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A volta por cima da BRF e os planos de entrar no setor de ração para pets

O CEO Lorival Luz conta como deixou os anos de prejuízo para trás e fala sobre um plano para o futuro: dominar o mercado de ração para pets.

Por Luciana Lima
Atualizado em 18 fev 2021, 21h09 - Publicado em 8 jan 2021, 06h00
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Lorival trabalhou pesado para criar uma nova cultura organizacional, na qual os empregados fossem de fato ouvidos. (Marcelo Coelho/Divulgação)
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Em 2019, quando Lorival Luz, de 49 anos, assumiu o comando da BRF, o cenário da empresa destoava bastante da euforia que marcou a criação da gigante, em 2009. Dez anos depois da fusão entre as concorrentes Sadia e Perdigão, a produtora de alimentos havia deixado de lado os anseios de se internacionalizar e penava para se reerguer depois de uma sucessão de problemas.

A lista é longa. Começa em 2014, com uma reestruturação malsucedida, liderada pelo empresário Abílio Diniz. Segue com um quebra-pau danado, que durou entre 2016 e 2018, entre Abílio e os fundos Previ e Petro [maiores acionistas da BRF] e que culmina na saída do cofundador do Pão de Açúcar do conselho de administração da empresa.

Para piorar, nesse meio-tempo a companhia ainda foi alvo de investigações da Polícia Federal, acusada de adulterar produtos e pagar propina a fiscais sanitários. Como resultado, no final de 2018, a BRF tinha um rombo de R$ 4,4 bilhões e um endividamento seis vezes maior do que o seu Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). A missão de Lorival era, nada mais, nada menos, colocar ordem nessa bagunça.

Com uma carreira de 29 anos e passagens por empresas como Votorantim, CPFL e Estácio, Lorival chegou à BRF como diretor financeiro, em 2017, no olho do furacão. Quando assumiu o cargo de CEO, há um ano e meio, era o sexto presidente em seis anos a ocupar a cadeira. Ciente de que, além de tomar as rédeas de uma empresa combalida financeiramente, iria enfrentar a desconfiança dos mais de 90 mil funcionários, o executivo focou em duas frentes: implementar um novo modelo de gestão e criar uma cultura em que os empregados se sentissem ouvidos.

O esforço começa a dar certo. Em 2019, a BRF reverteu uma sequência de três anos de prejuízo e lucrou R$ 1,2 bilhão. O endividamento também caiu para a metade. A seguir, Lorival explica como reergueu a empresa.


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Como foi assumir uma companhia com tantos problemas?

Quando assumi a gestão da BRF, encontrei um cenário complexo: além do prejuízo e do endividamento, existia outro aspecto tão relevante quanto o financeiro, que era o clima organizacional. As mudanças frequentes, não só de presidente, mas de todo o c-level, resultaram em times desengajados, desmotivados e com uma autoestima muito baixa. E vou ser sincero: enfrentei bastante desconfiança. Era natural. Afinal, depois de tudo o que aconteceu, era compreensível que as pessoas se perguntassem “Será que vai dar certo?”, “Será que essa turma vai ficar?”. Então foi uma trajetória de conquistar a confiança dos funcionários aos poucos. Para isso, no início, eu viajei entre as unidades da companhia feito um doido. Queria que as pessoas entendessem que estávamos juntos nessa, que queríamos a mesma coisa: o melhor para a BRF.

E qual foi a estratégia para reerguer a empresa?

Eu sabia que não existiria uma receita de bolo. A BRF é uma companhia gigante, com uma cadeia de produção longa. Então seria necessário conversar com as pessoas e entender, do ponto de vista delas, o que estava dando errado. E o cara lá da fábrica sabe melhor do que ninguém responder quais processos e decisões não estão funcionando. A primeira estratégia foi humildade para ouvir e, depois, disciplina para consolidar tudo e montar um plano de ação. Com o tempo, isso cria um círculo virtuoso. As pessoas veem as coisas acontecendo e ficam energizadas. E o resultado é a BRF dando lucro e lançando mais de 150 novos produtos. Isso porque, quando as pessoas estão mais engajadas, elas querem entregar mais, melhorar o atendimento ao cliente, sugerir novas ideias.

Quais foram as mudanças no negócio?

Nós encerramos as operações em algumas geografias, como Argentina, Tailândia, Europa. E também mudamos a forma de enxergar o que fazemos. Em outros segmentos, você define o que vai produzir de acordo com a demanda. No nosso, precisa existir um equilíbrio. O animal vem inteiro. Mesmo que o mercado só queira peito de frango, eu não posso produzir só esse pedaço do frango. É necessário ter uma estratégia para todo o resto. Com esse entendimento, concentramos esforços em maximizar o potencial dos nossos produtos. Usar as outras partes como matérias-primas para produção de outros itens. Desse jeito, corrigimos uma série de processos que geravam perdas e impactavam os negócios.

E como a pandemia afetou a BRF?

Foi um desafio duplo. Nós precisávamos criar procedimentos e proteger os nossos funcionários, ao mesmo tempo que tínhamos a responsabilidade de continuar produzindo. Não poupamos esforços e recursos financeiros para que ambas as coisas acontecessem. Porque imagina o caos que seria a combinação de pandemia e falta de alimentos na mesa das pessoas? No auge das medidas de isolamento, ainda tivemos de lidar com problemas na cadeia de produção. Porque não adianta a BRF continuar operando e não ter embalagem lá na ponta para entregar os produtos, por exemplo.

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(Marcelo Coelho/Divulgação)

Tivemos dificuldades, mas acredito que nós, e a indústria de alimentos brasileira como um todo, nos saímos bem. Não vimos cenas de prateleiras vazias, iguais às que ocorreram nos Estados Unidos e Europa. Por outro lado, o custo de operar ficou mais elevado [no terceiro trimestre deste ano, a BRF reportou um lucro líquido 50% menor em comparação ao mesmo período do ano passado]. Mas, na minha opinião, isso dá mais reconhecimento para o lucro que está sendo gerado agora. Em 2018, não existia pandemia e a empresa estava no prejuízo. Hoje, a companhia está no azul mesmo em um cenário de tantas adversidades e custos adicionais para manter as operações.

O comportamento do consumidor mudou?

Nós atendemos dois mercados, o do cliente final e o dos transformadores, como restaurantes e outros estabelecimentos. Como os restaurantes foram fechando, obviamente houve uma redução na demanda desse segmento. Mas, em contrapartida, outros produtos passaram a ser mais procurados. Aumentou a produção de margarina, por exemplo, porque as pessoas ficavam mais em casa e usavam para fazer pão, bolo etc. Produtos como frios e macarrão pronto também cresceram. Tudo isso fez com que redirecionássemos a produção de algumas unidades para os itens que estavam sendo mais procurados ao longo desses meses.

Os frigoríficos foram palco de alguns surtos de Covid-19, por serem um ambiente com alto potencial de contaminação. Quais medidas a BRF tomou para proteger os funcionários e manter a produção na pandemia?

Já possuíamos um alto nível de controle dentro dos frigoríficos. Os uniformes dos funcionários, por exemplo, sempre foram higienizados pela empresa. Com o coronavírus, reforçamos os equipamentos de proteção individual (EPIs), distribuímos mais de 3 milhões de máscaras e protetores faciais e dobramos a frota de ônibus fretados para evitar que os empregados se expusessem no transporte público. Também instalamos mais de 10 mil m² de divisórias de acrílico nas unidades, colocamos marcações nos refeitórios e contratamos 300 pessoas somente para fazer o controle das medidas de proteção, como medição de temperatura e orientações quanto ao distanciamento. Por fim, fizemos mais de 130 mil testes de Covid-19 e afastamos temporariamente 10 mil funcionários que foram infectados ou tiveram contato com pessoas doentes.

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O que podemos esperar da BRF nos próximos anos?

Passamos dois anos arrumando a casa. Agora é preparar um plano de futuro, dar uma perspectiva de longo prazo aos funcionários. E, mesmo com os desafios impostos pela pandemia, não deixamos isso de lado. Fizemos um trabalho junto com a consultoria Mackinsey, colhendo informações e tendências de consumo. E concluímos que uma operação estratégica é a de produtos para pets [rações]. O Brasil é o segundo maior mercado do mundo nesse segmento, que cresce dois dígitos por ano. E nós temos uma vantagem competitiva, porque já produzimos alguns insumos usados na indústria de ração [proteína de frango hidrolisada e óleos de suínos, por exemplo], além de conseguirmos preços competitivos na compra de grãos por conta da nossa escala. Tudo isso gera uma grande oportunidade e o nosso objetivo é liderar esse mercado dentro dos próximos cinco anos.

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