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A banalização do coaching

O ex-presidente da ICF no Brasil, Jorge Oliveira, critica o uso indiscriminado do coaching, alfineta os coaches por oportunidade e revela as tendências nesse mercado

Por Daniela Diniz
Atualizado em 2 jan 2020, 14h56 - Publicado em 25 Maio 2016, 10h07

Um setor que não para de crescer. Entre sérios e oportunistas, o universo do coaching já soma mais de 40 000 profissionais (embora esse não seja o termo correto, já que não existe uma profissão regulamentada no setor) no mundo todo.

 

Os Estados Unidos representam a maior fatia, onde a atividade já movimenta mais 2,5 bilhões de dólares por ano. Embora mais tímido, o crescimento no Brasil é bastante acelerado. Estima-se que entre 2010 e 2014 houve um aumento de 300% no número de coaches ativos no país. 

A explosão tem um lado negativo. À medida que aumenta o número de pessoas atuando como coaches, aumenta também a confusão sobre sua aplicabilidade. Hoje, dependendo de quem vende o serviço, o coaching pode “resolver” um pouco de tudo. E aí é que mora o perigo. Ex-presidente da International Coach Federation (ICF) no Brasil, a maior associação global de coaches, presente em 140 países, o gaúcho Jorge Oliveira faz uma análise desse fenômeno, critica sua banalização e alerta para o problema da ansiedade das empresas e da falta de formação dos coaches. “Quanto menos formação você tem, mais mágico você se acha”, diz. 

Com um currículo de peso, que inclui duas graduações, duas pós e diversos cursos, Oliveira investiu só no ano passado 40 000 reais na própria formação. Como coach de executivos atuou mais de 2 500 horas e hoje coordena o Programa de Formação de Coaches do EcoSocial. Numa conversa franca, ele falou com a VOCÊ RH sobre o tema e traçou tendências nesse mercado. Confira a seguir. 

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Como o coaching se tornou essa febre que é hoje? 

No começo dos anos 2000, já existia no Brasil uma demanda bastante grande para coaches atuarem em processos. O coaching era usado como apoio ao processo de desenvolvimento das pessoas efetivamente. Foi quando ele deixou de ser visto como algo que “conserta” as pessoas que têm problemas para se tornar algo que pode ser usado para desenvolver o potencial dos profissionais. Nesse meio do caminho, algumas empresas entenderam que o coaching poderia ir além e entrar na cultura organizacional. Surge aí uma série de coisas diferentes, como o conceito de líder coach. Acredito que é nesse ponto que começamos a banalizar o conceito, pois começam a pedir para o coach coisas que não são de sua responsabilidade. 

Que tipo de coisas? 

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O coaching virou remédio para tudo. Com isso, a gente perde efetivamente sua contribuição. Há uma série de possibilidades de intervenções nas empresas, como mentoring e outros tipos de treinamento, mas como o coaching é mais abrangente começa a existir uma confusão. Tem gente que é contratada para fazer coaching e faz mentoring. 

Essa confusão acontece apenas no Brasil? 

Essa confusão existe no mundo todo. Se for pesquisar nos EUA sobre mentoring e coaching há definições exatamente iguais. Nos EUA, eles investem um tempo enorme em tentar fazer essas diferenciações, porque lá é muito séria essa questão do coaching x terapia. Não acho que esse seja o cerne da questão aqui. 

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Por que chegamos a esse ponto de banalização do coaching?

Primeiro porque coaching realmente funciona e faz a diferença. Quando é bem-sucedido, muda o clima da empresa, e muita gente começou a achar isso mágico. Mas isso demora, leva tempo e as organizações passaram a querer tudo muito rápido. E sempre vai ter gente na outra ponta que acha que pode fazer em cinco, quatro meses. Quanto menos formação você tem, mais mágico você se acha. O processo, nesse caso, pode até causar mudanças fantásticas, mas não se sustenta. Segundo porque que quem olha de fora e vê quanto um coach recebe por hora acha isso um ótimo negócio. O pensamento é lógico: sou executivo, vou para o mercado e viro coach. O que as pessoas não olham é o tempo que você deve investir na preparação. 

Qualquer um pode ser coach? 

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No início, eu achava que qualquer pessoa com vontade e vivência organizacional poderia ser coach. Hoje, depois de treinar por dez anos, digo que tem pessoas que não podem ser coaches. Há quem pode ser um bom consultor ou bom mentor, mas não consegue ser um bom coach. 

Quem normalmente tem dificuldade em ser coach?

Quem tem verdades muito estabelecidas. No processo de coaching, você precisa estar inteiro, a serviço do cliente e conseguir se sensibilizar. Do contrário, você fica preso nos seus parâmetros. Quando parto de uma posição que eu já sei antes, tendo a conduzir o processo, e isso não é legal. Essa postura é mais fácil de encontrar em pessoas que tiveram cargos mais altos. Os que não tiveram cargos tão pesados muitas vezes têm mais facilidade, mais abertura e menos amarras. Conseguem se conectar mais. O problema é que o mercado ainda contrata você pelo seu passado, pelo que você foi, e não pelo coach que você é. 

Podemos dizer que parte dessa responsabilidade na contratação é do próprio RH?

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Sem dúvida. Primeiro porque muitos contratam amigos que estão no mercado. Segundo porque o próprio RH também não tem muito claro o que é coaching, no que o coaching pode contribuir e como o coach se forma. Existe uma confusão de informação generalizada e o RH não escapa disso. Existem, por exemplo, cursos de formação de coach, mas que, na verdade, formam líder coach ou coach interno. 

O que você acha desses dois conceitos, do líder coach e do coach interno?

Não gosto desses conceitos. Coaching é um estilo de liderança, que você pode usar dependendo da situação. Ser líder coach pressupõe que o tempo todo tem que ser líder a partir dessa habilidade e, na prática, não funciona assim. Às vezes você precisa ser democrático, outras vezes diretivo. As pessoas têm muito medo de falar sobre essas coisas. O líder coach parece o bonzinho, né? Líder diretivo não é bom. Essa história de líder coach é coisa para vender em treinamento. Já o coaching interno é um conceito perigoso, pois se você é funcionário tem que tomar cuidado com questões confidenciais. Não sou contra, mas já vivi muito e sei como isso é complicado. E tem também a questão da dedicação. Para ser um bom coach, você precisa dedicar horas do seu tempo com a pessoa. Mas, se você é funcionário da empresa, no final das contas ela não vai querer que você deixe de fazer o seu trabalho para fazer “apenas” coaching. Por isso, não acho que funciona.

Como contratar um bom coach? 

Fazendo as perguntas adequadas, que são simples: qual a formação dessa pessoa, qual metodologia ela usa, quantas horas tem de experiência. Isso tudo é fundamental. Não pode ser alguém apenas teórico nem alguém apenas prático. Pergunte quanto essa pessoa investe por ano na própria formação e se ela faz supervisão (quando você reflete sobre sua prática com um profissional mais experiente). Isso vai ajudá-lo a entender por que tem coach que cobra 60 reais a hora e outro que cobra 1 500 reais. Pergunte qual o foco desse coach. Ele é coach e também é consultor de informática?

Teremos uma nova onda em coaching?

Acho que o mercado fica cada vez mais pulverizado. Infelizmente, em vez de programas organizacionais que mexem com a cultura, percebemos cada vez mais demandas isoladas das empresas, o que para mim volta um pouco ao início. Mas tem algo que deve explodir por aqui que é o life coaching. Nos Estados Unidos, isso já é muito forte. Lá, a maioria dos 20 000 coaches da ICF já atua como life coaches. 

O que é o life coaching?

É quando você lida com problemas da vida diária. É um conceito muito próximo da terapia. A diferença é que o terapeuta vai lidar num nível mais profundo e mais abrangente. Vai querer desatar os nós. O life coach vai lidar com questões mais específicas. É algo mais circunstancial, definido e delimitado. Um comportamento mais claro e mais operacional. Mas não deixa de estar muito próximo da terapia. 

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