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Mentoria profissional: entenda se realmente é para você

Dentre as ferramentas de desenvolvimento de carreira, essa atividade é, de longe, uma das mais recomendadas por especialistas. Veja tudo que você precisa saber antes de embarcar nessa jornada a dois – e saiba quando ela, de fato, vale a pena.

Por Sofia Kercher
Atualizado em 18 jun 2024, 11h10 - Publicado em 18 jun 2024, 10h51
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 (designer491/Getty Images)
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odo instrumento de corda tem um negócio chamado caixa de ressonância. Ela geralmente é feita de madeira (por ser o material com propriedades acústicas ideais para a amplificação) e tem a função de projetar o som do cavaquinho, violão, piano e cia. 

Funciona assim: uma tecla ou corda é tocada, ela vibra e produz um som. Essas vibrações são transmitidas para a dita caixinha, que amplifica as ondas sonoras e as projeta para o ambiente. Ao passar por ela, o som fica mais audível e com maior qualidade sonora. Traduzindo: fica muito, muito melhor. 

A física e a filosofia da coisa, nesse caso, andam juntas. Metamorfoseando a viola em gente, presenciamos algo parecido quando encontramos pessoas com as quais nos sentimos confortáveis para discutir ideias, pensamentos e sentimentos que ainda não estão completamente amadurecidos. Por meio delas, conseguimos desenvolver reflexões, receber sugestões (até mesmo aproveitar um ombro amigo silencioso), e ver tudo com mais clareza. Tudo muito, muito melhor. 

No mundo corporativo, esse processo de ressonância ganha forma na mentoria profissional. Chega um ponto na carreira em que nossas próprias limitações dificultam ver qual caminho seguir, quais opções existem, quais pontos fortes e pontos a melhorar. Ter alguém de confiança, que entende você e suas dores, pode ser chave para tirar as escamas dos olhos e dar a tão sonhada guinada na carreira. 

Ainda sim, antes de embarcar na Jornada Atrás do Mentor Perfeito, existem algumas coisas que o profissional precisa saber. Vamos a elas.

Como funciona a mentoria profissional

Via de regra, a mentoria funciona num esquema bem tradicional. É um formato 1:1, em que alguém assume a figura do aprendiz (ou mentorado) e outro do mestre (ou mentor). 

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Em questão de temporalidade, não há regra. Há mentorias quinzenais, mensais, até on-demand, em que a pessoa entra em contato quando está precisando de socorro. Isso são pormenores, que dependem da sua rotina e a do seu mentor. Sem estresse: isso não dita o sucesso da parceria.

Essa relação pode ser encontrada dentro ou fora da empresa, com pessoas em diferentes níveis de amadurecimento profissional (conforme veremos em instantes). O que é mais importante saber, e o que de fato é chave para que a mentoria funcione, é a confiança e honestidade

Pode parecer óbvio, mas o óbvio ainda assim deve ser dito. Isso vale para essa reportagem e para sua mentoria. Apesar dessas relações terem um aspecto de networking importante (especialmente quando feitas com pessoas que podem te dar oportunidades profissionais mais para a frente), você não está ali para vender seu peixe. Apresentar suas questões exatamente como elas são, independente de serem boas ou não, é a única forma de caminhar para frente com ajuda de seu mentor. 

Como saber se a mentoria é para você

Tirando isso da frente, podemos entrar nas vantagens e desvantagens desse processo. Inúmeros benefícios já foram citados ali em cima, mas adicionamos alguns, citados por especialistas:

  1. Auxílio na sua jornada de autoconhecimento;
  2. Construção de uma autoestima profissional;
  3. Gerenciamento de desafios
  4. Abertura de portas para possíveis promoções ou mudanças de área desejadas;
  5. Ampliação de repertório.
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          Pois bem. Quando dizemos desvantagens, são mais… questões a considerar. Como você já deve ter imaginado, não há, objetivamente, parte ruim em ter um guia na jornada profissional. Ainda assim, essa não é a única ferramenta de desenvolvimento pessoal disponível, e encontrar um mentor que realmente sirva para seus propósitos e com quem você se sinta confortável não é a tarefa mais fácil do mundo. Vamos entender.

          1. Não é terapia! (Ainda que seja terapêutico) 

          É inegável que exista um aspecto pessoal dentro da relação mentor-mentorado – afinal, muitas das boas práticas aplicadas no trabalho podem (e devem) ser aplicadas à vida. Mesmo assim, uma mentoria profissional não substitui um profissional de saúde: especialmente quando os problemas que vêm impedindo seu desenvolvimento são de cunho emocional.

          “Existem questões de ordem prática. Você tem um objetivo que gostaria de alcançar, um problema que quer resolver, um tema que quer pesquisar. Agora, se o que te aflige são questões de ordem sentimental, a discussão pode ultrapassar o escopo da mentoria”, argumenta Marcio Minuzzi, cofundador da Top2You. A empresa oferece esse serviço online para empresas e possui 150 mentores, que vão de CEOs a atletas de elite.

          Essa não é a única ferramenta de desenvolvimento pessoal disponível, e encontrar um mentor que realmente sirva para seus propósitos e com quem você se sinta confortável não é a tarefa mais fácil do mundo.

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          Claro, nada impede que o profissional busque ambas as alternativas: tanto a mentoria quanto a terapia. Mas uma não substitui a outra – e se você só tiver tempo para se dedicar a uma, é importante entender qual fará mais sentido para você. Como posto por Marcio: não adianta pedir ajuda para correr atrás de uma promoção quando mal consegue levantar da cama. Entende?

          2. Mentoria te impulsiona – por bem ou mal

          Na lista-das-boas-coisas citada anteriormente, foi a farmacêutica e mentora da Top2You Suellen Rodrigues que enalteceu a formação da autoestima. Segundo ela, a mentoria pode ajudar – e muito – no empoderamento profissional do indivíduo

          Para ela, isso é especialmente verdade com grupos minoritários, como mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, indígenas e PCD. Por existirem limitações a esses grupos dentro do mundo corporativo, a mentoria ajuda no combate aos estereótipos e vieses inconscientes que eles possam reproduzir sobre si mesmos (muitas vezes, sem nem perceber).

          Apesar disso, Suellen ressalta que abrir os olhos para essas questões é importante para todos os grupos: “a mentoria também pode conscientizar os profissionais de suas posições de privilégio”, explica.

          Beleza, o empoderamento é sempre uma coisa positiva. Mas ele não será a única coisa que dita seu crescimento profissional: você precisa estar preparado para uma dose saudável de crítica construtiva.

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          “Eu não vejo o mentor como alguém que te dá um tapinha nas costas. Vejo-o, justamente, como alguém que enxerga os pontos que estão faltando e te mostra como melhorá-los”, diz Isis Borge, headhunter e sócia do Talenses Group. Para Isis, o mentor não será sempre um baluarte das boas notícias: e isso pode dar um baque, ainda que momentâneo, na sua autoestima.

          “Tudo depende da personalidade do mentor. Mas, no fim das contas, algumas coisas serão difíceis de ser digeridas. Só assim você conseguirá evoluir!”, argumenta.

          3. Gente certa é gente aberta

          Se nós te pedíssemos para fechar os olhos e imaginar um aprendiz, há grandes chances do bonequinho que aparece em sua mente não ter passado de seus 20 poucos anos. 

          Isso porque sempre atribuímos esse status a alguém em desenvolvimento, mais novo, sem experiências: como se o direito a aprender fosse uma bênção concedida apenas à juventude.

          Márcio defende que, para a mentoria dar certo, o mentorado precisa adquirir, justamente, uma postura de aprendiz. “Na nossa própria plataforma [da Top2You], ficamos com receio de usar o termo e parecer que estamos infantilizando o usuário. Mas essa mentalidade é fundamental para uma mentoria de sucesso”, explica ele. Isso é verdade, do CEO ao chão de fábrica.

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          4. No final das contas, quem manda é você!

          Lembre-se: a caixa de ressonância só pode amplificar um som que já existe. Não adianta ir à mentoria achando que haverá uma receita de bolo, um passo a passo, uma fórmula mágica para curar todos seus males, anseios e expectativas profissionais: quem toma a decisão final sempre será você. Se isso te apavora, talvez seja melhor reler o tópico número 1 dessa sequência.

          “Gosto da ideia da mentoria como algo sugestivo, não impositivo. Ela pode te ajudar a sair do automático, mas as rédeas da sua carreira sempre estarão em suas mãos”, alerta Isis Borge.

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          (designer491/Getty Images)

          Tipos de mentoria

          Ok, leu todas as condições e deseja continuar? Vamos aos pormenores.

          Mentoria interna

          Esse tipo de mentoria rola dentro da empresa que você trabalha. Segundo os especialistas, ela é uma opção interessante quando o objetivo que o profissional deseja realizar é atingível naquele contexto corporativo.

          Trocando em miúdos: gostaria de ser promovido, de receber um aumento salarial, de fazer uma transição de área ou carreira disponível naquele ambiente? A mentoria interna será show de bola. “Especialmente porque ela pode te ajudar a navegar as regras escritas e não escritas do jogo”, complementa sabiamente Suellen Rodrigues.

          A mentoria também pode conscientizar os profissionais de suas posições de privilégio.

          Suellen Rodrigues, farmacêutica e mentora da Top2You

          “Quando a mentoria é promovida de modo consciente dentro da empresa, muitas vezes aquela pessoa já está indicada em um pipeline de talentos ou uma possível promoção. Portanto, sempre vejo com ótimos olhos”, diz Isis.

          Isso pode acontecer de forma institucional, mas também vem das formas mais inesperadas possíveis. É o caso do executivo Marcelo Trevisani. Ele conta à Você S/A que, alguns anos atrás, aceitou uma vaga na Vivo, e teve que lidar com desafios enormes para reestruturar o time que foi contratado para liderar. O trabalho duro de Trevisani trouxe resultados extremamente positivos à empresa e ao seu chefe, vice-presidente da operação na época.

          Ao receber uma proposta para assumir o cargo de diretor de marketing da gigante de informática IBM, Marcelo decidiu pelo caminho menos usual: ele compartilhou a situação com seu gestor. “Em primeiro momento, ele até tentou me convencer do contrário. Mas depois admitiu que não tinha a melhor oportunidade para mim. Ter o apoio e mentoria dele foi fundamental para eu ter tomado essa decisão para minha carreira”, conta Trevisani. A história tem final feliz: além da mudança para uma posição prestigiada, sair de portas abertas com seu chefe permitiu que ele pudesse construir uma parceria entre a Vivo e a IBM posteriormente.

          Mentoria externa

          Ok, pode ser que nem tudo sejam flores na empresa em que você trabalha. Os números mostram que esse é o caso na maior parte das vezes: uma pesquisa encomendada pelo LinkedIn Brasil em fevereiro mostrou que, por aqui, 60% das pessoas não gostam do próprio trabalho. Isso são três a cada cinco brasileiros.

          Nesses casos, fica um pouco mais difícil buscar amparo dentro da organização. A desconfiança nos seus pares, gestores e colegas pode atrapalhar na honestidade da mentoria. Como dissemos lá em cima, um pilar fundamental e condicional para o sucesso da ferramenta.

          Portanto, para Márcio, buscar uma mentoria fora desse ambiente pode oferecer a oxigenação necessária para ver com mais clareza sua situação ali – seja ela boa ou ruim. 

          “Houve pessoas que me procuraram para reclamar de cobrança por resultados dentro da companhia. Mas, veja bem: todas terão isso. Até empresas com pegada social precisam entregar… impacto social. Por isso, essa visão de fora pode ajudar a relativizar situações que ao colaborador são desagradáveis – ou, realmente, mostrar que aquilo é insustentável e traçar um plano de saída”, explica ele.

          No Brasil, 60% das pessoas não gostam do próprio trabalho. Isso são três a cada cinco brasileiros.

          Claro, a mentoria externa é superválida no apocalipse. Mas ela também pode ser útil quando a área em que você está buscando se aprofundar apenas foge do escopo da empresa. “Não precisa ser óbvio. Eu, como farmacêutica, tive vários mentores com backgrounds muito diferentes do meu. Engenheiros, profissionais de marketing… é fundamental pensar em formatos que te tragam olhares diferentes ao mesmo problema”, aponta Suellen.

          Mentoria reversa

          Saindo do óbvio, uma alternativa muito interessante é a busca de profissionais por mentores mais novos: a tal da mentoria reversa. Ela inverte o papel de líder e liderado, permitindo que colaboradores com menos anos de empresa (e de vida) aconselhem seus pares em assuntos que podem não dominar tão bem.

          Isso vale para tecnologia, claro, mas também é uma ferramenta interessante de diversidade e inclusão. Por exemplo: na Evonik, multinacional alemã de produtos químicos, esse tipo de mentoria foi implementada em 2018. Segundo Thabata Marengo, especialista em Diversidade e Inclusão da empresa, esse projeto foi importantíssimo para celebrar e fomentar a multiculturalidade da empresa (presente em mais de cem países) e aproximar gerações e pessoas com pano de fundo completamente diferentes.

          “Além disso, você adquire conhecimento sobre a própria empresa, pode compreender melhor o que é esperado de você dentro da sua área e, de tabela, aumenta seu networking [no caso do mentor]”, complementa Thabata. Isso também é verdade na mentoria tradicional – mas, ao inverter os papeis, as coisas ganham um olhar muito diferente. Às vezes, justamente o que o mentorado estava precisando.

          Para a mentoria dar certo, o mentorado precisa adquirir uma postura de aprendiz.

          Hoje, Thabata explica que o match entre os colaboradores é global, feito usualmente duas vezes por ano e à mão. Mas que, em breve, a Evonik pretende lançar um aplicativo interno que consiga fazer as conexões entre os colaboradores automaticamente, permitindo que essa atividade seja feita o ano todo, sob demanda do próprio colaborador.

          Existe momento ideal para buscar a mentoria?

          Para Marcio, da Top2You, você pode acionar um mentor à mesma medida que pensa em acionar um médico. Isso é: quando sente alguma dor. Independentemente de seu momento de carreira.

          Para Isis Borge, contudo, a mentoria pode ser mais efetiva a partir do momento em que você já está mais consciente dos caminhos que quer seguir. Do que lhe traz felicidade, quais tarefas gosta de executar, planos de longo prazo… e por aí vai. Se está perdidinho da silva, existem pré-ferramentas – como um Plano de Desenvolvimento Individual, até uma autoavaliação, por exemplo – que podem suprir alguns buracos antes de você correr atrás de um mentor. 

          “No começo da carreira, é natural que as pessoas testem as águas na profissão, e ainda não tenham certeza exatamente do que gostam e querem fazer. Dependendo da fase da carreira, não vejo a mentoria como algo tão necessário”, argumenta Isis. 

          É com você – mas calma…

          Dicas dadas, alternativas postas, instrumentos afinados: está na hora da banda começar a tocar. Seja uma vez por semana ou uma vez por mês, dentro ou fora da empresa, com pessoas mais novas ou mais velhas que você… não tem certo ou errado. No final das contas, mentoria certa é mentoria à moda do freguês.

          Mais do que esses pormenores, é importante entender que, ainda que você seja capitão do navio, ninguém precisa navegar águas agitadas e percorrer caminhos incertos sozinho –  ainda mais quando existem pessoas que já passaram por essas tormentas e podem iluminar sua jornada. O poeta John Donne cantou essa bola lá no século 16, quando escreveu: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo. Todos são parte do continente, uma parte de um todo”. Baita mentor! 🙂

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