#Quintou? A hora e a vez da semana de quatro dias
O home office pode estar em seus últimos suspiros. Mas a conveniência do trabalho remoto deu força a uma ideia até então obscura: prolongar os finais de semana.
10 a 15 horas por dia, seis dias por semana. Era o tanto que se trabalhava nas fábricas do início do século 19. Descanso, só nos dias sagrados: o domingo para os cristãos, o sábado para os judeus, a sexta para os muçulmanos.
O avanço nas relações trabalhistas incluiu aos poucos a tarde de sábado no fim de semana, e reduziu a jornada padrão para oito horas diárias. Já o fds de dois dias inteiros é basicamente uma cortesia de Henry Ford.
Algumas empresas dos EUA até davam o sábado inteiro de folga – às vezes para permitir que os funcionários judeus e cristãos tirassem seus dias sagrados sem dor de cabeça. Também havia movimentos de trabalhadores pedindo a adoção geral da semana de cinco dias. Mas Ford foi o primeiro grande empresário a apoiar a causa.
Em uma carta direcionada aos funcionários de sua montadora, em 1926, escreveu: “Da mesma forma que a jornada de oito horas abriu caminho para a prosperidade na América, a semana de cinco dias trará uma prosperidade ainda maior”.
Era a cara dele. Em 1914, Ford tinha aumentado os salários de seus operários para US$ 150 por mês. Corrigindo pela inflação, dá US$ 4,6 mil de hoje. Em reais, R$ 23 mil. A justificativa era que, com salários mais altos, os trabalhadores poderiam comprar seus próprios Modelos-T.
A lógica por trás da semana de cinco dias era a mesma. Com mais tempo livre, os gastos com lazer aumentariam, movimentando a economia como um todo – e num ambiente com PIB em alta a demanda por carros é maior.
Funcionou. E a jornada padrão, que lá no começo do século 19 chegava a 90 horas por semana, caiu para 40 horas – ou 44, no caso da nossa CLT. Seja como for, é uma queda de mais de 50%.
O modelo oito horas por dia, cinco dias por semana, cristalizou-se. E parecia não haver espaço para mais reduções de jornada. Mas isso pode estar mudando.
Em 2020, você se lembra, o mundo passou pelo maior experimento antropológico da história. Todos os que podiam passaram a trabalhar de casa, da noite para o dia. E deu certo. O home office persistiu por mais tempo do que a pandemia.
Hoje ele caminha para seus últimos suspiros, com as empresas exigindo cada vez mais dias no presencial. Só que a experiência plantou uma semente. O trabalho remoto, com suas comodidades, fortaleceu uma ideia até então obscura: a da semana de quatro dias. O repórter Bruno Carbinatto mostra essa evolução de forma lúcida em nossa reportagem de capa.
ONGs, consultorias e universidades têm organizado testes da semana de quatro dias em empresas. “Até agora, o maior deles aconteceu no Reino Unido, onde 2.900 funcionários de 61 companhias participaram entre junho e dezembro de 2022. Foi um sucesso: 43% dos colaboradores relataram melhora na sua saúde mental, e 55% aumento na produtividade. 90% afirmaram que querem continuar no modelo, e 15% chegaram a dizer que não voltariam para a semana de cinco dias nem por um salário maior. O turnover despencou 57%”, escreve Carbinatto.
“Para as empresas, os resultados foram igualmente bons. Numa pesquisa de avaliação, uma nota de 8,5/10 para a experiência. E impressionantes 92% decidiram prolongar o teste com a semana de quatro dias, sendo que 18 das 61 companhias já bateram o martelo: vão adotar o modelo de vez.”
Pois é. Talvez a adoção do quintou seja mesmo questão de tempo, com ou sem home office.