3,8.
Os planos da Raízen para o futuro podem ser magnânimos, mas na dúvida, parece que os investidores preferem esperar que eles se concretizem antes de colocar as ações num patamar ainda mais alto do que já estão.