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O Big Bang do Grupo Fleury

Carlos Marinelli, CEO da companhia, tem uma missão ambiciosa: transformar a empresa conhecida por seus laboratórios numa provedora de diversos serviços de saúde, inclusive para o público que não tem plano de saúde. Entenda a filosofia que norteia essa estratégia.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 18 out 2024, 09h33 - Publicado em 6 abr 2021, 14h32
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 (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)
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Carlos Marinelli, na sede do Grupo Fleury. (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)

Nota da redação: Marinelli deixou o cargo de CEO do Grupo Fleury logo após o fechamento desta edição. Decidimos manter a entrevista na versão online da Você S/A, pelo registro histórico e por conta da relevância dos temas abordados.


O jornalista Flávio Gomes escreveu uma vez que sente um certo alívio quando  entra num avião e vê que as turbinas, os motores, são da Rolls-Royce. De fato. Certas marcas exalam um perfume de confiabilidade particularmente forte: Porsche, Rolex, Fasano… E no Brasil há um caso inusitado. Temos uma marca de alto calibre dentro de um microcosmo nada glamouroso, o das empresas de exames laboratoriais. É o Grupo Fleury, fundado há 95 anos e reconhecido pelo público como uma empresa um degrau acima da concorrência.

 

O executivo Carlos Marinelli, 44 anos, está há 16 no grupo. Desde 2014, como CEO. E seu grande objetivo é ampliar a marca para além da área de exames de laboratório. Nos últimos anos, o Grupo Fleury passou a contar com serviço de telemedicina, atendimento ambulatorial e clínicas para cirurgias mais simples, além da parte tradicional, a de medicina diagnóstica.

Recentemente, o Fleury deu um passo além: lançou o Saúde ID, uma espécie de miniplano de saúde voltado a quem não tem um plano tradicional. Ele funciona via aplicativo, permite teleconsultas com clínicos gerais por lá mesmo, tem exames laboratoriais no pacote e custa a partir de R$ 29,90 por mês. O app também armazena os exames que o paciente já fez e seu histórico de medicamentos, para agilizar as consultas.

Aqui, Marinelli conta um pouco mais sobre seu plano de expansão e, de quebra, dá uma amostra de sua capacidade de criar boas analogias para deixar claro o que pensa.

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Para o longo prazo, a ideia é que cada unidade do Fleury seja uma clínica também?

A gente parte de uma outra lógica. São três princípios básicos. 1) Organizar melhor a demanda por serviços de saúde. 2) Conectar as pessoas aos médicos. 3) Integrar a informação, de modo que a sua experiência seja melhor.

Sobre a parte da demanda, quando a gente precisa de um médico, o normal é ir a um pronto-socorro. Vamos pensar num contexto anterior ao da pandemia: de cada dez pessoas que chegavam ao pronto-socorro, quantas precisavam de atendimento urgente? Na verdade, oito ou nove não precisavam estar ali, num lugar com aquele monte de equipamentos e com plantonistas treinados para atender emergências graves. O que essa pessoa busca é um pronto atendimento. “Estou com um desconforto, quero ser atendido rápido, então vou para um pronto-socorro.” Para o sistema de saúde, isso é uma bala de canhão para matar uma mosca.

“Estou com um desconforto aqui, mas espera aí. Não posso resolver isso de outra forma?” O problema é que, para resolver de outra maneira, eu tinha que ligar para um médico e fazer um agendamento com ele. Segundo que só vai ter consulta para dali a uma ou duas semanas. Então vou de uma vez para o pronto-socorro. Só que o custo desse sistema é absurdo, porque você não precisa daquela infraestrutura toda para atender casos leves.

A telemedicina, hoje, mostra que 85% das vezes você não precisa mandar a pessoa para o pronto-socorro nem para um outro médico, especialista. 85% das vezes dá para resolver o problema ali, na teleconsulta com um clínico geral.

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Se o caso pedir uma intervenção cirúrgica de baixa complexidade, o médico pode mandá-la para um “hospital dia”, uma day clinic. Se precisa de uma infusão de medicamento, pode ir para unidades específicas – das quais só na Grande São Paulo eu tenho 70. Eu deixo de ter essa concepção na qual saúde é algo que eu vou buscar lá no hospital.

Se eu tenho uma demanda menos complexa, e a maior parte delas é assim, posso ter também uma oferta menos complexa. O cuidado com a saúde passa a ser algo do dia a dia, que eu posso fazer pelo celular, pelo computador. E isso vai criando essa série de oportunidades na qual a gente vai lançando serviços. Mas ela tem uma lógica por trás, que é coordenar, conectar e integrar.

Você pode dar um exemplo concreto da aplicação dessa lógica? Por exemplo: eu estou com uma dor de garganta estranha. Em vez de ir a um pronto-socorro, acesso o serviço online. O que acontece dali em diante?

O fluxo é assim: antes de ter o atendimento para falar com o médico, uma inteligência artificial começa a disparar uma série de perguntas: você teve febre? Teve contato com outra pessoa que estava com dor de garganta? Está conseguindo engolir direito? E aí ela pega e manda você para ser atendido por um médico. E o médico já vai saber algumas coisas sobre o seu caso.

Digamos que, depois de falar com você, ele chegou à conclusão de que a sua dor de garganta pode ser alguma coisa mais complicada, que merece uma investigação melhor. Ele pode dizer para que você vá para a unidade do Fleury próxima de onde você mora, um serviço de atenção primária, que não é um pronto-socorro de porta aberta, mas um lugar que acolhe pessoas que já passaram por uma triagem. E aí você vai ter uma avaliação lá.

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Marinelli: foco na criação de novos serviços de saúde. (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)
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Quais outras tecnologias vamos ver mais para a frente?

Estamos trazendo para o Brasil uma que é superinteressante: a TytoCare. Ela permite ausculta de pulmão e de coração, mais exames de garganta, de nariz e de ouvido, de forma remota. Isso pode ser feito por um profissional não médico, que vai até a sua casa. Aí o médico analisa tudo isso durante a consulta por telemedicina.

Dependendo do caso, ele pode receitar um antibiótico. Dali a uma semana, ou em três dias, a gente entrará em contato para saber se você melhorou ou não. Não é você que vai ter que voltar. A gente é que vai ver como você está. Se você não tiver melhorado, um médico retoma o contato e pode trocar o antibiótico, por exemplo.

É a ideia do “coordenar, conectar e integrar”. Da próxima vez que você for ao seu cardiologista, por exemplo, pode contar que teve uma dor de garganta e pedir para ele abrir o aplicativo do Saúde ID, que vai estar tudo lá – o que o médico recomendou para você, o seu batimento cardíaco na hora que aconteceu o exame pelo equipamento remoto. E tudo já lido por uma inteligência artificial, que dá para o cardiologista uma série de ideias que você, contando sua história, talvez não conseguisse transmitir para ele.

Quando vocês pretendem começar com esse sistema?

Em breve devemos lançar alguns modelos da Tyto. A telemedicina já funciona hoje. A parte da atenção primária também, dentro de algumas das nossas unidades. Tínhamos alguns clientes [planos de saúde] que compraram a atenção primária, mas não a telemedicina, por exemplo.

Por isso que a gente lançou o Saúde ID. Porque se todos esses produtos estiverem sob um guarda-chuva, uma plataforma só, você vai começar a entrar dentro da plataforma e perceber: “Eu achava que era só para telemedicina, mas é para atenção primária também”. E vice-versa.

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Também posso ter um atendimento em casa para fazer uma investigação mais aprofundada. Posso conectar com o day clinic para cirurgias de baixa complexidade… E aí que você começa a ter essa relação. É aquele negócio: até outro dia eu achava que Magazine Luiza não era para comprar sabão em pó. Hoje eu compro sabão em pó por lá.

À medida que tivermos uma plataforma com essa diversidade de serviços, você vai se relacionar com ela de maneira única e, tendo uma boa experiência, vai voltar a utilizá-la, e recomendar para outras pessoas. A partir daí, vou ter outros serviços querendo participar da plataforma, e começa um efeito de rede.

Além do Saúde ID, vocês têm outras iniciativas low cost, low fare, voltadas para um público mais amplo?

Em medicina diagnóstica, especificamente, o grupo tem a marca Fleury, a mais premium, e a A+, que é o que a gente chama de intermediária. Em 2019, a gente relançou uma marca que já tinha, a Campana. Lançamos o Campana Até Você, que é o primeiro laboratório 100% digital do país. Ele não existe na forma de unidades de atendimento. Só no app. Nos horários de menor demanda na A+, um funcionário coloca um colete do Campana Até Você e vai de Uber, de 99, até a casa da pessoa para colher os exames.

É uma marca que não tem os custos de uma instalação física. Ela se apropria da oferta de ociosidade de outra marca. Isso otimiza o custo para a pessoa e para o laboratório. Com isso, o Campana Até Você acessa uma massa de clientes que está em outro segmento da população. Eu posso oferecer para ela um preço mais baixo.

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O objetivo dessa expansão do Fleury é fazer com que o grupo concorra com os planos de saúde e os hospitais?

Eu vim do varejo [Marinelli trabalhou no Grupo Pão de Açúcar entre 2002 e 2005] e penso o seguinte: quando você vai num supermercado grande, num Walmart, você para o carro longe, sobe aquela rampa inteira, entra numa seção e descobre que o que você quer está lááá na outra.

Quando você tem uma necessidade do dia a dia, você quer ir ao Pão de Açúcar Minuto, ao Carrefour Express. Você sabe que vai estacionar na frente da entrada, comprar o que você precisa, resolver sua vida e voltar para casa.

Então vai continuar tendo o plano de saúde, que gerencia a parte financeira e viabiliza o sistema. E vai ter o hospital complexo. Só que na maior parte da nossa vida vamos nos relacionar com saúde via serviços de baixa complexidade.

Serviços que o Grupo Fleury vai resolver, como o atendimento primário. A parte menos complexa corresponde a 99% do tempo da sua vida que você vai gastar com serviços de saúde. É aí que eu entro, e que quero estar próximo. Vou me conectar com você tão fácil, no celular, no computador, que você não vai pensar em ir para outro lugar.

Esse potencial da empresa se reflete também no mercado financeiro. Os investidores já veem o Fleury não como um laboratório, mas como uma empresa de saúde. A gente tinha, em 2018, 10 mil acionistas pessoa física. Em 2019, saltamos para 110 mil. E hoje são 215 mil. As pessoas entendem que a saúde está mudando, e que o Fleury tem uma participação cada vez maior nessa transformação. É exatamente isso que estamos tentando construir: relevância e protagonismo num setor que estará cada vez mais presente nas nossas vidas.

 

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