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Chefes vaidosos: como lidar?

Pessoas narcisistas tendem a ser maioria em posições de poder. Porém, líderes vaidosos minam a confiança dos times, drenam a motivação e barram a inovação

Por Bárbara Nór
Atualizado em 17 out 2024, 11h09 - Publicado em 22 jul 2020, 07h00
Fábio Leandro da Costa, gerente de uma varejista: conversa sincera com o antigo gestor que o boicotava ajudou a melhorar o clima (Filipe Redondo/VOCÊ S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 265, em 19 de junho de 2020.

Em 2002, Fábio Leandro da Costa, de 42 anos, teve uma promoção importante. De coordenador, passou a gerente de uma multinacional de varejo. O passo adiante na carreira já era esperado pelos colegas, uma vez que Fábio sempre se destacava durante as reuniões e tinha todas as informações estratégicas na ponta da língua. O que ele não esperava era que, agora como gerente, teria de ficar calado. Isso porque seu novo chefe não admitia ser ofuscado por um de seus subordinados.

Fábio logo descobriria que estava nas mãos de um gestor vaidoso. “Fui de um cenário de total liberdade para uma gestão centralizadora, onde tudo tinha de passar pelo meu superior”, afirma o profissional, que hoje é gerente de planejamento em outra varejista em São Paulo.

O novo cenário gerou também situações constrangedoras: durante as reuniões, os colegas acostumados com a participação de Fábio pediam explicações a ele, que se via obrigado a ceder a palavra para o líder. Um dos piores momentos foi quando o chefe disse, com todas as letras, que as glórias tinham de ser mérito dele — enquanto os erros seriam responsabilidade da equipe. “Era um estresse muito grande, como trabalhar num campo minado”, diz. Alguns liderados de Fábio diziam que não tinham mais vontade de crescer na empresa, enquanto outros se demitiam.

Situações como a vivida por Fábio, infelizmente, não são incomuns. Em 2014, um estudo conduzido por Christian Gimso, professor na escola de negócios BI Norwegian Business School, na Noruega, mostrou que pessoas narcisistas têm mais chance de ocupar cargos de gestão.

Para chegar a essa conclusão, Christian avaliou a personalidade de 3.200 candidatos que estavam concorrendo a vagas em um treinamento de liderança. Além de uma entrevista, os participantes receberam um teste de personalidade. O resultado? Aqueles que tinham se saído melhor na seleção eram os que possuíam mais traços narcisistas.

A justificativa para isso é que, muitas vezes, pessoas com esse perfil não só se sentem mais atraídas por posições de poder como também tendem a ser muito carismáticas. “O narcisista tem um desejo grande de atenção e senso de superioridade”, diz Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional e liderança no Insper, em São Paulo.

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(Augusto Zambonato/VOCÊ S/A)

Fogueira de vaidades

O vaidoso não é necessariamente narcisista. Isso porque, enquanto a vaidade é considerada um traço de personalidade, o narcisismo é um distúrbio marcado pela falta de empatia e por um sentimento de grandiosidade. Porém, é possível que uma pessoa vaidosa carregue algumas dessas características, como um senso excessivo de importância e alto poder de persuasão.

E, como os vaidosos passam uma boa impressão e exalam autoconfiança, geralmente as empresas acreditam que eles serão bons líderes. Mas o que costuma acontecer é o oposto. “É incompatível a vaidade com o exercício da liderança. Os líderes precisam ­atuar em prol dos times, engajando, desenvolvendo e ajudando”, diz Adriana Prates, presidente da Dasein Executive Search, consultoria de recrutamento em Belo Horizonte. “As companhias também falham ao preparar os profissionais para assumir cargos de gestão, além de promover com base apenas em relações de confiança.”

Por não reconhecerem os liderados, chefes muito vaidosos minam o moral de uma equipe. Mas não só. Um líder que não escuta e está mais preocupado em dominar também corrói a motivação. “As pessoas passam a se sentir desconfortáveis para discordar ou criticar, e isso acaba criando ruído, uma vez que esses comentários serão feitos, mesmo indiretamente”, afirma Tatiana, do Insper.

Depois de um ano, Fábio, do início da reportagem, resolveu lidar com a situação de outra maneira. “Durante um processo de coaching refleti que sempre encontraria pessoas assim e que teria de aprender com isso”, diz. O primeiro passo foi ganhar a confiança do líder. Para isso, passou a detalhar ponto a ponto tudo o que fazia — assim, a palavra final era sempre do chefe. “O objetivo era evitar a impressão de que eu estava desafiando a autoridade dele”, afirma.

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Fábio também criou mais proximidade com o chefe e descobriu seus hobbies e interesses. “Entendi que tinha de gerar empatia”, diz. Com o tempo, o profissional se sentiu encorajado a ter uma conversa franca com o gestor. “Abri o jogo e disse que as posturas dele estavam virando motivo de gozação, o que poderia arranhar sua imagem como líder”, afirma. A conversa surtiu efeito e, a partir daí, as coisas melhoraram entre eles. Depois de um ano e meio, inclusive, Fábio foi promovido a diretor na empresa.

Autocentrado, eu?

Ter vaidade, ao contrário do que diz a Bíblia, não é pecado — todos nós carregamos um pouco de falta de modéstia. O problema é quando esse traço fica muito forte. “Uma posição que envolve poder é sedutora e pode deslumbrar”, diz Emerson Weslei Dias, consultor de carreira. Outro agravante é que, muitas vezes, um líder vaidoso não percebe como afeta os demais. “Ele pode achar que são os outros que não sabem ouvir críticas”, afirma Emerson. Isso representa uma dificuldade adicional, afinal, como ajudar alguém que acredita não precisar de nenhum auxílio?

De acordo com o consultor, o comportamento pode nascer de uma insegurança excessiva, em que falhas não são permitidas. O ambiente muito competitivo de algumas empresas, sem margem para erros ou dúvidas, também contribui para esse tipo de atitude.

Para o gestor financeiro Jonathan Eduardo Muniz, de 48 anos, ver um amigo de trabalho se tornar um chefe agressivo foi um baque. Há cerca de oito anos, Jonathan era gerente de um banco em um período de bastante movimentação na empresa. “Ele era um cara legal, mas acho que não estava tão preparado”, afirma. O despreparo ficou comprovado quando Jonathan notou que o novo líder fazia questão de falar alto com a equipe na frente dos outros. “Era uma forma de afirmar o poder”, diz. Admitir os próprios erros também estava fora de cogitação — mesmo quando o equívoco era causado por uma orientação dele.

Jonathan estava tão insatisfeito que pensou em se demitir, mas, percebendo que o chefe tomava certas atitudes por se sentir pressionado a mostrar resultados, ele resolveu dar uma última chance ao líder. Durante dois meses, Jonathan anotou exemplos de condutas inapropriadas realizadas pelo gestor. “Era uma tentativa de fazer uma crítica construtiva e mostrar como o comportamento afetava os times”, afirma.

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Depois desse período, chamou o líder para uma conversa. “Iniciei dizendo quanto eu gostava dele e que, por isso, havia decidido conversar em vez de pedir demissão”, diz. Jonathan admitiu que poderia ter errado também, mas que estava disposto a tentar ajudar. “A reação dele foi surpreendente: afirmou que ia digerir todas as informações e que havia passado a me admirar mais”, afirma. A partir daí o chefe ajustou seus comportamentos, e a relação entre eles melhorou.

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(Fontes: Do Humble CEOs Matter?, de Amy Y, da National University of Singapore, e David A. Waldman e Suzanne J. Peterson, da ­Arizona State University, e Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional e liderança no Insper/VOCÊ S/A)

Dá para lidar

Uma das primeiras atitudes para quem precisa encarar chefes vaidosos é deixar a própria vaidade de lado. Isso porque é necessário ficar claro o respeito pela autoridade do chefe, o que abre oportunidades para gerar confiança. Para isso, peça a opinião dele e evite expor suas críticas em público — as conversas delicadas devem ser feitas em particular. “Tente você mesmo gerenciar os conflitos e buscar conciliação”, diz o consultor Emerson. Fuja de entrar em conflito o tempo todo e entenda que terá de ceder algumas vezes.

Para se blindar das mudanças de ideia do chefe ou dos esquivos ao ­assumir orientações equivocadas, uma dica é confirmar ordens e tarefas por e-mail. Tatiana, do Insper, também sugere encontrar maneiras de se mostrar para o resto da empresa. “Dê publicidade para o que você está conquistando”, diz. E, se é tentador falar mal do chefe, evite fazer isso com colegas de trabalho. Exponha suas críticas focando comportamentos gerais, por exemplo.

Não levar as atitudes para o lado pessoal também ajuda. “Os ataques quase sempre têm mais a ver com ele do que com você”, diz Adriana, da Dasein Executive Search. No lugar, foque seu objetivo de longo prazo e encare o período de subordinação a um chefe autocentrado como algo passageiro. “Aproveite para investir em sua carreira, faça cursos, atualize suas redes, participe de fóruns”, diz Adriana. Desse jeito, você não dependerá só do chefe para se adestacar como um bom profissional.

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Por último, evite também rotular o líder apenas como uma pessoa vaidosa. “Pergunte-se quais são as qualidades dele e o que elas podem ensinar a você”, diz Adriana. Entender o contexto em que ele está inserido também é útil, porque criar uma relação mais próxima ajuda a estimular diálogos honestos com o gestor, como fizeram Fábio e Jonathan.

Nem sempre isso será possível, é verdade. Jonathan, por exemplo, teve uma experiência com outro chefe vaidoso que não terminou tão bem. “Nesse caso era explícito que, se eu tentasse conversar, seria demitido”, diz. Mesmo com as tentativas em demonstrar confiança, o ambiente era hostil demais, e Jonathan acabou saindo da empresa. Reconhecer esses limites — os seus e os dos outros — é fundamental para definir até quando é possível suportar os desmandos do pavão.


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